Jéssica 09/02/2014Palavra Cigana é um livro que contem seis contos da tradição oral cigana. Florencia Ferrari escolheu contos relacionados aos ciganos do Leste Europeu, esta foi uma escolha que esta antropóloga quis para desmistificar os ciganos até porque sua tese de mestrado chamada “Um olhar obliquo – contribuições para o imaginário ocidental sobre o cigano” busca trabalhar a visão dos não-ciganos sobre esta cultura que não tem nacionalidade ou religião definida. Acho que estes trabalhos cabem como complemento de sua pesquisa acadêmica.
A desmitificação dos ciganos proposta por Florencia Ferrari veem do princípio de que:
“(...) pouco sabemos sobre esses grupos familiares que levam uma vida nômade, espalhados por quase todos os países do mundo: não fazemos ideia do que eles gostam, do que riem, nem do que respeitam ou não. Foi justamente isto que me fascinou e me levou a estudar os ciganos.” (p. 80)
Desta maneira, Ferrari busca publicar os contos deles mostrando um novo olhar ao leitor sobre a cultura cigana. Cada conto veem partes da identidade cigana. No primeiro conto mostra a essência nômade da alma cigana, quando um dos personagens diz:
“-Tudo o que um homem pode desejar eu já tenho. Mas depois de viver entre os ciganos, é como se algum espírito inquieto me convidasse para a estrada, a me sentar junto ao fogo e ouvir canções ciganas...” (p.22)
Já no segundo, terceiro e quarto contos trabalham com uma imagem de ciganos relacionados com a bondade. O trecho que fica nítido isto é: “-Esposa querida, ele é pobre como nós. Se não lhe dermos abrigo, quem dará? Chega de conversa: ele vai dormir aqui.” (p. 38) Mostrando uma bondade pelo outro que também é marginalizado, assim como os ciganos. A cultura cigana apesar de não haver apenas uma tradição que foi perseguida pela história por serem diferentes. Isto fez com que a necessidade de “fugir” fosse mais forte do que ser nômade e ir aonde o vento os levar.
No quarto conto isto fica até cómico, pois a questão de pagar suas dívidas faz com que:
“No mesmo dia, o cigano defunto saiu do túmulo como um morto-vivo e foi atrás do vendedor que pagara sua dívida. Sem mais explicações, disse a ele:
-Você é uma boa pessoa. Vamos trabalhar juntos e ganhar muito dinheiro.” (p. 52)
No último conto algo intrigante, porém triste ao pensarmos que São Jorge foi falar com Deus e perguntou “como os ciganos devem viver” e a resposta foi:
“- Diga aos ciganos que vivam por suas próprias leis. Onde mendiguem, onde morrem, onde tomem sem permissão, isso é problema deles. Diga-lhes isso.” (p. 74)
Todas estas citações mostram um pouco da tradição oral das quais são transmitidos seus valores, seus costumes e suas identidades. A cultura cigana foi alvo de preconceitos que até hoje persistem em os persegui-los. Apesar disto, os ciganos buscam preservar sua cultura e suas tradições independentemente destes problemas. Este livro me fez interessar pela cultura que tão pouco conhecida e que é tanto explorada em filmes, e livros. Um exemplo, que busca comparar o ser nômade do cigano com o dos indígenas é o filme Chocolate dirigido por Lasse Hallström.
Ferrari faz um trabalho com intenções boas de abrir ao público leitor um mundo diferente e de valores outros, mas o que deixa mais gostoso é sabemos ao final do livro que ela deixou referência de outros livros, música e imagens sobre os ciganos. Deixando assim, um “gostinho de quero mais” ao leitor que se encantou com os contos presentes no livro.
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