jota 24/11/2016I love you...Thomas Mann (1875-1955) sabia como poucos autores pegar temas clássicos e apresentá-los aos leitores através de recriações literárias marcantes. É o caso desta novela, passada em 1925, em que uma mulher mais velha se apaixona por um jovem, como ocorreu com as clássicas personagens Jocasta - de Édipo Rei, por Sófocles - e Fedra, de Racine. Duas tragédias, como se sabe. Mas em O Cisne Negro as coisas são infinitamente mais amenas. Não o tempo todo, porém.
Numa comparação, Die Betrogene (titulo original de 1954) não resulta tão brilhante e envolvente quanto a conhecida Morte em Veneza. Mesmo assim, é bastante interessante acompanhar essa história de amor passada na Alemanha e que também se desenrola, grande parte do tempo, num plano puramente platônico, como naquela. A viúva cinquentona mas ainda bela, Rosalie, se apaixona por Ken (24 anos), jovem instrutor de inglês de seu filho Eduard (um pouco mais novo do que Ken; ele se prepara para estudar engenharia no exterior), mas tem de enfrentar a oposição da filha solteirona Anna (30 anos) que, por ter um leve defeito físico numa perna, nunca se casou.
Anna é pintora, tem um estúdio na própria casa materna. O livro traz longos diálogos entre ela e a mãe, especialmente quando tratam da paixão de Rosalie pelo jovem Ken. Anna, com a ajuda de Eduard, tenta fazer com que Ken seja dispensado de dar aulas e assim a mãe pare de vê-lo várias vezes por semana. Mas Rosalie não permite isso: ela acredita que o amor pelo rapaz está lhe fazendo bem tanto por fora - ela de fato parece mais jovem, ter rejuvenescido - quanto por dentro, pois voltou a ter regras depois de muitos anos, conta à filha mais tarde.
Rosalie diz aos filhos que considera Ken parte da família e de fato ele é sempre convidado para jantar, participa dos serões e passeios do grupo. Nalgumas ocasiões ele parece mesmo um irmão ou companheiro fiel de Eduard, muito mais do que o objeto de desejo da mãe. E assim a vida vai correndo sem sobressaltos: em sua bela propriedade, próxima do Reno (a família vive em Dusseldorf), Rosalie passeia por jardins, pomares e parques. Aprecia andar ao ar livre, ama a natureza com fervor. Está sempre a falar dela - das estações do ano, do tempo, do vento, das flores, das árvores etc. -, mormente em suas conversas com a filha, a companheira de todos os dias.
Mas nunca é primavera ou verão para sempre. Aos dias claros e ensolarados sucedem os dias frios e escuros. E chegamos perto do final da história, a um ponto em que nos colocamos a seguinte questão: apreciando a natureza como aprecia, não estaria Rosalie indo contra a natureza das coisas, das coisas daquela época, bem entendido (já que a ação se passa nas décadas iniciais do século XX), ao cair de paixão por um rapaz com menos da metade de sua idade? Bem, perguntar mais ou contar mais implicaria revelar praticamente os acontecimentos finais, então paro por aqui.
Lido entre 21 e 23/11/2016.
Nota: o filme A Miragem (1992, direção de Jean-Claude Guiguet ) é uma adaptação livre de O Cisne Negro transposta para as vizinhanças do Lac Leman (fronteira entre Suíça e França, conhecido como Lago de Genebra) e falada em francês. Tem monólogos e diálogos poéticos e até filosóficos às vezes (característicos de Thomas Mann), segue o enredo da novela em seus pontos principais, mas teria ficado melhor se tivesse se passado em 1925, como no livro, penso.