A Consolação da Filosofia

A Consolação da Filosofia Boécio




Resenhas - A consolação da filosofia


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Diego 10/05/2021

A circunstância
Eis um livro que aumenta de tamanho quando consideramos as circunstâncias em que foi escrito. A explicação destas consta na parte introdutória.
O autor foi procurar a consolação da filosofia em um momento delicadíssimo de sua vida. A filosofia ajudou-o dentro das possibilidades dele próprio...
A obra é toda baseada na premissa da existência de Deus.
A questão da aparente incompatibilidade entre a onisciência de Deus e a existência do livre-arbítrio, parte final do livro, foi o que mais me agradou.
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Adriana 22/09/2021

O livro?
Posso dizer que esse livro foi imprescindível para a minha ? cura?.

Querido Anício Mânlio Torquato Severino Boécio,mais conhecido como Boecio, tantos anos nos separam, mais de 1500 anos, porém sua obra me tocou, e me transformou como ser humano para que eu pudesse continuar minha caminhada.
Pensando na sua vida em termos de cultura e conhecimento para vida, e as dificuldades daquela época, o jeito que você trouxe a sua amiga filosofia para perto de ti me impressionou.
Voce personifica a grande mestre que é a FILOSOFIA com muita profundidade.
Sua obra pra mim é Única?não encontrarei nada que possa ser mais belo, profundo e de suma importância para os nossos dias.
Com certeza, que pra quem o leu de alguma forma, a alma se transforma.
Tudo em volta muda.
A perspectiva em relação ao mundo simplesmente se transmuta, a bexiga se enche de ar e estoura e vc acorda para o que realmente é real.
É como o despertar de um sono profundo da princesa dos contos de fada que dorme por 100 anos e de repente se redescobre e se reinventa.
Sendo assim, a Vida é o presente que devemos honrar, independente de qualquer circunstância.
Viva leve? livre.. e solta!
E enquanto puder brinde-a sempre!

Obrigada,meu querido Boécio,por tanto.

Já pensei ter um papo contigo meu caro Boécio,no século 21?você me parece tão íntimo.
Tão distantes e tão perto.

E essa sensação é extraordinária.
Quem sabe, um dia!
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Barboza 12/09/2021

Minha cabeça explodiu
Abro esta resenha dizendo que todas as pessoas deveriam ler o capítulo cinco desta obra. Digo isso, pois ele é de uma clareza absurda para entendermos a felicidade e a maldade visto de uma perspectiva filosófica - sem frases de efeito vazias e embasadas em conhecimentos perecíveis.

Outro motivo para ler o capítulo cinco é o de colocar em prova nossas capacidades cognitivas. Sempre que leio algo difícil de acompanhar, fico brabo comigo mesmo. Isso por causa do Dr. Clóvis. Afinal, como diria ele naquela célebre aula: o sujeito teve todo o trabalho de produzir aquele conhecimento, assimilar e escrever, tu só precisas ir lá e ler para entender.

O que leva a dizer que o livro não é fácil. Não é uma porta de entrada confortável para as ideias ali expressas. Tive sorte que acaso - ironicamente o autor termina dizendo que não há acasos - li uma obra de introdução a teologia ortodoxa e lá já era apresentada algumas das ideias aprofundadas neste livro.

Aliás, é muito instigante visualizar como o conhecimento sobre Deus foi construído ao longo do tempo. Ler esta obra não é como ler um Santo Padre evidentemente. O foco aqui é outro. Mas fica aquele vislumbramento daquela tentativa de virar nossas faces em direção a Deus e tentar, nem que seja uma fração pequena como uma centelha, entender.

Grande livro e baita aula! Recomendo a todos!
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Marquim 28/12/2020

A consolação da filosofia
Uma história bastante instigante. Confesso que, a princípio, estava bastante receoso, pois não sou muito bom de filosofia. No entanto, muitos momentos do livro me fizeram pensar muito na vida e também nas decisões a serem tomadas diariamente. Isso tornou a experiência bem agradável.
Auricélia 24/01/2021minha estante
Essa foi minha leitura mais demorada, muitas reflexões , muitas referências nas entrelinhas ... maravilhoso


Rodolfo Schreiner 17/10/2022minha estante
Bom dia. Você poderia me informar quem é o tradutor deste livro? Obrigado




Tiago.Cecconello 29/09/2023

A CONSOLAÇÃO PARA O SÉCULO 21
É extremamente cativante e inspirador o que o espírito humano é capaz de fazer. Um homem torturado e com o destino decretado, esperando a morte chegar, busca consolo na filosofia que estudou e amou durante toda sua vida.

