Marc 07/06/2020
Queria ter só palavras elogiosas para esse livro clássico, mas não consigo. Assim como Invasão Vertical dos Bárbaros, trata-se de um livro que denuncia um pouco de tudo que as ideias malucas que passaram a direcionar o mundo podem nos levar. Não é um livro de filosofia, de história do pensamento, de história, de sociologia, nada. É um ensaio, muito livre, sem praticamente qualquer referência para o leitor. Isso me irrita. Eu não sei de que eventos ele está falando, porque não explicita e nem de que autores está comentando, porque minha cultura é muito limitada. Pode ser que isso tenha determinado minha leitura e feito com que eu perdesse o interesse quase o tempo todo.
É difícil resumir qualquer tese do livro, porque elas praticamente não são desenvolvidas, ficando enormes buracos o tempo todo. Claro que o livro é um clássico e muito importante, mas esse tipo de ensaio ajuda pouco o leitor. A não ser por uma ou outra frase inspirada, que se permita ser retirada do livro e possa ser citada em textos por aí, o livro não tem muito mais o que oferecer. Quem já está nessa caminhada, que já conhece alguns autores conservadores, não vai se surpreender com nada do que está aqui. Quem não conhece, quem é um iniciante, provavelmente vai se aborrecer com o livro por não explicar nada e se negar a colaborar com o leitor. É um marco, de uma importância grande no momento que surgiu. Eu diria, até, necessário. Mas nós precisamos de livros que expliquem, que desenvolvam o pensamento.
Por exemplo, a tese inicial de que toda essa confusão começa com Guilherme de Ockham, que ajudou a criar a negação dos valores universais. A partir de seu pensamento, mais valia a sensação, a impressão que algo provocava, portanto, baseado nos sentidos e negando o intelecto, que leva ao universalismo. Isso permitiu que todo o caminho do relativismo, que conhecemos muito bem, pudesse ser aberto. Perfeito. E quando li a introdução do livro fiquei empolgado esperando que o autor mostrasse esse caminho detalhadamente, mas não aconteceu. Ainda prefiro a tese Oakeshott, sobre Francis Bacon, embora as duas possam muito bem conviver e se complementar. Mas preciso lamentar que Richard Weaver faz mais referência a essa tese em momento algum do livro. Ela serve como cenário, o pensamento que está pairando sobre o livro, mas isso é o tipo de método que me irrita, como leitor, porque me obriga a praticamente decorar o que foi dito lá atrás, no começo da leitura, para poder aproveitar minimamente.
O que Weaver insiste muito é que o progresso científico e técnico faz com que deixemos o progresso espiritual de lado. Nesse ponto, regredimos muito em pouco tempo. É como se um deles praticamente nublasse a percepção de que precisamos mais ainda do outro. E isso ajuda a explicar tantas desgraças, desde sempre. A novidade, no entanto, é que ele fala de meios para recuperar esse terreno. E ele passa pela educação, ou melhor, por algo que Northrop Frye descreveu como o desenvolvimento da imaginação. Na prática, isso significa ampliar nosso vocabulário (que não é apenas linguístico), desenvolvendo meios cada vez mais eficazes de compreender e expressar. Quer dizer, quando lemos literatura, a Bíblia (diria Frye), conhecemos as histórias importantes, não só ganhamos vocabulário para o cotidiano, mas aprendemos a reconhecer as situações, os conflitos que podem estar escondidos dentro delas, as emoções das pessoas envolvidas, etc. Isso tudo faz com que nosso universo seja ampliado e se rompa esse circuito da técnica, que nos prende a tarefas sem significado e reduz nossa capacidade de compreender a complexidade do humano. “Os jovens chegam-nos como criaturas de imaginação e afeto intensos; eles querem sentir, mas não sabem como — ou seja, eles não conhecem os objetos certos e as medidas certas. E não há dúvida de que , se os abandonarmos ao tipo de educação obtida hoje através de recursos extraescolares, a grande maioria deles será escolada nos vícios do sentimentalismo e brutalidade. Por outro lado, as poesias grandiosas, quando interpretadas corretamente, são o melhor antídoto contra eles. À diferença dos jornalistas e demais, os grandes poetas sabem relacionar os grandes eventos da história a um puro e nobre sonho metafísico, que os estudantes hão de levar ao longo de suas vidas como uma abóboda protetora sobre seu sistema de valores” (183). Quando escreveu isso, ainda havia essa opção, hoje, temos que fazer esse resgate por conta própria, pois os professores que tivemos, a maioria, ao menos, sequer desconfia dessa questão.
O capítulo final do livro é muito interessante. Ali ele confronta noções do passado e do futuro, mostrando que o passado tem um significado essencial à construção do mundo, daí essa sensação de que o que fazemos não tem ligação com nada, pois realmente não tem. Se não religarmos nossas ações ao passado, ao que outros fizeram, a uma tradição, jamais seremos capazes de nos conectar novamente a Deus, o que deveria ser nosso real objetivo. Não é possível cultuar o avanço, que destrói e constrói, num ciclo infinito, e esperar que possamos respeitar a humanidade e criar uma sociedade mais completa e afetuosa, no verdadeiro sentido da palavra, não como se fosse um campo de ligação de identidades que, no fim das contas, odeiam umas às outras. O que o autor está falando, nesse livro que me parece tão filho do momento, de um mundo que viveu duas guerras mundiais no período de uma geração, mas que jamais conseguiu se recuperar no mais importante, o campo espiritual, é que a humanidade precisa voltar seu olhar para a vida espiritual urgentemente, pois isso a libertará de uma série de problemas na vida material. Trata-se, portanto, de restabelecer uma hierarquia de importância, pois quando só olhamos para nossa vida imediata e restrita, os meios para solucionar seus problemas também ficam restritos.
A meu ver, a despeito do estilo de escrita, que me aborreceu mais de uma vez, o livro faz um importante alerta. Já deveríamos ter seguido seus conselhos há muito, mas o ignoramos, ou não conseguimos dar sequência ao que está ali. Parece-me um livro voltado para uma modificação radical da vida, não apenas uma sequência de capítulos que evidenciam a cultura extensa do autor. Curiosamente, aflora da leitura um sentido prático, de realização concreta, mesmo. É irônico, portanto, porque há muitas críticas ao modo de vida predominantemente prático, mas se trata de uma praticidade mais abrangente, não administrada (para usar a expressão de Adorno, que poderia entrar nessa discussão como o contraponto que Weaver quer tanto mostrar que não leva a ponto algum além de mais destruição).
Para finalizar, gostaria de fazer um breve comentário sobre a questão brasileira à luz desse texto. Já sabemos que estamos numa verdadeira guerra e momentos assim exigem atitudes práticas, contundentes, de enfrentamento do mal, sob pena de todos sucumbirmos e nos tornarmos escravos de um sistema que foi criado com o objetivo único de dar vazão ao que o ser humano tem de pior. Isso tudo é verdadeiro, mas não podemos esquecer de tentar realizar essa reconstrução dos valores, do sentido da vida dentro de nós; precisamos nos diferenciar daqueles que combatemos, voltando nosso olhar para mais longe, mais alto. Além disso, se nos limitarmos à luta, exclusivamente, vamos esquecer o motivo pelo qual lutamos. Quer dizer, o mundo que queremos construir, ou manter naquilo que tem de sublime, precisa estar vivo dentro de nós e ocupar mais espaço do que o sentimento de luta. Ambos são importantes, mas a ligação com Deus é mais ainda agora, não podemos ceder à tentação de nos tornarmos bárbaros como aqueles que combatemos.