Stefanie Oliveira 11/04/2014
Às vezes é engraçado resenhar um livro. Dá uma insegurança... Um friozinho na barriga. Você sabe o que quer escrever, mas às vezes certas lembranças vêm a sua mente de modo a fazê-lo perguntar-se: “Devo mesmo dizer, nua e cruamente, ou apenas seguir pela parte mais técnica?” Talvez aquela mais aceita. Tenho de admitir que já tentei fazer isso muitas vezes, principalmente durante a graduação. Em momentos que, ou eu falava o que o professor queria ouvir, ou apenas sofreria certa consequência. Mas... Sinceramente? Nunca consegui. Talvez seja um defeito, uma qualidade... Quem sabe? Há a noção de que suas palavras vão causar certo desconforto, mas mesmo assim você quer dizê-las.
É como me sinto agora resenhando “História de O”.
Antes... Esqueça tudo o que você conhece como literatura erótica. “História de O” vai além de qualquer coisa que você possa imaginar. “É por ter sexo explícito e cenas extremamente violentas, Helli?”. Não, isso já tem até demais nos livros presentes nas listas de best-sellers. Não os menosprezando... Há livros best-sellers que são muito, muito bons. Mas é com toda certeza do mundo que a obra pela qual falo hoje vai além de cada um deles, simplesmente porque não é só o sexo. Não é só o sadomasoquismo. E muito menos a submissão desenfreada e indiscutível.
“O” é uma fotógrafa que, certo dia, é levada pelo próprio parceiro a um lugar conhecido como “Roissy”. Lá, passa a ser usada sexualmente para o prazer de terceiros que livremente fazem uso de seu corpo das maneiras mais agressivas e brutas que você possa imaginar. De modo a ela mesma chamar-se de prostituta, e é exatamente aí que se encontra o primeiro ponto marcante na história.
Entendo o termo “prostituição” como estado de entregar-se à devassidão em troca de dinheiro ou algo que lhe seja útil. Mas, para “O”, o pagamento vem em troca de um amor que ela acredita fielmente que seu noivo sente por ela. Durante toda a narrativa... Várias vezes encontra-se trechos em que a personagem pega-se buscando pelo homem que ama, dizendo que aceita aquele tipo de coisa porque sabe que aquilo o agrada. Sim, há aqueles que dizem que “O” gosta da servidão, e eu não discordo totalmente. Ela gosta... Mas esse apego à dor cresce na medida em que as páginas passam, ao passo que ela habitua-se a nova vida que ela mesma permitiu-se ter, clamando por um sentimento que ela achou que seria correspondido.
Que chovam pedras, críticas, xingamentos... Não me importo. Mas enxergo a submissão de “O” como pura maneira de agradar aquele que ama, ao menos no começo. De um jeito tão desenfreado... Que peguei-me diversas vezes tendo pena da personagem. Não pelas chicotadas, pelas surras, por todos os berros... Mas sim pela maneira com que ela, sempre ao apanhar, se pegava desviando o olhar por todo o cômodo, buscando dentre tantos corpos os olhos daquele que ama. O qual visivelmente a admira sim, sente prazer ao vê-la ser possuída por terceiros, mas que acaba distanciando-se tanto... Mas tanto... Que acaba por fazer a personagem ver-se sem ter o que fazer a não ser procurar outro lugar a se agarrar. Justamente porque esse homem que diz amá-la, simplesmente a entrega nas mãos de outro, por achar que ela ainda não foi “treinada” o suficiente. O qual, tão mais tirano... Conduz “O” à submissão suprema, a qual ela tanto se habitua, que sequer parece querer ver o caminho de volta.
“Não desejou morrer, mas se o suplício era o preço a pagar para que seu amante continuasse a amá-la, desejou apenas que ele ficasse contente por tê-lo padecido e esperou, doce e calada, que a conduzissem para ele.”
História de O, p. 41.
Digam que é excitante... Que é cru... Que é explícito. Mas, para mim? “História de O” nada é mais do que uma história triste de uma mulher que se afunda no próprio desejo de ser agradável. Não para ela... Mas para os outros. Inclusive há aqueles que dizem que a história é algum tipo de grito feminista... E para vocês eu deixo minha sincera e mais comovida gargalhada. A obra pode sim ter sido um escândalo, uma verdadeira polêmica quando foi publicada, até mesmo já nos dias atuais... Mas “O” é extremamente submissa. Porque ela quer ser? Sim, porque quer, depois que amadurece em sua nova condição. Mas no começo? A minha interpretação só pôde enxergar uma mulher que clama por agradar o noivo. Como se de alguma maneira ele fosse amá-la mais por isso. O que não tem como saber se aconteceu ou não... Mas a partir do desfecho da obra, só posso concluir que “O” é tão coitada quanto outrora eu pude imaginar. Aquela mescla entre paixão desfreada e falta de amor próprio que a levam à própria perdição.
O modo com que a história é descrita soa tristemente bonita aos meus olhos. Há sim passagens maçantes, algumas até mesmo um tanto quanto cansativas demais... Mas até mesmo em momentos de total humilhação, houve situações em que me vi incapaz de não sentir pena da personagem. Mesmo quando ela dizia firmemente que queria aquilo, que era dele, que podia fazer o que bem quisesse com ela.
O livro não é meu... Peguei essa edição literalmente clássica em uma biblioteca pública. A edição é da editora brasiliense, e ao final traz uma pequena nota que mais do que assina embaixo a minha teoria de que “O” nada mais é do que uma coitada, que entrega-se tanto a quem não lhe faz o mesmo, ao ponto de perder-se irreversivelmente. Gostaria até de transcrever... Mas já seria spoiler demais. Então aqui fica minha indicação. Sim... Eu indico a obra, caso você tenha estômago para cenas explicitamente agressivas e detalhadas, porque aqui o sadomasoquismo é apresentado em sua forma mais explícita... Com uma mescla de sentimentalismo que é tristemente lindo de ler.
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