Você já parou para pensar quão incrível é poder ler os pensamentos de alguém que estava atormentado pela morte há centenas e centenas de anos?

Você já parou para pensar que nós somos privilegiados, pois todos os dramas e as angústias que sofremos já foram sofridas e sopesadas por mentes brilhantes no decorrer de milhares de anos?

E tal como viajantes que estão começando uma jornada pelos misteriosos caminho da vida, temos acesso a uma vasta literatura que serve como verdadeiro mapa para que possamos evitar armadilhas e seguir um percurso muito mais tranquilo.

O livro de Boécio nunca foi tão atual. Na Era dos medicamentos, do pânico e da depressão, ele é um remédio racional poderoso para nos ajudar a enfrentar os demônios que assolam o homem desde a sua existência nesse mundo.

Inteligente é quem se vale da biblioterapia e do saber milenar para enfrentar o absurdo existencial. Se homens inteligentes e corajosos já trilharam o caminho antes de mim, aproveitemos para tornar o nosso muito melhor!
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Inlectus 15/09/2021

Típico.
Um típico clássico, com aquela linguagem de elite intelectual que hoje parece de outro mundo, mas ao mesmo tempo agradável, altamente reflexivo, e bem subliminar.
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Paula 09/06/2022

Obra muito bela da filosofia medieval. Trabalhei esta obra em um projeto na faculdade e gostei muito. Muito interessante e bonito o jeito como ele personifica a Filosofia.
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Jess.Carmo 27/07/2023

Um aristotélico cristão
O diálogo de Boécio com a personagem filosofia é marcado pela ética aristotélica.

No terceiro livro, a Filosofia conduzirá Boécio para a verdadeira felicidade. Para ela, a felicidade não pode ser vista apenas pela aparência.
Mas o que seria a felicidade? Uma primeira definição é dada logo no início do diálogo, a saber, a felicidade é "o bem supremo, que contém em si mesmo todos os bens" (p.42). Dessa forma, se algum bem falta na vida de alguém, essa pessoa não é feliz, já que o bem supremo contém todos os bens. A felicidade é, portanto, um estado de perfeição. Todos os mortais têm por objetivo a felicidade, mas sua ignorância os desviam para falsos bens.

O exemplo do primeiro bem que a companheira de Boécio dá como exemplo é a riqueza. Alguns homens pensam que apenas pela riqueza poderiam alcançar a felicidade. Outros acreditam que o bem que traria felicidade é o poder. Também existem aqueles que pensam que a celebridade ou a fama seria esse verdadeiro bem. Por último, existem sujeitos que acreditam que o verdadeiro bem reside no prazer.

Também notamos uma forte influência da ética aristotélica no diálogo. A conselheira de cela diz que a amizade é, diferente da riqueza, o tesouro mais sagrado que temos, já que a verdadeira amizade é aquela que é conquistada pela virtude, não por riqueza, poder ou pelo mero prazer.

Visto isto, os homens se enganam ao pensar que alcançarão a felicidade, o bem soberano, apenas por um desses meios. Entretanto, ao procurar esses bem e se enganarem, os homens acabam por se afastar da felicidade, já que ao buscar apenas um desses bens, os homens excluem todos os outros bens necessários para a felicidade. Boécio experienciou essa enganação em vida. Quando vivia rodeado de riqueza, também era perturbado por inquietações e preocupações. Ou seja, lhe faltava algo. Mesmo com a riqueza dependemos de coisas externas a ela. A riqueza é apenas uma forma de tornar mais suportável a dependência, mas não a suprime. Além disso, a riqueza cria uma certa voracidade, a saber, a riqueza cria necessidades. A riqueza também implicaria tornar outros mais pobres, ou seja, seria o caso de conquistar a felicidade pela infelicidade de um outro. Nossa amiga filosofia encerra essa parte com um breve poema:

O rico, mesmo em meio a um turbilhão de outro,
Ajunta bens incapazes de apaziguar sua avareza;
Mesmo que cubra o pescoço com pérolas do Mar Vermelho
E faça uma centena de bois lavrar seus campos férteis,
A angústia não cessará enquanto ele viver,
E com sua morte seus bens inconstantes o abandonarão.

