GilbertoOrtegaJr 22/03/2016O Retorno – Dulce Maria CardosoUma das consequências da Revolução dos Cravos, ocorrida em 1974, foi Portugal perder suas colônias no ano seguinte em 1975, e como efeito colateral, mais de meio milhão de portugueses que viviam nestas colônias tiveram que retornar para Portugal, uma vez que já não eram bem-vindos, tampouco bem vistos nas colônias, mesmo quem agiu com justiça para com a população nativa destas colônias
E neste caso se encaixa o jovem Rui, o narrador e protagonista do livro O retorno da escritora portuguesa Dulce Maria Cardoso, os pais de Rui, Glória e Mário imigraram para a Angola, e lá começaram a construir sua vida, casa e família, surgindo deste casamento os filhos, Rui e sua irmã Maria de Lurdes (chamada, ora de Lurdes ora de Milucha), mas logo está vida pacífica passou a ser perturbada com um dos efeitos da Revolução dos Cravos. Este efeito fez com que os portugueses juntamente com sua família deixem as colônias e retornem a Portugal, ou eles seriam mortos.
Logo, Rui, sua mãe e sua irmã vão para a metrópole, porém um empecilho faz com que seu pai fique para trás, e iria posteriormente encontrar com sua família. O que ficou foi uma casa, os amigos, que acabaram indo embora antes de Rui, a cachorra da família e umas poucas posses, além de um tio, porém este não entraria no inventário das perdas já que é gay, e por tabela trouxe má fama a família. E por mais singelo que aquilo que ficou, existe o valor emocional, pois tudo por mais simples que fosse, fez parte de uma parcela da vida da família de Rui. E aqui vale deixar claro que não só coisas boas que compuseram a história desta família, foi na colônia que a mãe passou a apresentar alguns surtos, e um começo de doença mental, que Mário, o pai, lida indevidamente levando sua mulher até mesmo em curandeiros.
As famílias dos retornados passam a viver em um hotel de quatro estrelas na metrópole, que logo fica superlotado, e a proporção em que o hotel vai ficando mais lotado, ele vai perdendo mais e mais a sua classe, por mais que sua gerente tente mantê-la. E nisto o mais interessante é: por que ficamos tão preocupado quando os moradores passam a desrespeitar as regras do hotel usando seus espaços de forma não convencional? Quando um morador usa a churrasqueira em uma área que não devia, ou quando tem mais gente na piscina do que o total adequado, mesmo que isso seja o caminho lógico? Afinal se pensarmos bem os espaços arquitetônicos são feitos para serem moldados pelos seres humanos a medida que necessitamos fazer estas modificações, e não o inverso, os seres humanos terem que se moldar aos espaços arquitetônicos.
O lado claramente bom é que nem tudo é contraste e estranhamento, os jovens são os mesmos, a irmã de Rui é a igual a qualquer adolescente que mente para se encaixar no grupo (quando ela nega que é uma retornada), Rui ainda é um menino que prefere pensar em paqueras ou aventuras do que na escola, e seu interesse diminui mais ainda a cada vez que sofre preconceito.
A espera do pai que demora a chegar pode ser interpretada de várias formas: a) a transição de Rui de menino para homem, se tornando mesmo que de forma temporária o homem da casa, b) a perda que a família vive: seja de sua casa, sua cidade ou do pai como base da família, fazendo assim com que surge um questionamento que nunca feito antes, de; e se faltar o pai? c) a inconstância que a família vive de em uma hora ter toda uma vida definida, na outra hora não ter mais, tendo assim que se reinventar e viver com as incertezas.
Ao longo de 272 páginas Dulce Maria Cardoso consegue narrar de forma precisa e ao mesmo tempo poética toda esta situação delicada da qual viveu quem retornou, e capta de forma belíssima esta fascinante transformação dessas pessoas, se por um lado eles não podem ser da colônia porque vieram de Portugal, por outro lado eles não são mais tão portugueses, porque voltaram a Portugal após terem abandonado seu país para irem viver em uma colônia. A necessidade de reinventar sua própria identidade tanto geográfica quanto pessoal, e em meio a tudo isso , o crescimento que não cessa à espera de que a situação se resolva. E é nesta intrínseca transformação que está toda a força e beleza de O retorno, por meio se uma situação histórica o leitor tem um breve vislumbre dos seres humanos que estão em mudança, não para melhor ou para pior, apenas diferentes daquelas vividas antes, e é nisto que se constitui a graça da vida; mudar sem se repetir ou esgotar.
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