Karine 06/11/2021Esse livro não é bem o que eu esperava, mesmo assim achei muito bom. Eu estava querendo ler algo sobre a atração dos seres humanos pelo sofrimento alheio, como nós consumimos violência, histórias de crimes, filmes, livros, imagens, etc... E a autora até fala bastante sobre isso, mas o foco aqui são as fotografias de guerra. Ela traz muitas reflexões a respeito da cobertura jornalística das guerras, como foi sua evolução ao longo do tempo, como reagimos a essas imagens. Uma delas é sobre como nossa repulsa ou indignação diante de imagens de atrocidades de guerra depende de quem são as vítimas – se eles são dos “nossos”, não apenas em termos de características físicas, culturais (europeus, por exemplo), mas também se eles estão do lado que consideramos “certo” no conflito. Isso também se reflete de certa forma no que os noticiários decidem mostrar, uma vez que não a mídia não dedica a mesma atenção a todas as guerras em curso.
Inicialmente as fotos de guerra tiveram a missão de mostrar a guerra de forma positiva, e portanto não mostravam nada da brutalidade das batalhas. Depois começaram a ser mais realistas, porém frequentemente o cenário era modificado, ou até mesmo eram encenadas. “O estranho não é que tantas célebres fotos jornalísticas do passado, entre elas algumas das mais lembradas fotos da Segunda Guerra, tenham sido, ao que tudo indica, encenadas. O estranho é que nos surpreenda saber que foram encenadas e que isso sempre nos cause frustração.” Só após a Guerra do Vietnã é que passou a ser quase certo que as fotos mais afamadas não poderiam ter sido encenadas.
É apenas na segunda metade do livro que ela reflete mais profundamente sobre o que significa olhar fotos de crueldades. “A maioria das imagens de corpos torturados e mutilados suscita, na verdade, um interesse lascivo. (...) Todas as imagens que exibem a violação de um corpo atraente são, em certa medida, pornográficas. Mas imagens do repugnante também podem seduzir. Todos sabem que não é a mera curiosidade que faz o trânsito de uma estrada ficar mais lento na passagem pelo local onde houve um acidente horrível. Para muitos, é também o desejo de ver algo horripilante.”
Achei essa parte um pouco mais confusa. Ao mesmo tempo em que fala sobre esse desejo de ver essas imagens, que constitui uma permanente fonte de tormento interior, também depois diz que a sensibilidade moderna vê o sofrimento alheio como um erro a ser corrigido (ao contrário da visão religiosa do passado, que associa sofrimento a sacrifício e exaltação), e que se algumas vezes mudamos de canal ao assistirmos notícias de guerra não é porque estamos indiferentes, mas porque temos medo. Ela critica a visão (a qual já defendeu no passado) de que estamos ficando insensíveis às imagens violentas por sermos bombardeados por uma quantidade enorme delas todos os dias. Para ela, são poucos os privilegiados que apenas assistem às notícias de guerra de um distanciamento seguro, das poltronas das suas casas, sem nunca ter sentido na pele algo a respeito da guerra, da injustiça em massa e do terror.
Esses são apenas alguns pontos interessantes dentre outros tantos. Acho que daí já se percebe que o livro traz muitas reflexões importantes sobre o tema. Pensei inicialmente que ela deveria ter colocado no livro as muitas fotos a que faz referência apenas descrevendo-as... Porém, pensando melhor, se o livro em muitos momentos traz essa reflexão de por que temos um misto de atração e repulsa por essas fotos, talvez não faça sentido colocá-las, a falta que sentimos delas só confirma essa atração. Mas, confesso, recorri ao Google para ver quando a curiosidade foi maior.