Jaqueline 09/12/2013Antes de mais nada, atenção: serão muitas as Elizabeth’s, as Margaret’s, os Edward’s e os Richard’s nesta análise!
“The Kingmaker's Daughter” é o quarto volume da série “Cousin’s War”, de autoria de Philippa Gregory. Neste livro, acompanhamos mais um capítulo da Guerra das Rosas, desta vez sob a perspectiva da jovem Anne Neville, filha do Richard Neville. Richard, conde de Warwick, foi um dos mais ricos e poderosos nobres de sua época. Conhecido como “criador de reis”, ele foi o grande responsável pela ascensão de Edward IV ao trono inglês. Inicialmente conhecido como um defensor dos interesses da casa York, o conde posteriormente formou aliança com a casa Lancaster e traiu seu pupilo por conta de sua inimizade com a rainha Elizabeth Woodville, esposa de Edward IV.
Anne, assim como sua irmã Isabel, é usada como um peão nos jogos de poder do pai. Destinadas à grandeza e criadas em meio à extrema riqueza, as duas herdeiras de Warwick vivem uma relação cheia de altos e baixos e acompanham a impassível roda da fortuna que comanda a vida daqueles em torno da realeza: algumas pessoas erguem-se muito alto, mas caem em desgraça sem pouco conseguir controlar seu destino. Após a morte de seu pai como um traidor, nossa protagonista encontra-se em uma posição complicada: casada contra sua vontade com Edward Lancaster, filho de Margaret D’Anjou, ela é abandonada pela mãe em campo de batalha. Sua irmã, casada com George York, agora é sua inimiga, e seu cunhado controla toda a sua fortuna. É nesse ponto que a maestria da autora Philippa Gregory entra em ação: não há registro histórico de como Anne conseguiu escapar de sua posição desprivilegiada após o encarceramento de sua sogra, a antiga rainha Margaret, até sua surpreendente união com o irmão mais novo do rei, Richard. No livro, Anne, recém-órfã e viúva, vive em desgraça na corte do rei Edward IV até que Richard, seu amigo de infância e primeiro amor platônico, a resgata de um futuro miserável e a transforma em uma duquesa real através do casamento. É encantador acompanhar o relacionamento dos dois, que floresce em um momento tão complicado na vida de Anne. Mesmo com algumas ressalvas que são reveladas mais adiante no livro, a forma com que Richard se reaproxima de Anne e defende seus interesses é cavalheiresca e afetuosa, ora levemente divertida, ora abertamente charmosa.
Pessoalmente, tenho que declarar minha paixão por romances baseados em histórias de famílias reais: você sabe exatamente como e quando certas coisas acontecem, mas isso não é mais importante na obra. Traições, orgulho, intrigas, conspirações e ambição desmedida dão o tom dessas histórias, que são recriadas de forma mais ou menos fidedigna de acordo com o estilo de cada autor. Nas mãos de Philippa Gregory, a principal diferença é o tratamento dado a Richard, conde de Gloucester e irmão mais novo do rei. Ele ficou popularmente conhecido como um corcunda sombrio e sem escrúpulos graças a Shakespeare e sua peça “Ricardo III”, escrita a pedido da família Tudor, inimigos de longa data dos York. Em “The Kingmaker’s Daughter”, o lema ‘Loyalté me lie’ (“Loyalty binds me”, em inglês) molda o caráter do personagem, que se mantém sempre, sempre leal a Edward e sua família. Admirador dos códigos cavalheirescos de honra e dever desde pequeno, quando vivia sob a tutela de Warwick, Richard ganha destaque na trama do livro em oposição a George, duque de Clarence, o irmão do meio da família York e favorito de sua mãe.
É muito interessante analisar o papel de Elizabeth Woodville neste livro em comparação com “The White Queen”. No primeiro volume da série, ela surge como uma heroína clássica, vivendo uma história de amor que lhe confere um poder até então inimaginável para uma viúva de herança comprometida: o trono da Inglaterra. Aqui, Elizabeth surge como uma bela e fria monarca, praticamente uma sanguessuga da Coroa. Conquistando cargos para seus familiares, forjando poderosas alianças e assegurando posições de destaque para todos os seus entes queridos, ela fez com que seu lugar no trono ficasse praticamente imune às artimanhas de seus rivais. Através de rumores e ações ríspidas, ela se torna a grande vilã de “The Kingmaker’s Daughter”, semeando receio e desconfiança em todas as grandes casas reais. De modo geral, eu gostei muito mais de vez a Rainha da Inglaterra como uma figura forte, impassível e rancorosa, que mantém seus inimigos sob cuidadosa vigilância.
