Paulo Sousa 07/08/2021
Leitura 17/2021
Risíveis amores [1969]
Orig. Sm??né lásky
Milan Kundera (Rep. Tcheca, 1929-)
Cia das Letras, 2012, 264p
Trad. Teresa Bulhões C. Fonseca
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?Atravessamos o presente de olhos vendados, mal podemos pressentir ou adivinhar aquilo que estamos vivendo. Só mais tarde, quando a venda é retirada e examinamos o passado, percebemos o que foi vivido, compreendendo o sentido do que se passou? (Posição Kindle 350/12%).
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?É sempre o que acontece na vida: imaginamos representar um papel numa determinada peça e não percebemos que os cenários foram discretamente mudados, de modo que, sem saber, devemos atuar num outro espetáculo? (Posição Kindle 2761/93%).
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Na pequena coletânea de contos ?Risíveis amores?, o escritor tcheco Milan Kundera aborda situações inusitadas e até ridículas relacionadas à arte do amor. São, em conjunto, como uma espécie de estudo de costumes, análise das relações pessoais e amorosas principalmente, que detalham os mecanismos que levam amantes e amados a assumirem papéis e comportamentos baseados na conveniência da ocasião e no interesse escondido sob grossas camadas de boas intenções.
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Como o próprio título sugere, alguns dos sete contos que formam o volume não só fazem o leitor cair no riso como também levam à percepção de como são ridículos ? e até odiosas, às vezes ? as motivações que movem os personagens de Kundera: homens e mulheres acostumados a ludibriar para convencer, a encarar personalidades díspares para ?venderem seu peixe? e, enfim, consolidarem os almejados intentos.
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Isso porque, não é propriamente o amor o que se busca, nas histórias; há uma maior preocupação em dominar, em chantagear, em enlaçar o outro em amarras emocionais que beiram a insanidade cega ou ao bullying exacerbado (intensifiquei este comportamento de propósito, já que é odioso sua mera prática).
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Se em ?A insustentável leveza do ser?, obra mais lida e conhecida de Kundera, que sempre que posso, releio, se trata de um romance complexo, recheado de aforismos filosóficos, em ?Risíveis amores? impressiona pela linguagem simples, direta, dinâmica e sem qualquer rebuscamento. Como que o autor quisesse desembaraçar os já complexos meandros da relação amorosa e expô-la ao olhar do leitor, sem enfeites nem camadas coloridas, convidando-o a contemplar a vileza disfarçada de amor e refletir sobre ?os desejos e intenções do coração?.
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O resultado não poderia ser mais satisfatório! O leitor tem em mãos um verdadeiro manual do amor risível, aquele movido por sentimentos equivocados, egoístas, vis e contraditórios. É um primor da literatura, aliás, Kundera é inequivocamente um autor essencial! Vale!