Jaguatirica 11/08/2020
Ma minha terra tem palmeiras...
"As Primaveras" de Casimiro de Abreu é a coletânea de 70 poemas do autor reunidas por volta de 1957/59 e organizados neste livro por tema.
Já na introdução o próprio diz: "Todos aí acharão cantigas de criança, trovas de mancebo, e raríssimos lampejos de reflexão e de estudo: é o coração que se espraia sobre o eterno tema do amor e que soletra o seu poema misterioso ao luar melancólico das nossas noites." Ou seja, a princípio precisamos saber que não encontraremos nada tãooo bem executado assim pois se trata de ensaios que Casimiro achou por bem de juntar num livro. Saibamos também que ele só se tornou conhecido postumamente e, em vida, dizia ser autor secundário, longe das luzes e da atenção reservada aos autores de "calibre". Ainda assim é considerado um dos maiores portas do Romantismo brasileiro.
Sobre o livro.
A coletânea se divide em 3 partes. Cada qual com um tema central.
1. Saudades da infância e das belezas naturais da Pátria para a qual eu-lírico tanto almeja retornar (com o sentimento de bucolismo esta parte do livro é plenamente nostálgica. Ele fala do passado como se este fosse perfeito em tudo.)
"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores. Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais!
[...]
Naqueles tempos ditosos Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo, Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!"
.......
2. Na parte dois é principal o sentimento de amor platônico pela donzela virgem e intocável. Estas são pintadas de maneira idealizada pelo eu-lirico. São deusas dignas de sacrifício, musas estáticas em brilho, brancula e no aroma de flores; parece até que nem respiram de tão perfeitas e imaculadas que são. A virgindade é louvada e citada amplamente em cada poema.
"Simpatia ? é o sentimento
Que nasce num só momento
Sincero, no coração; São dois olhares acesos Bem juntos, unidos, presos Numa mágica atração.
Simpatia ? são dois galhos Banhados de bons orvalhos Nas mangueiras do jardim; Bem longo às vezes nascidos, Mas que se juntam crescidos E que se abraçam por fim."
"Se eu fosse amado!... Se um rosto virgem Doce vertigem
Me desse n?alma
Turbando a calma
Que me enlanguece!... Oh! se eu pudesse Hoje ? sequer ?
Fartar desejos
Nos longos beijos
Duma mulher!"
.........
3. O eu-lirico está pesaroso, não acredita que a natureza ou o passado possam suprir sua alma. Por vezes busca refúgio na religiosidade, e quando nota que nem isso o faz parar de desejar a morte a felicidade parece longe e inalcançável.
"Ri, criança, a vida é curta, O sonho dura um instante. Depois... o cipreste esguio Mostra a cova ao viandante!
A vida é triste? quem nega?
Nem vale a pena dizê-lo. Deus a parte entre seus dedos Qual um fio de cabelo!
Como o dia, a nossa vida
Na aurora é toda venturas, De tarde doce tristeza,
De noite? sombras escuras!
A velhice tem gemidos,
A dor das visões passadas
A mocidade? queixumes,
Só a infância tem risadas!
Ri, criança, a vida é curta, O sonho dura um instante. Depois... o cipreste esguio Mostra a cova ao viandante!"
O mundo é cruel ele sofre de inadequação. Tudo na terra é visto como vulgar, lascivo ou passageiro demais para valer a pena. O conceito platônico de "mundo inteligível" torna-se presente mais uma vez. O ideal é impossível de alcançar pelos meios físicos e naturais e parece que só a morte pode libertá-lo.
"O homem nasce, cresce, alegre e crente Entra no mundo com sorrir nos lábios, Traz os perfumes que lhe dera o berço, Veste-se belo desilusões douradas, Canta, suspira, crê, sente esperanças,
E um dia o vendaval do desengano Varre-lhe as flores do jardim da vida E nu das vestes que lhe dera o berço Treme de frio ao vento do infortúnio.
Depois? louco sublime? ele se engana, Tenta enganar-se p?ra curar as mágoas, Cria fantasmas na cabeça em fogo,
De novo atira o seu batel nas ondas, Trabalha, luta e se afadiga embalde
Até que a morte lhe desmancha os sonhos. Pobre insensato ? quer achar por força Pérola fina em lodaçal imundo!"
"Se a donzela cuspir nos teus amores
Chora perdida essa ilusão primeira...
Mas vive e sê feliz!,
Se a dor for grande não te vergues fraco, Oh! não escondas no sepulcro a fronte
Aos raios deste sol;
Não vás como Azevedo* ? o pobre gênio ? Embrulhar-te sem dó na flor dos anos
Da morte no lençol!
Vive e canta e ama esta natura,
A pátria, o céu azul, o mar sereno, A veiga que seduz;
E possa meu poeta essa existência
Ser um lindo vergel todo banhado
De aromas e de luz!"
*Álvares de Azevedo e sua morte prematura.