Stella F.. 11/11/2022
Garoto Bobo
O tenente Gustl
Arthur Schnitzler - 2012 / 96 páginas - Record
O tenente Gustl pode ser considerada a primeira obra em língua alemã com conhecido e reconhecido “fluxo de consciência”, tão caro a James Joyce e Virgínia Woolf.
O narrador, e seus pensamentos, vai nos mostrar um tenente de 23 ou 24 anos, atormentado por uma decisão que deve tomar, afinal é um militar importante, e deve manter as aparências, mesmo que pense ao contrário do status quo, na Viena em plena efervescência artística e cultural. “O tenente Gustl “é a representação do oficialato austro-húngaro conforme o mesmo se vê, uma quase entidade que se autodesmascara e acaba dando e acaba dando razão à imagem que os críticos têm dele. Afinal de contas, estamos num período excepcionalmente sem guerras, a monarquia dos Habsburgo ainda assim cai pelas beiradas, e os militares sentem a necessidade de se mostrarem importantes, embora não sejam mais diretamente úteis. E Gustl é o orador da turma.. (pg. 71)
Ficamos angustiados com o fluxo contínuo do seu pensamento, suas dúvidas, certezas, caminhadas e lembranças de sua carreira, de sua família (mãe e irmã Klara), suas amantes (principalmente a Steffi), as guerras por que passou, amigos e seus preconceitos (principalmente contra judeus), enquanto caminha por lugares distantes de sua casa, em uma noite, após sair de uma ópera, a qual ganhou o ingresso de presente de um amigo.
Em uma noite de música, ocorre um desentendimento entre o padeiro e o tenente na saída do teatro. Um mal-entendido, onde o padeiro segura o sabre do tenente e trocam ofensas. Mas o tenente a partir disso, com medo de que outras pessoas vissem que ele não tomou nenhuma atitude séria, resolve se matar. E sai andando pela cidade, cada vez mais longe, marcando hora, lugar e a arma com que vai terminar sua vida, antes que todos saibam e que amanheça.
“No entanto eu não quero estragar sua carreira.. Por isso é bom se comportar!.. Isso mesmo, não precisa ter medo, ninguém ouviu absolutamente nada.. Tudo vai ficar bem.. Isso! E para que ninguém acredite que brigamos, vou ser bem amável com o senhor agora!.. Muito prazer, senhor tenente, fico feliz em vê-lo.. Muito prazer!” (pg. 16)
Sabemos que era comum na época, o duelo, como lavagem de honra, só permitido a alguns setores da camada social e ficamos apreensivos e até admirados, porque por uma coisa tão boba, banal, deve-se tirar sua própria vida, ao ser chamado de “garoto bobo”.
Outro relato interessante é quando fala dos voluntários, militares que após um ano tornam-se oficiais, e ele, Gustl, acha injusto, já que fez tantos sacrifícios, e chega o voluntário e já vira militar de carreira. Essa é uma crítica que faz aos militares, mesmo sendo um. Essa crítica, entre outras, fez o autor perder o posto de oficial médico que tinha na instituição militar.
“Às vezes, eles são rapazes bem simpáticos, os voluntários de um ano.. Mas eles todos não deveriam chegar a mais do que apenas substitutos – pois que sentido tem isso tudo? Nós temos de nos sacrificar durantes anos, e um sujeito desse serve apenas um ano e tem exatamente a mesma patente que nós.. Isso é uma injustiça!” (pg. 23)
E ao amanhecer, quando resolve de última hora, voltar ao café Hochleitner - que frequenta todos os dias com amigos -, para comer uma última refeição, recebe uma notícia que vai mudar tudo. Pensa em deixar cartas de despedida, e até sonha em ver antes de se matar, o seu obituário publicado em um jornal ao amanhecer.
“O quê? Mas esse é o nome do dono da padaria... O que será que ele irá dizer agora?...Será que o sujeito já esteve por aqui ontem à noite e contou tudo?.. E por que ele não continua falando?...Sim, mas ele está falando... (pg. 48)
A certeza se dissolve, e vemos como uma decisão, através de novos argumentos, pode ser modificada de uma hora para outra. Adorei!