Jeg 26/09/2013
O mundo de Schopenhauer
Assim como acontece na natureza de todo pensador obcecado pela verdade, Schopenhauer parte de uma íntima intuição para descrever a fiação do mundo como nos é apresentado, e que acredita ser com toda certeza o mapa da existência: o mundo é irracional, alógico e destituído de Providência. É certo que o filósofo nunca conseguiu divorciar totalmente seu sistema de sua figura; ao deparar-se com a biografia de um sujeito cujas inclinações pessimistas o perseguiam desde a tenra infância, dotado de extrema (e merecida) arrogância, antisocial, autoritarista, misógino, onde até mesmo suas próprias feições tristes e austeras denunciavam uma constante sujeição descrente à vida, subentendemos que sua disposição de espírito influenciasse seu pensamento, obrigando-o a instituir a essência do mundo como uma força boçal, cega, um monstro indiferente, impulsivo, dinâmico e invasivo, que nada faz senão devorar-se a si mesmo para saciar sua própria fome. Mas ao analisar sua principal obra, entendemos que o que moveu Schopenhauer em absoluto foi a revolta filosófica. Revolta contra a dor, mas não pela existência desta, mas a forma como os pensadores de seu tempo encaravam a maldade no mundo, vinculados à noção agostiniana do mal moral. O que importa é o mal que se faz e não o que se sofre, anunciara Agostinho. O mal moral é o grande vilão, pois o mal físico, ademais, não existe, ele é apenas uma carência de perfeição do ser: há que se rejeitar e suportar o sofrimento. Suportá-lo? Não se deve suportar algo que nem deveria sequer existir, afirma Schopenhauer. Como negar a miséria humana em favor de um sistema metafísico que encara a dor como parte de um todo absolutamente bom? Ao contrário: a dor está ligada intrinsecamente à vida, e há pouco ou nada que possamos fazer a respeito. Dessa maneira, Schopenhauer inaugura a revolta filosófica e rompe com todo o pensamento anterior à Kant, conservando para si apenas a Idéia platônica, que alimenta a sua estética e metafísica, e a Coisa-em-si de seu educador, que inspira sua epistemologia. Provido pelos dois mestres e portando um estilo literário insinuante, magistralmente adequado a seus conceitos filosóficos, O mundo Como Vontade e Como Representação, exposto pelo jovem Schopenhauer, escancara o abismo da existência e arremessa o homem de Pascal dentro de uma era alógica, um mundo sem altruísmo, que confere até à intocável razão pura um caráter insensato. Certo de ser ele o finalizador da filosofia crítica, afirma que, como Kant, a essência do mundo não pode ser conhecida, mas ela pode ser identificada. E ela rege toda a existência através do império da Vontade, onde cada fenômeno é seu títere, submetido a seu um ímpeto irracional e constante, que manipula o mundo em prol de sua obsessão pela força. Impulsionados pelo querer impetuoso que obriga todos os fenômenos a guerrearem pela vida, ele afirma que o mundo não é uma construção racional de partes que se conectam ao todo, e sim uma construção por assimilação; a matéria guerreia por sua sobrevivência em todos os níveis da existência, a serviço desta Vontade faminta. Não há escolha, o livre-arbítrio nada pode fazer contra a Vontade, até porque o próprio sujeito pensante é um fenômeno dela. O livre-arbítrio, sujeito dito livre, independente e isento, vê-se obrigado a fechar-se em si, pois qualquer ação do indivíduo já não está mais em seu campo de controle. Todo o querer é único, é só uma mesma Vontade, o que torna nossa vida uma eterna busca pela satisfação, onde tentamos alimentar o querer imposto em nosso corpo. Segundo ele, a própria conduta do homem reflete esta ausência de finalidade na Vontade: o desejo parte de alguma privação e, quando esta mesma é saciada, um fundo vazio de tédio lhe toma conta, como um pêndulo impossível de ser detido. Como exemplo ele cita o impulso sexual, representado pelo instinto de preservação da espécie e a cadeia alimentar, onde prevalece o instinto de sobrevivência. É desta maneira que Schopenhauer insere no homem uma questão angustiante: ou sacia este querer que sempre se repete ou deseja livrar-se da existência. Schopenhauer expõe um meio-termo, propondo uma postura moral que alivie-nos o máximo possível do querer, já que este é intrínseco a nós. Desta postura, há duas possibilidades; ou a supressão total dos desejos pelo ascetismo, em uma fórmula quase mística que nos remete ao budismo, ou agüentar viver preso ao querer, mas ponderando os desejos em prol da sua própria preservação. Ele sabe porém que não há saída para o indivíduo, pois o sonho da vida se desfaz com a morte e a consciência se esvai, permanecendo somente a única realidade presente, a Vontade mesma.