O mesmo ocorre com todos os outros bens citados por ela, a saber, o prazer, a celebridade e o poder. Não é à toa que o poderoso anda cercado de guardas para o proteger. O poder traz também grandes preocupações, tornando o poderoso mais temoroso do que temido. Enquanto a celebridade ou a glória depende muito mais daqueles que depositam a fama naquela celebridade do que da própria celebridade. Por vezes, para se manter nesse lugar de fama também é preciso se humilhar para que os outros depositem o suposto prestígio que é necessário para a fama. Por fim, se os prazeres fossem o verdadeiro bem, poderíamos dizer que os animais também conhecem a verdadeira felicidade, o que seria, nesse contexto, absurdo. O prazer também é um bem fugidio e frágil.

A felicidade é um bem que não necessita de nada externo. Para a nossa amiga Filosofia, a felicidade se trata de algo uno que a ignorância dos homens teima em dividir. Eles se esforçam por obter as partes de algo que não comporta partes e ao almejar apenas a parte, eles não conseguem nem uma coisa (a parte) nem outra (a felicidade, descrita aqui como a totalidade). Por exemplo, aquele que pensa que o verdadeiro bem é a riqueza se priva de muitos prazeres, mesmo os mais simples, por medo de perder sua riqueza. Assim acontece com os que pensam que o verdadeiro bem é apenas o prazer, ou o poder, ou a fama. Boécio então conclui que a verdadeira "felicidade é aquela que torna um homem completamente independente, poderoso, respeitável, ilustre e feliz" (p. 57).

Em outra parte do diálogo, a Filosofia introduz a problemática da figura de Deus. Não há dúvidas que Deus "contém o perfeito e soberano bem" (p. 58). Entretanto, no início do diálogo do livro III, ela havia afirmado que o bem perfeito é a felicidade. Dessa forma, a verdadeira felicidade só poderia residir na figura de Deus. Assim, se a felicidade é por natureza divina, a sua aquisição se dá pelo divino.

É daí que ela desenvolverá e irá contradizer a conclusão de Boécio de que a felicidade é constituída por partes. Na verdade, todos esses bens (poder, riqueza, prazer, fama) têm uma única e mesma substância e constituem um só corpo. Se as partes do corpo se dividem, o corpo deixa de ser o que é. Dessa forma, a felicidade não é a constituição de vários membros, mas um corpo só. A causa que nos faz buscar todas essas coisas é o bem, não as coisas em si. Se procurássemos essas coisas e não o bem que suponhamos que elas tenham, não as desejaríamos.


site: https://www.instagram.com/carmojess/
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Luiz 17/09/2022

A Razão cura o homem, graças a consolação da Filosofia
Livro: A Consolação da Filosofia
Autor: Boécio

Ao ter sido acusado de traição, depois de exercer por um tempo cargo público, Boécio é preso e será executado, assim, inspirado em sua própria história, ele narra, em seu cárcere, o seu encontro com a personificação da Filosofia, a quem irá descarregar nela toda sua angústia e frustração pelo que lhe ocorreu. Filosofia recorre ao intelecto e a razão de Boécio para lhe fazer perceber a vida boa que teve, o quanto aprendeu e o legado deixado, e desta forma, acompanhamos os diálogos e cantos de Filosofia consolando seu anfitrião e fiel devoto, a razão neste sentido é o remédio fornecido para conecta-lo ao transcendente, adquirindo as virtudes fundamentais que fazem o homem digno do bem verdadeiro. Assim, o papel da Filosofia é corrigir a razão para buscar as coisas mais elevadas do espírito e do intelecto humano, para adquirir as virtudes que elevam o ser humano.

Em certa medida é um livro que me lembra vagamente os diálogos platônicos e a divina comédia; carregado de ideias filosóficas sobre a Virtude, a Fortuna, o Bem e o Mal, a Natureza Humana, a Vocação, o Legado, a Razão e o Intelecto, Deus, e dentre tantos outros assuntos, torna o livro um misto de literatura e filosofia.

