A sul. o sombreiro

A sul. o sombreiro Pepetela




Resenhas - A Sul. O Sombreiro


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Johnny 22/09/2012

Romance e História
Todos temos os nossos escritores preferidos. Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, mais conhecido como Pepetela, é um dos meus. Seu modo de escrever é primoroso, revela jogo de cintura com as palavras, possui fino humor e um forte viés político. Pepetela lutou no MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola, foi político e governante, licenciado em Sociologia, ganhou o valoroso Prêmio Camões em 1997. Atualmente, é professor universitário e dirige associações culturais em Angola. Apesar de suas duras experiências na guerrilha libertária, revelou-se pessoa afável e perspicaz em uma entrevista que deu recentemente à Globonews.
Os livros de Pepetela costumam incluir um glossário de verbetes do português angolano, com os quais a gente acaba por se acostumar. Em seus romances, o escritor conta a história de seu país, por meio de personagens bem construídos e narrativa inteligente. Já li quase todos, dos mais enternecedores (A Parábola do Cágado Velho, A Montanha da Água Lilás) aos mais engraçados (com o sarcástico protagonista Jaime Bunda, o James Bond africano), passando pelos de conteúdo histórico e revolucionário (Mayombe, A Geração da Utopia, A Gloriosa Família, entre outros).
"A Sul. O Sombreiro" fala da conquista de Benguela, localizada ao sul de Luanda, para além do rio Kwanza. Este pano de fundo histórico dá passagem a um roteiro razoavelmente complexo, com alternância de narradores e muitas referências a momentos do processo de colonização no ocidente africano. A coroa portuguesa, dividida com os Filipes espanhóis, envia cobiçosos governadores a Luanda para conquistar a região, traficar e enviar escravos ao Brasil, procurar ouro, prata e cobre. A dominação e a barbárie retiram do romance o tom de pilhéria e ironia que me agradam bastante em Pepetela, embora estes elementos estejam presentes aqui e acolá.
O romance tem umas 350 páginas e, confesso, foi-me difícil vencer sua quinta parte inicial. Toda a pesquisa feita pelo autor, com a finalidade de mostrar o contexto histórico e social de sua dupla aventura, além de plantar as personagens, pode assustar e afastar o leitor desavisado, devido aos muitos nomes que se sucedem numa intrincada teia de fatos e relacionamentos. Superada essa aspereza inicial, o roteiro passa a fluir deliciosamente. Há o poder secular, dominado localmente pelos jesuítas (principalmente), franciscanos e dominicanos. Há o poder da nobreza, que se expressa nos governadores e capitães enviados da Europa. Estes dois poderes chegam à África para subjugar os chefes das tribos de Angola e do Congo, os “sobas” e seus inúmeros povos. O cenário é de conflito, em que importam mais a autoridade e a acumulação de riquezas.
É neste cenário de conflito que se desenvolve a dupla aventura anteriormente mencionada. Entre os narradores e protagonistas, dois se destacam e constituem o fio da história.
O primeiro é Manuel Cerveira Pereira, o despótico governador em Luanda. De rosto fino, barbicha e roupa preta, recusa-se à humildade dos pés descalços e enverga pesadas botas, as quais lhe impõem dolorosas bolhas e grande sofrimento sob o intenso calor africano. Mesmo assim, o conquistador procura manter a postura. Homem do tipo que manda matar, apoiado pelos jesuítas, ao mesmo tempo em que faz alianças, destrói seus inimigos. Ele partirá, por mais de uma vez, rumo a Benguela, atrás das minas de cobre, enquanto lucra com a remessa de escravos (chamados de “peças”) ao Brasil. Em sua lenta troca de correspondência com a realeza na Europa, sobrevaloriza as possibilidades de encontrar metais preciosos, instiga a ganância do soberano, com o propósito de receber armas, soldados e catequistas.
O outro ator importante na história é Carlos Rocha, negro de sangue branco, suposto descendente do pioneiro Diogo Cão. Seu pai já foi um homem bem sucedido na sociedade luandense, mas enveredou pelos caminhos da bebida e é capaz de vender o filho como escravo em troca de maluvo, o corrosivo vinho de palma abundantemente consumido na região. Carlos Rocha foge do pai e embrenha-se na mata. Foge também do governador, pois uma vidente recomendou que não confiasse em homens trajados de preto. Seu trunfo é possuir um enorme poder de persuasão.
As aventuras de Manuel Cerveira Pereira e Carlos Rocha se entrelaçam ao longo do romance e levam a um encontro final, constituindo um fino relato daquele momento histórico. Enquanto isso, o leitor conhece particularidades muito interessantes da cultura dos nativos africanos. Sob esse aspecto, impõem-se os jagas, grupo de guerreiros antropófagos, com sua peculiar formação hierárquica e convenientes alianças. Atacam e saqueiam outros vilarejos (kimbos) para obter bebida (maluvo) e comida (carne humana). Um ponto interessante do livro é a descrição dos costumes desses jagas no tocante às suas estruturas familiares. Os bebês são esganados e mortos logo ao nascer. O contingente da tribo aumenta com a incorporação das crianças capturadas nos saques, já crescidas e depois educadas segundo as novas regras e disciplinas.
O romance, no todo, é bem masculino. Personagens principais são homens, dominadores, seus aliados religiosos e dominados. Contudo, o fugitivo Carlos Rocha conhece uma mulher jaga e por ela se apaixona, o que dá forma a um dos trechos mais enternecedores da história. Kandalu engravida e, para ela, que havia sido menina raptada e ensinada a ser guerreira por seus “tios” jagas, a futura criança é um estorvo que deve ser eliminado, conforme rezam os mandamentos de seu grupo. A maneira pela qual o companheiro vence dificultosamente sua resistência à maternidade é muito bonita, chegou por vezes a me deixar embargado.
O sombreiro refere-se à geografia da entrada da baía de Benguela, na forma de um chapéu. “A Sul...” é um texto escrito com esmero, para não muitos leitores, rico em alusões à história do período colonial luso-português, narrado com a pena precisa e rica em conteúdo de Pepetela. Dentre os seus escritos, não diria que este é o mais envolvente, mas absorvi cada detalhe e aprendi bastante. Recomendo tranquilamente a leitura.
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Alessandro @possati.ale 07/09/2017

Dois homens e a história de Angola
Pepetela é surpreendente, esse é meu primeiro livro dele é fico feliz que exista um autor de ficção histórica que não se preocupa apenas com a medievalidade europeia. Apesar de ser uma viagem no tempo notável a Angola do XVII Não gostei muito das partes que contam a história de Miguel Cerveira, já Carlos Rocha merece atenção como um ótimo personagem. A leitura e bem amarrada de início, demora pra se acostumar com a linguagem do português mais arcaico.
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