Etiene ~ @antologiapessoal 06/06/2020
Ulysses | James Joyce | Modernismo
Ulysses. Essa foi a primeira palavra que digitei para começar esse texto. Claro, é o título, não é mesmo? Então o cursor ficou piscando e me encarando por um bom tempo até que eu encontrasse do que mais falar. E encontrei tanto! Seja nas temáticas que aborda, seja na escrita inventiva do autor, ele não tem fundo. Ulysses é inesgotável! Antecipo: aqui você não encontrará descrição de cenas ou resumo da história. A impressão que me marcou de verdade é a impressão que quero deixar para vocês da obra: é um livro e precisa ser encarado dessa forma. Um objeto-livro que está aqui para ser usado. Mas acontece que, infelizmente, ele é apenas conhecido. Conhecido por muitos e lido por poucos.
Se sabe que James Joyce usou a Odisseia de Homero como uma espécie de molde para também a jornada de Leopold Bloom de volta para sua casa. Para mim foi absolutamente tranquilo avançar nas páginas estando livre desse pré-requisito - salvo uma pesquisa aqui e acolá, é claro. Se você quer ler a Odisseia antes, ótimo. Mas não a use como um impedimento. Ela não é. Seria também uma dolorosa e insuportável quebra de ritmo buscar um significado obscuro sobre as metáfora escritas, algumas até usadas pelo próprio autor como provocações aos leitores que buscarão por todas e cada uma delas. (?Querido leitor, dedique sua vida à minha obra, mas saiba que algumas coisas nessa vida simplesmente não possuem explicação lógica. Um abraço. JJ.?). E sabe de mais uma coisa? O autor levou sete anos para escrever esse livro e eu não poderia querer lê-lo em uma semana! No fim das contas demorei quatro meses. Estamos diante de um livro sobre um dia, mas que fica conosco a vida toda.
Seria, então, absurdo ouvir que um livro de mil páginas narra o tempo de somente um dia. No entanto, a saga dos personagens joyceanos é sobretudo mental. Afinal, quantos pensamentos passam por nossas cabeças ao longo de um único dia? Para onde viajamos? Com quem esbarramos? De quem nos despedimos? Sob essa perspectiva não me parece absurdo de modo algum que o escritor tenha tanto o que narrar durante um único dia.
Ao longo da minha leitura, ouvi repetidas vezes dizerem que seria um livro difícil, até mesmo impossível de ser concluído. Mas, escutem, ele foi escrito sobre o irlandês para o irlandês, sobre nós para nós! Óbvio que necessita de dedicação e de atenção. É uma obra experimental em suas formas linguísticas, o autor cria palavras, escreve os sons, quer trazer a língua falada pro texto escrito e é genial em sua tarefa. A ambientação da obra é extremamente difícil, especialmente por estarmos acostumados, enquanto leitores, que um escritor entregue cenas esmiuçadas em vários detalhes. Mas aqui você precisará de coragem para avançar na cena e só depois se encontrar nela. Para perceber onde e com quem estava eu precisei seguir em frente.
O modo moderno de encarar as relações emocionais, de encarar a nós mesmos e nossos questionamentos, é veloz e efêmero, é mastigado e compartimentalizado. É assim. E, talvez, muitos de nós não estejamos dispostos a dedicar tempo a livros como este porque, em primeiro lugar, não somos capazes de dedicar tempo nem mesmo para compreender o nós. Ulysses trata das falsas relações sociais que acontecem no trabalho; de amores fora do casamento; trata da paternidade de forma muito ramificada através de Bloom e Dedalus, individualmente e entre os dois; escacara o leque de desejos sexuais que, pasmem!, as mulheres possuem - na contramão do que historicamente foram ensinadas a sentir e ser dentro da sociedade. Então, se digo que não entendi Ulysses arrisco, lamentavelmente, não ter entendido nada também sobre mim e meu mundo.
Não foi o melhor livro que já li, mas foi um dos livros que, definitivamente, mudou a minha vida. Amadurecer enquanto leitora nesse processo foi a maior recompensa de Ulysses. Foi cansativo, houve muitas páginas confusas e que precisaram (e precisam!) de releitura, mas apenas agora, depois de semanas finalizado, consigo me sentir na exclusiva e confortável posição de quem o leu.
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"Ulysses te dá de volta exatamente o esforço que você deposita nele." - Declan Kibers.