ClintonDavisson 15/01/2011
O Fantástico Mundo do Doutor Octávio
A Mão que cria
Octávio Aragão leva a ficção alternativa às últimas conseqüências
Por Clinton Davisson
Todo escritor que se preze, começou imaginando histórias criadas por outros autores. Sejam elas vistas em filmes, livros, HQs, ou até músicas. O problema é que, durante muito tempo, isso era visto como plágio. Mas depois que George Lucas e Josephy Campbell provaram que todas as histórias já tinham sido contadas pela cultura helênica, e ninguém queria pagar royalties aos gregos, admitiu-se, finalmente, que misturar coisas de outras pessoas de maneira criativa, não só era legal, como também servia de homenagem.
O carioca Octávio Aragão, já tinha entrado para a história da literatura nacional ao inventar o universo Intempol, uma criação coletiva de histórias que se passam em um mundo "controlado" por uma polícia secreta do tempo. Em 1998 publicou também o conto intitulado “Eu matei Paolo Rossi”, na coletânea “Outras Copas, Outros Mundos” que virou um dos mais comentados da história da chamada FC do B, ou seja, ficção científica do Brasil, ao colocar os agentes da Intempol para matar o chamado Carrasco da Tragédia do Sarriá, o atacante italiano Paolo Rossi, principal responsável pela vitória fantástica da seleção italiana sobre a brasileira na Copa do Mundo de futebol de 1982, realizada na Espanha. A partida, considerada por muitos, o pior episódio do futebol brasileiro desde a derrota em casa para o Uruguai na final da Copa de 1950.
Só isso já bastaria para colocar Octávio Aragão no rol da fama dos desbravadores da FC do B no final do séc XX. Mas em 2006 ele lançou A Mão que Cria, uma história que se passa em um universo instigante, onde o autor se aventurou em um gênero até então pouco conhecido no Brasil, a ficção alternativa. Na história, o renomado escritor Julio Verne, seria eleito presidente da França e, graças a sofisticados veículos e armas baseados em máquinas criadas em seus livros, a França se tornou uma super potência no início do século XX.
Nesta nova realidade, também há novos problemas sociais como a ascensão de uma raça de mutantes originários de experiências genéticas presentes em A Ilha do Doutor Moreau, um romance de H. G. Wells, que ganha espaço na realidade de Aragão. Esses novos seres seriam híbridos entre animais selvagens e seres humanos se tornariam fundamentais para o poder militar da França (que exército recusaria um homem golfinho?), mas, posteriormente, vão se tornar um problema na hora de disputar empregos com os humanos normais.
Formado pela escola de belas artes da UFRJ e com doutorado em artes visuais pela mesma universidade, Octávio Aragão constrói uma obra arrebatadora e de criatividade inquestionável ao misturar elementos reais, como a queda de um meteorito na Sibéria em 1908, heróis de histórias em quadrinhos como o Príncipe Namor e Aquaman, cujos parentes dão as caras na história. Um bom exemplo desta ousada salada literária é a melhor cena do livro onde os heróis são perseguidos por, nada menos do que, uma legião de zumbis nazistas canibais reunindo elementos comuns de romances históricos, de aventura e terror.
Para desespero dos que gostam de um romance mais convencional, A Mão que cria abusa de uma narrativa tão esquizofrênica quanto permite a pós-modernidade. São indas e vindas e trocas constantes de narrador, de tempo e de espaço, somadas as intermináveis citações de personagens saídos dos mais diferentes formatos midiáticos - do escritor H.P. Lovecraft a série de tevê nipônica National Kid - que muitos consideram impossível compreender completamente o livro. Algo que pode até ser considerado um charme a mais e, claro, gerou ainda mais discussão na mídia.
Nem tudo são flores no livro. Muitas das situações e personagens, mereciam um desenvolvimento melhor. O carismático Rambo finlandês, Kronn, e o próprio Julio Verme (transformado em personagem), por exemplo, poderiam e deveriam ser mais explorados. Temos a impressão de que o autor se conforma em ter boas idéias, sem ver necessidade alguma de desenvolve-las na narrativa. Fica um gosto de quero mais, problema que está sendo resolvido com uma continuação, A Mão que Pune, que está sendo escrita pelo autor e que provavelmente é um dos livros mais esperados no meio para a próxima década.
Se está longe de ser uma unanimidade do ponto de vista literário, A Mão que cria concentra seu poder de fogo nas suas inúmeras boas idéias e na sua estonteante salada de referências. Quem entra na brincadeira, se diverte com 160 páginas de muita criatividade.
