Marvko 06/05/2022
"Os maus não são capazes de roubar a glória dos íntegros."
"De Consolatione Philosophiae", de inestimável valor filosófico e literário, foi, depois da Bíblia, o livro mais prolífico e difundido da Antiguidade Tardia e Idade Média, até a publicação da "Divina Comédia" de Dante.
Dado a notável influência neoplatônica e aristotélica (além de estóica) na obra, esta é considerada o último clássico da Filosofia Antiga, além de marcar o fim da Patrística e início da Escolástica.
Severino Boécio, com uma escrita sublime, que alterna entre prosa e poesia a cada parágrafo, retrata seu relato autobiográfico através desta ficção alegórica, cujo estilo se assemelha aos diálogos platônicos e aos agostinianos. Para a total compreensão do livro, não se pode deixar de lado o contexto pessoal e histórico em que foi escrito. O autor, antes um estadista romano dono de uma verdadeira cornucópia, homem de cárater e virtudes morais que fazia de tudo para garantir a justiça, perdeu todas as suas riquezas, seu cargo, e seus bens, sofrendo terríveis torturas e sendo preso e condenado à morte. Ele então questiona: "Como a Divina Inteligência permite que um indivíduo tão virtuoso sofra tamanho martírio, enquanto os vis saem ilesos?" Boécio então decide, de forma poética, fazer uma última contribuição à humanidade, eternizando suas reflexões na História através dessa obra magistral.
Ele retrata a Filosofia personificada em forma de uma mulher que vai visitá-lo na prisão, dando respostas para as suas dúvidas. Ele aprende, dentre outras coisas, que os maus somente pensam que são felizes, ao passo que a verdadeira felicidade está no Bem, e este se identifica com Deus. Ademais, aprende que tudo que acontece no Universo já está determinado pelo Destino, subordinado à Providência, além de que, por mais contraditório e incompreensível que isso possa soar, tal fato não compromete o lívre-arbítrio humano (tema este já abordado em um diálogo de Santo Agostinho).
Trazendo a alegoria à vida real, a mensagem que Boécio quis passar é a seguinte: ele não aprendeu nada de novo; todo esse conhecimento já estava dentro dele. Tudo que a Filosofia fez foi desenterra-lo dos recônditos de sua alma.
Eu, particularmente, não era muito chegado à poesia. Mas, depois de ler essa obra, é impossível não apreciar tal estilo literário. Além disso, ela traz valiosos ensinamentos. Não foi à toa que Dante colocou Boécio entre os doutores de seu Paraíso. Recomendo a todos.