jota 25/02/2023BOM: Dona Olímpia, uma sogra diferente das demais de seu tempo, mas ao mesmo tempo uma mulher mandona, preconceituosa e até mesmo engraçada por vezes Lido entre 16 e 25 de fevereiro de 2023. Avaliação da leitura: 3,8/5,0
Conheço pouco da obra de Aluisio Azevedo (1857-1913), praticamente apenas O Cortiço (1890), único livro dele que li antes desse Livro de Uma Sogra (1895) da Martins Editora/INL/MEC de 1973 em sua 12ª. edição. Antes do romance passamos pela interessante Introdução do crítico Homero Silveira, onde são destacados os defeitos e qualidades da obra, que vale a pena conhecer. Sintetizando: “Aluisio era, fundamentalmente, um romântico mal ajustado dentro do naturalismo.” Então, segundo Silveira, Livro de Uma Sogra padeceria desse mal, pois tem várias páginas pingando romantismo aqui e ali. Mas ao mesmo tempo traz uma boa carga de intertextualidade, porque a personagem central constantemente se refere a outros livros e autores, como Olavo Bilac, por exemplo, contemporâneo de Azevedo.
A obra, passada num tempo em que a sociedade brasileira, além de patriarcal era extremamente machista, foi considerada um tanto escandalosa desde o lançamento. Ela é sobre a própria narradora, dona Olímpia, e suas ideias avançadas para o final do século XIX sobre sexo, fidelidade e casamento. E tudo isso misturado com religião católica ainda por cima. Dona Olímpia mesma não tinha tido um casamento conforme almejara, que terminara em divórcio e viuvez, então pensava sobretudo em fazer feliz sua filha Palmira, mas com isso acabava azedando a vida do apaixonado noivo e depois marido dela, o jovem Leandro. Que por amor incondicional à moça no fim aceitava as inúmeras extravagâncias (exigências) de todo tipo propostas pela sogra. O que acaba tornado parte do livro engraçada.
Uma das coisas que Leandro tinha de fazer era morar numa casa separada, sem a mulher; enquanto isso Palmira continuaria residindo com a mãe e dormindo na cama junto dela. Ou depois, quando Palmira ficou grávida, dona Olímpia exigiu que o genro fosse passear na Europa (com tudo pago por ela) longos meses e somente voltasse para o Rio de Janeiro quando o filho do casal tivesse nascido. Eram muitas proibições e poucas permissões; além de mandona, dona Olímpia era preconceituosa, como devia ser grande parte dos brancos bem de vida de seu tempo. Vejamos esse trecho:
“É mais natural e aceitável ver um branco casado com uma mulata ou um mulato com uma preta, do que ver uma branca ligada a um preto ou a um mulato; pela simples razão de que, na apuração e aperfeiçoamento da casta, a mulher só entra em concorrência como passivo auxiliar.” Nem preciso comentar nada, nem que Aluisio sempre defendeu a abolição da escravatura no Brasil, claro, e O Mulato (1881) tem entre seus temas o preconceito racial. Mas a coisa não parava por aí, pois dona Olímpia prosseguia: “A mulher (...) quer um ente superior, que lhe sirva de firme garantia à sua fraqueza e a seu pudor; quer um homem que lhe possa dar conselhos e amparo, e, se tanto for preciso, até o próprio castigo. Sim, o castigo. — Um bom e verdadeiro amante é sempre um pouco pai da mulher amada.”
Em sua busca pela autonomia feminina, ainda que muitas das ideias de dona Olímpia fossem execráveis, ou a totalidade delas vistas as coisas hoje em dia, não se pode negar que eram coerentes para seu pensamento (e para quem está lendo o romance), tinham certa organicidade. Visavam, no fundo, apenas o bem-estar e a felicidade da filha Palmira, e como consequência, também a felicidade de Leandro e do filho do casal. Mas como tudo isso é ficção não se sabe se, de fato, tal experiência repetida outra vez como num laboratório, traria os mesmos resultados que dona Olímpia alcançou. Tanto, que até o genro no final lhe rende homenagens e agradecimentos. Isso revelado, interessa ao leitor acompanhar como tudo se passou. Penso que valeu a pena conhecer essa curiosa personagem, seus métodos, ideias, modo de viver. E um pouco mais da literatura de Aluisio Azevedo. Talvez eu leia O Mulato um dia...