Thaisdv 24/02/2024
O título deste livro me chamou muita atenção logo de cara, pois tenho muito interesse em música, e quando fui pesquisar, vi que era um livro que relacionava a música com a neurociência, então de imediato peguei para ler. Para quem tem um entendimento básico na neurociência esse livro traz uma leitura muito fluida e interessante. Ele se torna um pouco complexo de resenhar, pois se trata de diversos estudos de caso e exemplos. Contudo, tentarei abstrair ao máximo a proposta do Oliver com ele.
A música está presente em nossa vida desde o momento que nascemos e boa parte do que ouvimos pode ficar gravado no nosso cérebro pelo resto de nossa existência. A música tem a incrível capacidade de nos acalmar, animar, consolar e emocionar, e nos ajuda a obter organização e sincronia. De todas as artes, a música é a que menos busca por um significado ou interpretação, embora seja a que é mais intimamente ligada às emoções, ela é totalmente abstrata, não tem nenhum poder formal de representação. Por exemplo, em uma peça de teatro podemos aprender sobre, ciúme, traição, vingança, amor, mas a música instrumental, nada nos diz sobre essas coisas. A música pode ter uma perfeição maravilhosa, formal, matemática e pode ser dotada de ternura, pungência e beleza. Mas ela não precisa apresentar um significado, pode-se recordar uma música e dar vida à imaginação, simplesmente porque gostamos dela.
Os processos neurais que fundamentam a criatividade não tem relação com a racionalidade. E assim, às vezes ouvimos músicas na nossa cabeça que surgem arbitrariamente, e geram um efeito positivo pois alivia o tédio, alegra o espírito e torna-se gratificante, pois acaba tendo os mesmo efeitos da música real. Para acessarmos essas imagens mentais musicais precisamos de sistemas extremamente sensíveis e refinados, muito além dos existentes em primatas não humanos. Estes sistemas envolvidos são muito sensíveis à estimulação de fontes internas, como a memória, emoções e associação. Embutir palavras, habilidades ou sequências em melodia e métrica, é uma exclusividade humana. A utilidade dessa capacidade para ajudar a lembrar grande quantidades de informação, especialmente em uma cultura pré-letrada, decerto é uma razão de as habilidades musicais terem florescido em nossa espécie.
Com o advento das técnicas de imageamento cerebral foi possível visualizar o cérebro de músicos e compará-lo ao de não músicos, onde foi demonstrado em pesquisas que o corpo caloso, que liga os dois hemisférios cerebrais, é maior em músicos profissionais, e que uma parte do córtex auditivo, o plano temporal, apresenta um aumento assimétrico nos músicos dotados de ouvido absoluto (que é a capacidade de distinguir imediatamente o tom de qualquer nota). Apontaram também um volume maior de massa cinzenta nas áreas motoras, auditivas e visuoespaciais do córtex bem como do cerebelo. As mudanças anatômicas do cérebro tem alta correlação com a idade em que a pessoa começou o seu treinamento musical, bem como, com a intensidade da prática e ensaios.
Existem duas categorias de percepção musical, uma envolvendo o reconhecimento de melodias, e a outra, percepção de ritmo ou intervalos de tempo. Deficiências na percepção de melodia podem ser originadas por lesões no hemisfério direito, mas a representação do ritmo é mais disseminada e robusta, por isso envolve tanto o hemisfério esquerdo quanto muitos sistemas subcorticais nos gânglios basais, cerebelo, entre outros. Existem outras formas de amusia e cada uma envolve bases neurais específicas.
Nietzsche interessou-se a vida inteira pela relação entre a arte, especialmente a música, e a fisiologia e fez associações entre o poder de estimulação do sistema nervoso de um modo geral dentro de um episódio de depressão fisiológica e psicológica. Também falou dos poderes propulsores dinâmicos da música, ou seja, sua capacidade para evocar, impulsionar e regular o movimento. E assim a música tem o extraordinário poder sobre pacientes pós-encefalíticos, podendo despertá-los em todos os níveis, deixando-os alertas quando estavam letárgicos, dar-lhes movimentos normais quando estavam congelados e, incrivelmente, proporcionar-lhes vívidas emoções e memórias, fantasias, identidades completas, coisas que seriam inacessíveis.
A neurociência da música, em especial, concentra-se quase exclusivamente nos mecanismos neurais pelos quais percebemos a altura, os intervalos tonais, a melodia, o ritmo etc., e até bem recentemente dedicava pouca atenção aos aspectos afetivos de apreciar música. Embora a musicalidade, como uma habilidade perceptiva, provavelmente tenha um considerável componente inato, a suscetibilidade emocional à música é mais complexa, pois pode ser bastante influenciada por fatores pessoais tanto quanto neurológicos. Quando uma pessoa está deprimida, a música pode “perder a graça”, mas isso em geral é parte de um embotamento ou retraimento da emoção.
Para muitos de nós, as emoções induzidas pela música podem, de fato, ser avassaladoras. Muitas pessoas são tão sensíveis à música que não podem ouvi-la ao fundo enquanto trabalham; ou eles prestam atenção total à música ou precisam desligá-la completamente, pois ela é poderosa demais para permitir-lhes concentrar-se em outras atividades mentais. Dentre todas as artes, a música é a única que é ao mesmo tempo completamente abstrata e profundamente emocional.
A musicoterapia pode ser muito eficiente como tratamento para pacientes com demência, porque a percepção, sensibilidade, emoção e a memória para música, podem sobreviver até muito tempo depois de todas as formas de memória terem desaparecido. A familiaridade com alguma música faz aflorar emoções e associações esquecidas e reabre a oportunidade do paciente ter acesso a estados de espírito e memórias a pensamentos de mundo que pareciam ser totalmente perdidos podendo melhorar também o humor, comportamento e até a função cognitiva, persistindo por horas ou dias após terem sido desencadeados pela música.
Existem áreas específicas do córtex que alicerçam a inteligência e a sensibilidade musicais, e pode haver formas de amusia quando acontecem danos a essas áreas. A resposta emocional a música, ao que parece, é muito disseminada e provavelmente não apenas cortical, mas também subcortical, de modo que mesmo com uma doença de Alzheimer a música ainda pode ser percebida, desfrutada e gerar respostas. Não é necessário possuir conhecimentos formais de música para apreciá-la e responder a ela nos níveis mais profundos. A música é parte do homem, e não existe cultura humana na qual ela não seja altamente desenvolvida e valorizada. A música não é um luxo para pessoas com demência, é uma necessidade, e pode ter um poder superior a qualquer outra coisa para devolvê-las a si mesma e aos outros, pelo menos por algum tempo.
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