Vanessa Vieira 25/07/2018
Sangue de Feiticeira - Celia Rees
Em Sangue de Feiticeira, continuação de Filha de Feiticeira, de Celia Rees, conhecemos um pouco mais da vida da feiticeira inglesa Mary Newbury e os fatos que se sucederam após a sua fuga dos Estados Unidos. Preservando toda a riqueza e perspicácia do livro anterior, nesta sequência acompanhamos os infortúnios e deleites de Mary e como ela teve que se habituar a muita coisa pra poder sobreviver e cumprir o seu propósito na terra.
Depois de passar alguns anos vivendo em uma colônia de puritanos nos Estados Unidos no século XVII, Mary foi obrigada a fugir novamente para preservar sua vida. Sozinha e sem destino, ela passou por situações extremas e bastante dolorosas, que moldaram ainda mais a sua personalidade e caráter. Já no século XXI, a pesquisadora Alison Ellman procura desvendar a história desta pequena feiticeira inglesa, usando de seus objetos pessoais e até mesmo de pedaços de seu diário escondidos dentro de uma colcha para conhecer a sua trajetória. Entretanto, o material que tem em mãos não é tão amplo e as pistas que remontam ao passado da feiticeira parecem ser cada vez mais enigmáticas e minúsculas, até que o encontro com uma jovem estudante indígena, Agnes Herne, lança luz sobre o seu caminho.
Agnes é dotada de dons herdados de seus antepassados e tem ricas visões que reproduzem a atribulada jornada de Mary, após fugir do povoado americano. É justamente por meio dessas visões que a garota irá entrar em contato com o passado remoto de seu povo, responsável por acolher Mary em seu seio e também por envolvê-la em guerras sangrentas com os colonos ingleses.
Sangue de Feiticeira nos trouxe uma sequência à altura de Filha de Feiticeira, nos apresentando a jornada de Mary Newbury de modo rico, detalhado e muito bem desenvolvido. A trama foi escrita com destreza e precisão e o xamanismo - que já havia despontado no volume anterior - deslancha com força total no enredo, mostrando toda a sua importância e estruturação na vida de Mary. Outro ponto que merece destaque é o núcleo contemporâneo da história e como a personagem Agnes foi uma peça fundamental para elucidar o passado de Mary, principalmente por conta de suas regressões aos século XVII. Narrado em primeira e terceira pessoa por Mary, de forma ampla, dinâmica e bem conduzida, o livro conseguiu me encantar e retratou com ainda mais exatidão os pormenores da vida da feiticeira e a sua incursão no xamanismo.
Parece que a saga de Mary sempre foi fugir e fugir, mesmo procurando fazer o bem e auxiliar todos aqueles que a cercavam. Sua jornada é rica e cheia de experiências, dor, amor, sacrifícios e descobertas, o que a tornaram uma protagonista muito madura e forte. Ela também teve momentos de felicidade absoluta e fez descobertas interessantes, fatos estes que tornaram o livro ainda mais encorpado e intrigante. Me afeiçoei com a personagem e a admirei bastante por sua força e resiliência perante os fatos enfrentados, além dela ter feito as melhores escolhas ao longo de sua vida, mesmo que, a princípio, não seja fácil entender as suas decisões. A sabedoria sempre acompanhou a jovem feiticeira e a natureza a amparou e protegeu em suas mais diferentes formas, o que tornou o enredo ainda mais encantador e belo.
"Se sou feiticeira, eles logo ficarão sabendo. Nunca desejei mal a ninguém, mas, quando fugi de Beulah, raiva e ódio se chocaram, lançando pragas como as fagulhas que saem do ferro quando ele bate em pedra. Não fiz nada de errado. Por que, então, fui obrigada a sair correndo como uma fugitiva?"
Agnes, no século atual, mantém as mesmas características de Mary e se torna a chave para elucidar o passado da feiticeira. Ela doa o seu corpo e o seu espírito em prol da verdade e atua como uma verdadeira bússola ao orientar Alison em sua empreitada. Os dons místicos da jovem são surpreendentes e nos conduzem por um caminho de magia, fé e esperança.
"A sabedoria e o conhecimento nascem do sofrimento."
Resumidamente, Sangue de Feiticeira nos mostra o amadurecimento de duas jovens pertencentes a séculos diferentes e como cada uma delas, ao seu modo, luta para se sobressair na vida, além de transmitir ao mundo o poder e a magia das histórias de seus ancestrais. O enredo de Celia Rees trata também de intolerância religiosa em seus mais altos níveis, além de mostrar o quanto as guerras e as batalhas machucaram e ainda ferem o nosso mundo. Outro ponto que merece destaque é que, ao final do livro, contamos com algumas notas históricas acerca de personagens que povoaram a trama no livro anterior, Filha de Feiticeira, o que nos possibilita conhecer os seus desfechos na trama. A capa do livro é simples e nos traz a gravura em tons pastéis de duas índias em sua oca e a diagramação está ótima, com fonte em bom tamanho e revisão de qualidade. Recomendo, com certeza!
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