Entrevista:
1. Clinton - Muitas das citações de A Mão que cria remetem a elementos antigos, como a série de TV O Homem do Fundo do Mar ou National Kid, que são desconhecidas da nova geração. Como é a reação dos jovens em relação ao livro?
R. Até agora, os guris têm gostado bastante, mesmo não reconhecendo todas as referências. Elas não são indispensáveis para a fruição da história. E além do mais, hoje temos o Youtube, que está cheio de clipes referentes a essas séries antigas. Meu filho de quatro anos, por exemplo, já assistiu aos velhos desenhos da Hanna-Barbera no computador, logo, se houver a curiosidade, é só apontar os cursores e pronto, lá estão todos esses personagens à espera de um leitor, telespectador, usuário etc.
2. Clinton - A mistura de mitologia, com referências cinematográficas, literárias, televisivas e até de histórias em quadrinhos já se tornou popular e reconhecida em todo o mundo desde George Lucas em 1977. Você ainda enfrenta preconceito no Brasil para com este tema?
R. Preconceito vem de todo lado, por qualquer motivo. É previsível, principalmente quando você não tem vergonha de assumir que está compondo uma obra despretensiosa, que nasceu para ser um seriado publicado na internet e acabou virando um romance. O Jorge Amado, por exemplo, dizia que jamais se deve fazer referência a nada, pois isso transformava automaticamente o texto em sub-literatura. Por outro lado, eu não tenho nenhum pudor em dizer que faço sub-literatura, infra-lieteratura, o que for. Para a Mão Que Cria segui dois princípios: (1) botar o máximo possível de idéias no menor número de páginas, adaptando idéias que percebo em autores diferentes como Grant Morrison e China Miéville - cada página, um conceito novo, um novo personagem. Isso criaria uma sensação de tontura, de convulsão no leitor; e (2) velocidade máxima. Ação o tempo todo, sem dar tempo para respirar. Você pode dizer que não gostou, mas não que parou no meio. Queria provar a mim mesmo que poderia misturar os tempos narrativos, os personagens, os temas e ainda assim fazer algo que te agarrasse pelo colarinho e fosse impossível de largar até a última página.
3. Clinton - A série Liga Extraordinária é o mais lembrado e celebrado dos crossover de personagens clássicos, mas isso não é uma idéia nova, é verdade?
R. Não, rapaz! Edmond Rostand já fazia crossovers em Cirano de Bergerac, onde o espadachim francês encontrava com D'Artagnan numa cena de briga de taverna. E o que seriam os Argonautas gregos que foram em busca do Velocino de Ouro, senão um tipo de Liga da Justiça? E o ciclo arturiano de Thomas Malory e Geoffrey de Monmouth não era uma miscelânea de heróis oriundos de lendas originalmente não relacionadas? O cinema, então, usou e abusou desse recurso, juntando Drácula, a criatura de Frankenstein e até o Homem Invisível, de Wells, em diversos filmes desde os anos 30 - uma estratégia que jamais saiu de moda, basta ver produções como A Festa do Monstro Maluco (1969), Assassinato por Morte (1976) ou o recente Van Helsing (2004).
4. Clinton - É verdade que o personagem do finlandês Kronn é o preferido dos leitores? Ele vai estar no próximo livro?
R. Sim, Kronn é o queridinho dos leitores, talvez porque seja o único personagem do romance que não tem dúvidas, que não mostra sinais de fraqueza. Ele faz o que acha certo do jeito que acha melhor. Teve gente que até cunhou o lema "Kronn Manda" e levou para comunidades da internet. Eu achei muito divertido e posso dizer que, sim, ele voltará, mas com um enfoque diferente.
5. Clinton - Para terminar, quando é que sai a continuação de A Mão que cria e como vai se chamar?
R. Chama-se A Mão Que Pune e estou em pleno processo de escrita. Ao contrário do primeiro livro, este será um volume de trezentas páginas e, para quem reclamou das idas e vindas, dos personagens mal definidos, afirmo que este será bem mais tranqüilo, sem tanta correria, mas com a mesma adrenalina e a chuva referencial. Serão três partes de cem páginas cada; a primeira focada no século XIX, a segunda na Primeira Guerra Mundial, desenvolvendo a participação da marinha francesa turbinada pelos submarinos Nautilus, e a terceira no século XXI, continuando onde o primeiro livro parou.
Está dando uma trabalheira, mas acredito que o resultado sub, infra, pós ou ultra-literário, será muito divertido.