É um livro que apesar de relativamente denso em conteúdo, mas que compensa em sua excelente escrita e explanação; consegue trazer o leitor a refletir e até compactuar com as queixas de Boécio; quem nunca se perguntou o porquê alguns são mais sortudos e beneficiados do que outros? Ou por que existem pessoas más no mundo? Ou, também, o que diferencia o ser humano de todos outros seres? E etc.

É um livro que marca o leitor singularmente pelas questões levantadas, bem como a densidade reflexiva das respostas colocadas. É um livro que vai muito além do seu conteúdo. A cada nova folheada percebo a profundidade do livro, sem dúvida seria um excelente livro pra se começar a estudar filosofia. Uma leitura muito boa pra quem curtir este livro é "A Vida Intelectual" do Padre Sertillanges, são livros que se conversam bastante.

Diria que os pontos negativos do livro seriam o Prefácio, particularmente achei bem chato e confuso em alguns pontos, e outro ponto negativo seria o fechamento da obra, que não possui propriamente, mas que considerando as circunstâncias da obra é compreensível. Recomendo a leitura.

"[...] pois assim é a natureza humana: superior a todo o resto da criação quando usa de suas faculdades racionais, mas da mais baixa condição quando cessa de ser o que realmente é. Nos animais, essa ignorância de si mesmos é inerente à sua natureza; no homem, é uma degradação."
(Filosofia / Boécio, p. 40)

"Acabastes de aprender que tudo o que é é uno, e essa unidade é o bem, donde resulta que tudo o que é parece também ser o bem. Desta forma, tudo o que se afasta do bem deixa de existir; os maus deixam de ser, mas o fato de conservarem a aparência física de um ser humano mostra que eles já foram verdadeiros homens. E  é assim que, afundando na maldade, eles perdem ao mesmo tempo sua natureza humana. Mas, como somente a bondade pode levar um homem acima da natureza humana, é necessário concluirmos que a maldade rebaixa os que a ela se aplicam para aquém do nível humano. Portanto, podes concluir que não se pode considerar um humano aquele que foi metamorfoseado por muitos vícios."
(Filosofia / Boécio, p. 105)
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Ramon98 05/02/2024

A filosofia encarnada consola seu filho
Os Dramas de Boécio na prisão ganham vozes em "A Consolação da Filosofia". É esplêndido imaginar que nossa consciência e introspecção atingem patamares cada vez mais altos em momentos de dor e aflição. Aqui Boécio não só dá voz à filosofia que o trouxe até as masmorras da prisão, como ao contrário de Judas não a renega. Sua consciência dá voz a ela em um momento crucial em sua vida, como um refúgio e lembrança de tudo o que ela já o muniu durante sua trajetória de vida.
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Marcos606 14/01/2024

Escrito em forma de um diálogo entre Boécio, sentado na sua cela de prisão à espera da execução, e uma dama que personifica a Filosofia, e a sua prosa muitas vezes altamente retórica é intercalada com passagens em versos. Embora seja verdade que em outros lugares Boécio não escreve de uma forma que o identifique como cristão, exceto nos Tratados Teológicos I, II, IV e V, a ausência de qualquer referência explícita ao Cristianismo na Consolação coloca um problema especial, quando se lembra que se trata da obra de um homem prestes a enfrentar a morte e que assim compõe de forma muito literal o seu testamento filosófico e literário.

A verdadeira situação de Boécio prepara o cenário para o argumento da Consolação. Ele se representa totalmente confuso e abatido por sua repentina mudança de sorte. A primeira tarefa da filosofia - fiel ao objetivo genérico de uma consolatio - é consolar, não oferecendo simpatia, mas mostrando que Boécio não tem bons motivos para reclamar: a verdadeira felicidade, ela deseja argumentar, não é prejudicada nem mesmo pelo tipo de desastre que ele experimentou. Ela também identifica no Livro I um objetivo mais amplo: mostrar que não é verdade, como afirma o personagem Boécio, que os ímpios prosperem e os bons sejam oprimidos.

