Gabriela 30/01/2024
Um livro muito triste
Pra quem tem a pretensão de conhecer essa história, assim como eu tive, acho importante saber dos perigos que se encontram dentro desse livro. Existe, primeiramente, uma análise muito forte sobre racismo, e sobre como o racismo estrutural nos Estados Unidos afeta diversos outros nichos. Existe a análise do padrão de beleza, do porquê essa busca é incessante e mortal. E junto com essas coisas, o livro nos dá diversos momentos de agressão, abuso, violência, tristeza e injustiça. Com isso, eu quero dizer apenas que: leia se estiver psicologicamente preparado para o que vêm. Algumas cenas são fortíssimas. Carregam um peso difícil de colocar em palavras numa resenha.
Eu tive vontade de chorar enquanto lia, e tenho vontade de chorar agora enquanto escrevo, pois alguns sentimentos são tocados tão profundamente, que a sensação permanece, mesmo depois da história terminada. A Toni, de modo genial, escolhe o serzinho mais vulnerável nessa cadeia alimentar que é a sociedade americana: uma menina negra, para ser a protagonista da história (ou, posso dizer, protagonistas). Ela enfatiza muito nas entrevistas dela o quanto é importante pra ela que as personagens negras sejam o foco principal da história - nada de white gaze e etc. As meninas, Claudia e Pecola, são as protagonistas da história. (Pausa pra falar do nome Pecola, que me lembra tanto piccola quanto pecora em italiano, pode ser porque eu esteja estudando a língua, mas ambas as palavras representam a personagem, no meu ponto de vista).
Pecola é uma menina negra de pele retinta que cresce acreditando ser feia, sem entender exatamente o porquê, e que deseja ardentemente que seus olhos sejam azuis tal quais os olhos das meninas brancas de classe média que são consideradas tão lindas. Não, na verdade, ela deseja ter os olhos MAIS azuis de todos. As cenas que descrevem o racismo que ela sofre na escola são extremamente tristes. Juntamente com as cenas da mãe dela, faxineira numa casa de brancos, que trata a filha dos patrões com muito cuidado e amor, e trata a própria filha como um nada. Já a Claudia (que narra a história), também sofre racismo, violência e abusos, mas de maneira diferente de Pecola, pois Claudia é negra de pele mais clara. Então, na história, ela não é "tão feia" quanto Pecola.
Até mesmo os "vilões" da vida da Pecola têm seu passado explicado - não como forma de justificativa por seus atos, mas de forma explicativa, para que o leitor possa entender o que encaminhou esses personagens a se tornarem o que se tornaram, e a tomarem tais atitudes. Tudo colocado ali cuidadosamente para mostrar o que o racismo estrutural causa: uma cadeia infinita onde alguém é cruelmente machucado, e não conseguindo se vingar, machuca alguém mais fraco, e o ciclo segue assim, incessantemente.
Um trecho muito forte, que me marcou durante a leitura, é o relato de um homem, para quem Pecola corre em busca de um milagre (ter seus olhos transformados em olhos azuis), e logo descobrimos que esse homem é um abusador de crianças. Ele mesmo admite suas atitudes, e numa conversa genial dele mesmo com Deus, ele pede a Deus por que ele abandonou até as pessoas mais frágeis e vulneráveis, como essa menininha; dizendo que, já que Deus não cumpre seu papel cuidando dela, o próprio abusador teve que cumprir o papel de Deus e mandar a menina embora sem causar nenhum mal a ela - apenas realizando o milagre de transformar os olhos.
Enfim, é um livro sensacional. A escrita é linda, poética, rápida, cortante. Muitas coisas acontecem, muitas camadas são exploradas. E é, sim, um livro extremamente triste.