Fabiana Dantas 19/09/2022
A fotografia sempre flertou com a morte
Por que registrar, por meio de imagens, a dor dos outros? Por que olhar para a dor dos outros e o que sentimos ao fazer isso? Não menos importante: Quem são "os outros"?
Me parece correto indicar esses questionamentos como cerne da discussão apresentada por Susan Sontag nessa obra, na qual as fotografias de guerra são o foco.
Sobre a experiência com a leitura, posso dizer que achei bem fluida, pois são ensaios curtos e o tema é instigante. Me surpreendi, a princípio, com a ausência de imagens em um livro sobre esse tema, mas provavelmente foi proposital por parte da autora (ela vai descrevendo as fotografias famosas citadas como exemplos ao longo da obra).
Destacarei os pontos que mais chamaram minha atenção entre tudo que a autora discute. O primeiro é a nem sempre óbvia noção de que fotografar não é, necessariamente, registrar a realidade, pois o fotógrafo escolhe o que é relevante para ser mostrado e isso tem um impacto considerável na produção de uma compreensão da guerra por parte de quem vê esse tipo de foto (não à toa, ao longo da história, muitas delas foram encenadas, como lembra Sontag).
No tocante à relação das pessoas com essas imagens, a autora destaca um tipo de prazer mórbido existente em olhá-las: "Desde quando as câmeras foram inventadas, em 1838, a fotografia flertou com a morte".
Outro ponto que, para mim, é muito interessante, é a relação da fotografia com a memória - especialmente seus usos na produção do que convencionou-se chamar de "memória coletiva", embora Sontag desenvolva uma crítica a essa noção. Sobre isso, ela problematiza a ideia de fotografar para recordar e faz uma afirmação provocativa: "Talvez se atribua um valor demasiado à memória, e pouco valor ao pensamento. [...] Para reconciliar-se, é necessário que a memória seja imperfeita e limitada".
Além disso, pelo que entendi, a autora defende que as imagens da guerra cumprem, sim, um papel importante, mas a imagem como denúncia é apenas um ponto de partida para a mudança social/resolução de conflitos. Isso fica claro neste trecho:
"Mostrar um inferno não significa, está claro, dizer-nos algo sobre como retirar as pessoas do inferno, como amainar as chamas do inferno. Contudo, parece constituir um bem em si mesmo reconhecer, ampliar a consciência de quanto sofrimento causado pela crueldade humana existe no mundo que partilhamos com os outros. Alguém que se sinta sempre surpreso com a existência de fatos degradantes, alguém que continue a sentir-se decepcionado (e até incrédulo) diante de provas daquilo que os seres humanos são capazes de infligir, em matéria de horrores e de crueldades a sangue-frio, contra outros seres humanos, ainda não alcançou a idade adulta em termos morais e psicológicos".
Finalmente, a conclusão se dá com a reflexão sobre a questão "nós" que observamos o sofrimento dos "outros". Vale a pena a citação:
"'Nós' - esse 'nós' é qualquer um que nunca passou por nada parecido com o que eles sofreram - não compreendemos. Nós não percebemos. Não podemos, na verdade, imaginar como é isso. Não podemos imaginar como é pavorosa, como é aterradora a guerra; e como ela se torna normal. Não podemos compreender, não podemos imaginar. É isso o que todo soldado, todo jornalista, todo socorrista e todo observador independente que passou algum tempo sob o fogo da guerra e teve a sorte de driblar a morte que abatia outros, à sua volta, sente de forma obstinada. E eles têm razão".