A filosofia parece ter duas linhas de argumentação diferentes para mostrar a Boécio que sua situação não o exclui da verdadeira felicidade. A primeira linha de argumentos baseia-se numa visão complexa do bem maior. Apresentada no Livro II e na primeira parte do Livro III, distingue entre os bens ornamentais da fortuna (acaso), que são de valor muito limitado – riqueza, status, poder e prazer sensual – e os verdadeiros bens: as virtudes e também a suficiência, que é o que realmente desejam aqueles que buscam riqueza, status e poder. Também reconhece alguns bens não ornamentais da fortuna, como os amigos e a família de uma pessoa, como tendo um valor genuíno considerável. Com base nestas distinções, a Filosofia pode argumentar que Boécio não perdeu quaisquer bens verdadeiros e que ainda retém aqueles bens da fortuna – a sua família – que têm muito valor real. Ela não afirma que, ao passar de poderoso, rico e respeitado ao status de prisioneiro condenado, Boécio não perdeu nada de valor. Mas a sua perda não o separa necessariamente da verdadeira felicidade, que é alcançada principalmente por uma vida austera baseada na suficiência, na virtude e na sabedoria.

A segunda linha de argumento da filosofia baseia-se numa visão simples do bem maior. Ela começa a apresentá-lo no livro III, um ponto de virada na discussão, que é precedido pelo poema mais solene de toda a obra (III m. 9), uma invocação a Deus em termos emprestados do Timeu de Platão. Através de uma série de argumentos que extraem as consequências dos pressupostos neoplatónicos que Boécio aceita, a Filosofia mostra que o bem perfeito e a felicidade perfeita não estão meramente em Deus: eles são Deus. A felicidade perfeita é, portanto, completamente intocada pelas mudanças na fortuna terrena, por mais drásticas que sejam. Mas o que esta segunda abordagem não consegue explicar é como se supõe que o indivíduo humano, como Boécio, se relacione com a felicidade perfeita que é Deus. A filosofia parece falar como se, simplesmente por saber que Deus é a felicidade perfeita, o próprio Boécio se tornaria feliz, embora na próxima seção pareça que é agindo bem que uma pessoa pode alcançar o bem.

A filosofia agora prossegue (III.11-12) para explicar como Deus governa o universo. Ele faz isso agindo como uma causa final. Ele é o bem que todas as coisas desejam e, portanto, funciona como “um leme, pelo qual a estrutura do mundo é mantida estável e sem decadência.” A filosofia retrata assim um Deus inteiramente não intervencionista, presidindo um universo que é bem ordenado simplesmente porque existe. Mas como é que este relato se enquadra na aparente opressão dos bons e no triunfo dos ímpios, de que Boécio começou por se queixar? No Livro IV, a Filosofia mostra, com base no Górgias de Platão, que os maus não prosperam realmente e são, de facto, impotentes. Seu argumento central é que o que todos desejam é a felicidade, e a felicidade é idêntica ao bem. Os bons, portanto, obtiveram felicidade, enquanto os maus não; e como as pessoas têm poder na medida em que podem obter ou realizar o que desejam, os ímpios são impotentes. Ela também argumenta que os bons ganham sua recompensa automaticamente, pois por serem bons alcançam o bem, que é a felicidade. Em contrapartida, como o mal não é uma coisa, mas uma privação da existência, por serem perversos, as pessoas punem-se a si mesmas, porque deixam mesmo de existir - isto é, deixam de ser o tipo de coisas que eram, humanos, e tornam-se outras, animais inferiores. A filosofia é, portanto, capaz de apresentar enfaticamente duas das afirmações mais contra-intuitivas do Górgias: que os ímpios são mais felizes quando são impedidos de cometer o seu mal e punidos por ele, do que quando o praticam impunemente, e que aqueles que cometem injustiças são mais infelizes do que aqueles que as sofrem.

