RICARDO 31/07/2015
O eu absoluto
Uma obra essencial para os fãs de Milan Kundera, que embora não tenha a profundidade d´A insustentável leveza do ser - até mesmo por não ser essa a proposta do livro - Risíveis Amores não foge ao estilo "existencialista" do autor.
No decorrer dos contos o leitor reflete sobre uma visão dos relacionamentos que de tão óbvia parece oculta ao senso comum romântico. Kundera tem o talento de esmiuçar as mesquinhezas e os dilemas que se escondem em cada pessoa, bem como a hipocrisia que teima em ocultar o que temos de mais humano.
Ao demonstrar relacionamentos pouco convencionais, seja pela diferença de idade ou por desejos sexuais que se firmam não no corpo do outro mas na própria vontade, na própria imaginação, o autor quebra alguns paradigmas e demonstra que um relacionamento pode ir muito além dos binômios tradicionais como beleza/feiura, amor/aversão.
Em especial gostei de "O jogo da carona". O conto faz um retrato do paradoxo da situação da mulher em uma sociedade machista, talvez essa não tenha sido a intenção do autor, mas ao colocar a personagem em uma condição ambivalente de "mulher certa, mulher pra casar" e "mulher desejada" ao mesmo tempo, fica claro como o homem, por mais que se aparente progressista, começa a desvalorizar a companheira ao mesmo tempo em que a deseja sexualmente, o que ocorre de certa forma em "Eduardo e Deus".
Digo que talvez essa intenção de evidenciar o machismo não tenha sido objetiva por ter achado a obra em geral bem machista, mesma impressão que tive em " A insustentável leveza do ser". O autor é apenas um autor e quanto mais honesta sua obra, mais interessante ela se torna, porém, é preciso ressaltar a ótica preponderantemente masculina e enviesada na qual a mulher é apenas parte de algo mais complexo (uma personagem no grande teatro que é a vida de cada homem).
Outra crítica é a frivolidade de alguns personagens, sendo o individualismo uma constante. A preocupação com a estética e o olhar do outro é quase excessiva. Os homens bem sucedidos e espirituosos seduzem mulheres jovens e cheias de vida, as mulheres mais velhas aparecem ora como ridículas, ora como a imagem de um passado de beleza frente a um sujeito que fracassou e que apenas procura nelas o resgate de seu tempo áureo.
A obra não deixa de ser um retrato interessante de uma sociedade vigiada, Kundera cultua o profissional liberal, os médicos, os artistas e também os professores, refletindo a necessidade da liberdade para ser feliz, para construir e debater ideias e até mesmo para amar, mesmo sendo esse amor, no mais das vezes, machista e individualista.
Recomendo o livro, afinal ler é sempre melhor que não ler. O posfácio é bem interessante e possibilita um crescimento do leitor em relação a análise literária. Se você não é fã de obras como O Estrangeiro e acredita que o ser humano está no mundo para ser maior que suas mesquinharias e vaidades, é possível que se sinta incomodado ao ler, mas nem que seja para criticar ou ter um processo de catarse como tive em "O Jogo da carona", vale a pena a leitura.