O mesmo não pode ser dito sobre Anne Neville: após a morte repentina da irmã e do sobrinho recém-nascido na metade do livro, Anne parece tornar-se mais frágil e menos consciente da importância e do alcance do poder de sua família quando não está vivendo em um de seus castelos no norte do país, onde é amada e respeitada pelo legado de seu pai. É muito interessante acompanhar uma protagonista que procura, basicamente, se defender o tempo todo, tirando seus interesses da reta. Quando comparamos Anne com a rainha Elizabeth Woodville ou mesmo Margaret Beaufort, a filha do “criador de reis” é uma criatura patética e sem grandes ambições - o maior desejo de Anne é proteger-se de uma possível vingança da rainha, já que Warwick matou o pai e o irmão mais velho de Elizabeth e ela nunca concedeu perdão público pelo sangrento ato. A segurança de seu filho, o frágil Edward, e de Richard, com quem se casou por amor, são as maiores preocupações de Anne, e para isso ela busca manter-se afastada da Corte na maior parte do tempo.
Medo e paranoia dominam as páginas do livro a partir de sua metade, quando George torna-se cada vez mais ousado em suas acusações contra a rainha Elizabeth, chamando-a de bruxa, declarando seu casamento inválido e seus filhos bastardos. Planejando tirar o irmão do trono, ele faz uma aliança secreta com a França, inimigos históricos da Inglaterra, e planeja uma invasão militar a partir dos Flandres. Conforme as coisas se tornam mais e mais dramáticas, Richard tenta mediar a relação dos irmãos, ainda que também nutra certo temor pela poderosa rainha da casa Rivers. De certo modo, ele funciona como a “voz da razão” em diversos momentos, mantendo o equilíbrio entre um irmão indulgente, Edward, e um irmão traidor e absurdamente ambicioso, George. Em comparação com a primeira metade do livro, esta parte me pareceu muito mais atraente: os acontecimentos têm consequências imediatas e o clima de “salve-se quem puder” torna-se uma constante após a morte de Edward IV, a fuga da rainha Elizabeth para o santuário e o aprisionamento dos dois herdeiros reais na Torre de Londres.
Anne e Richard, que formam um casal unido e amoroso, logo acabam tendo que tomar medidas drásticas para manter-se a salvo, evitando a vingança dos Rivers e mantendo o legado de Edward IV intacto. Ao ascenderem ao trono como rainha e rei e atingirem a ambição final de Richard Neville, os dois já não consegue mais evitar as graves consequências que isso gera, como a ameaça de guerra de Henry Tudor, pretendente real dos Lancaster, e seu noivado com a princesa Elizabeth, fruto da inesperada aliança entre Elizabeth Woodville e Margaret Beaufort para reunir York e Lancaster através da união de suas casas no trono real.
Através de cartas e rumores, acompanhamos todas as intrigas e maquinações que continuam se desenrolando em torno do trono, o que mantém a trama do livro atraente e dinâmica. Personagens que até então pareciam ser unidimensionais, como Richard, ganham novas camadas. É doloroso acompanhar as atitudes que o marido de Anne toma uma vez que se declara Rei da Inglaterra – seu envolvimento com a princesa Elizabeth, sua sobrinha, é um misto de flerte e fachada que drena as últimas energias de Anne. A execução de falsos amigos e a escassez de colegas leais, assim como as constantes maldições de Elizabeth, consomem o lado mais disposto de Richard, que inevitavelmente se rende às maquinações necessárias para se manter no poder.
O final do livro é extremamente triste, mas ainda assim lúcido. Concluindo outro capítulo de um dos conflitos que mais profundamente marcou a história da Inglaterra, acompanhamos o fim de uma jovem mulher que perdeu tudo o que conquistou em vida para a ambição de outras pessoas - seu pai, sua irmã, seu cunhado, sua rainha, seu marido. Vale a pena ler!
site:
http://up-brasil.com/analise-up-the-kingmakers-daughter-philippa-gregory/