No início do IV.5, porém, há outra mudança de direção. Boécio, o personagem, pode apresentar as objeções óbvias e de bom senso à posição que a Filosofia vem tomando: “Qual homem sábio”, ele pergunta, “preferiria ser um exilado desonrado e sem um tostão, em vez de permanecer em sua própria cidade e levar lá uma vida próspera, rica, reverenciada em honra e forte em poder?' A filosofia responde abandonando completamente a explicação desenvolvida a partir de III.11, que apresentava Deus como uma causa final não interveniente, e oferece, em vez disso, uma visão de Deus como a causa eficiente de todas as coisas. A providência divina é a visão unificada na mente de Deus do curso dos acontecimentos que, desdobrados no tempo, é chamado de “destino”, e tudo o que acontece na terra faz parte da providência de Deus. A mudança de direção da filosofia pode parecer à primeira vista tornar a objeção de bom senso de Boécio ainda mais difícil de responder, mas na verdade é bastante fácil para ela explicar que recompensas e punições aparentemente injustas na terra sempre servem a um propósito bom, embora para nós oculto. Um problema menos tratável levantado pela nova abordagem da Filosofia é que ela parece implicar que a vontade humana é determinada causalmente. Ao contrário de muitos filósofos modernos, Boécio não acreditava que a vontade pudesse permanecer livre, no sentido necessário para a atribuição de responsabilidade moral, se fosse determinada causalmente. Além disso, a Filosofia insiste que a cadeia causal da providência, tal como elaborada no destino, abrange tudo o que acontece. Em V.1, quando Boécio pergunta sobre o acaso, a Filosofia explica que se diz que os eventos acontecem por acaso quando são o resultado de uma cadeia de causas não intencionais ou inesperadas, como quando alguém está cavando em um campo em busca de vegetais e encontra um Tesouro enterrado. A solução da filosofia é argumentar (Livro V.2) que os atos racionais de volição, ao contrário de todos os eventos externos, não pertencem eles próprios à cadeia causal do destino. Esta liberdade, no entanto, é desfrutada apenas pelas “substâncias divinas” e pelos seres humanos engajados na contemplação de Deus. É reduzido e perdido à medida que os humanos dão atenção às coisas mundanas e se deixam influenciar pelas paixões.

Uma maneira perfeitamente plausível de ler a Consolação é considerá-la, como a maioria das obras filosóficas são interpretadas, pelo seu valor nominal. Nesta leitura, a Filosofia é reconhecida como uma figura claramente autoritária, cujo ensino não deve ser posto em dúvida e cujo sucesso em consolar o personagem Boécio deve ser considerado completo. As aparentes mudanças de direção observadas serão tomadas como etapas na reeducação de Boécio ou como efeitos não intencionais do desejo do autor de transformar esta obra em um compêndio de um sistema filosófico sincretista, e da própria visão da Filosofia de que ela resolveu o problema. O problema da presciência será aceito como o do autor Boécio.

No entanto, há uma série de razões que sugerem que a intenção de Boécio como autor era mais complexa. Em primeiro lugar, teria sido difícil para o seu público-alvo de cristãos instruídos ignorar o facto de que neste diálogo um cristão, Boécio, está a ser instruído por uma figura que representa claramente a tradição da filosofia pagã e que propõe algumas posições que a maioria dos cristãos teria considerado duvidosa. O personagem Boécio não diz nada que seja explicitamente cristão, mas quando em III.12 a Filosofia diz, ecoando as palavras da Sabedoria VIII, 1 que 'é o bem maior que governa todas as coisas fortemente e as dispõe docemente', ele expressa seu deleite não apenas no que ela disse, mas muito mais “nas mesmas palavras” que ela usa – uma ampla indicação para o leitor de que ele se lembra de sua identidade cristã mesmo no meio de sua instrução filosófica.

Em segundo lugar, o gênero que Boécio escolheu para a Consolação, o do prosimetrum ou sátira menipeia, foi associado a obras que ridicularizam as pretensões de reivindicações de autoridade à sabedoria.

É plausível, assim, afirmar que Boécio quis, embora reconhecendo o valor da filosofia - à qual dedicou a sua vida e pela qual se apresentava como prestes a morrer - apontar as suas limitações: limitações que a própria Filosofia, que faz questão de ressaltar que ela não é divina, aceita. A filosofia fornece argumentos e soluções para problemas que devem ser aceitos e ensina um modo de vida que deve ser seguido, mas não consegue fornecer uma compreensão coerente e abrangente de Deus e da sua relação com as criaturas. O personagem Boécio deveria ficar satisfeito, mas não completamente satisfeito, com o argumento da Filosofia. E se esta é a posição do autor Boécio na Consolação, então ela se ajusta intimamente ao método teológico que ele foi pioneiro na opuscula sacra.
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SamuellVilarr 13/03/2021

A Consolação da Filosofia, Boécio.
É um livro escrito sob uma perspectiva de sofrimento, temor e acima de tudo, sabedoria. Pois Boécio escreveu "A Consolação da Filosofia" enquanto foi julgado e condenado a morte. Sobre o livro, se trata de um complô dos assuntos da Filosofia discutido por boécio. E principalmente assuntos que estão ligados á questões da consciência e da natureza do ser humano e do divino. Boécio era teólogo e poeta. No meio das reflexões (cuja sabedoria também é um instrumento que veio principalmente da influência dos filósofos gregos Platão e Aristóteles) temos a presença de versos de poesia ligados severamente a sabedoria da vida e das questões metafísicas e divinas, sempre há uma citação, por exemplo, de Homero nas suas obras Ilíada e Odisseia. É um livro que vale a pena ser lido, principalmente quando se procura ler sobre alguma questão da sabedoria da vida no âmbito metafísico e filosófico das questões da sua natureza, convenhamos que quanto se trata disso, é um assunto válido de qualquer forma.
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Aline330 02/01/2022

Bem, o livro trata de questões comuns na filosofia, como felicidade, o bem, Deus, livre arbítrio, justiça, etc. Com a diferença de que é escrita por alguém a beira da morte por condenação, então não há rodeios. A forma da escrita é bastante semelhante aos diálogos socráticos, quem já está acostumado sentirá que é uma leitura bem fácil e leve, apesar dos temas. A introdução desta edição também é muito boa, não conhecia tão a fundo a vida deste filosófo.
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Marvko 06/05/2022

"Os maus não são capazes de roubar a glória dos íntegros."
"De Consolatione Philosophiae", de inestimável valor filosófico e literário, foi, depois da Bíblia, o livro mais prolífico e difundido da Antiguidade Tardia e Idade Média, até a publicação da "Divina Comédia" de Dante.
Dado a notável influência neoplatônica e aristotélica (além de estóica) na obra, esta é considerada o último clássico da Filosofia Antiga, além de marcar o fim da Patrística e início da Escolástica.

Severino Boécio, com uma escrita sublime, que alterna entre prosa e poesia a cada parágrafo, retrata seu relato autobiográfico através desta ficção alegórica, cujo estilo se assemelha aos diálogos platônicos e aos agostinianos. Para a total compreensão do livro, não se pode deixar de lado o contexto pessoal e histórico em que foi escrito. O autor, antes um estadista romano dono de uma verdadeira cornucópia, homem de cárater e virtudes morais que fazia de tudo para garantir a justiça, perdeu todas as suas riquezas, seu cargo, e seus bens, sofrendo terríveis torturas e sendo preso e condenado à morte. Ele então questiona: "Como a Divina Inteligência permite que um indivíduo tão virtuoso sofra tamanho martírio, enquanto os vis saem ilesos?" Boécio então decide, de forma poética, fazer uma última contribuição à humanidade, eternizando suas reflexões na História através dessa obra magistral.

Ele retrata a Filosofia personificada em forma de uma mulher que vai visitá-lo na prisão, dando respostas para as suas dúvidas. Ele aprende, dentre outras coisas, que os maus somente pensam que são felizes, ao passo que a verdadeira felicidade está no Bem, e este se identifica com Deus. Ademais, aprende que tudo que acontece no Universo já está determinado pelo Destino, subordinado à Providência, além de que, por mais contraditório e incompreensível que isso possa soar, tal fato não compromete o lívre-arbítrio humano (tema este já abordado em um diálogo de Santo Agostinho).

Trazendo a alegoria à vida real, a mensagem que Boécio quis passar é a seguinte: ele não aprendeu nada de novo; todo esse conhecimento já estava dentro dele. Tudo que a Filosofia fez foi desenterra-lo dos recônditos de sua alma.

Eu, particularmente, não era muito chegado à poesia. Mas, depois de ler essa obra, é impossível não apreciar tal estilo literário. Além disso, ela traz valiosos ensinamentos. Não foi à toa que Dante colocou Boécio entre os doutores de seu Paraíso. Recomendo a todos.
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