Toni 26/05/2022
Releitura | Ciclo: Literatura & Resistência
O buda no sótão [2011]
Julie Otsuka (EUA, 1962-)
Grua, 2014, 144 pag.
Trad. Lilian Jenkinko
No último sábado conversamos sobre este romance no ciclo Literatura & resistência: uma obra sui generis narrada na primeira pessoa do plural que dá conta das experiências de imigração japonesa para os EUA no início do séc. XX — do ponto de vista das mulheres. A proposta narrativa de Otsuka se recusa, portanto, a descrever um trauma cultural do ponto de vista de uma única narrativa. Fundamentando-se em inúmeras entrevistas e depoimentos, a autora escreve uma história coletiva, dando conta, a partir desse procedimento, das mil e uma histórias inacabadas, infelizes, alegres, desesperadoras, esperançosas, bem-sucedidas que compõem os fluxos migratórios até o presente.
Para a crítica Shoshana Felman, o trauma “é precisamente o que não pode ser visto; é algo que inerente, política e psicanaliticamente derrota a visão [...]. Assim, o político está essencialmente ligado à estrutura do trauma. É, portanto, para a estrutura do trauma [...] que nossos olhos deveriam ser precisamente educados”. A meu ver, é isso que faz Julie Otsuka: sem se entregar ao sentimentalismo fácil e sem traçar perfis de heróis ou vilões, a estrutura do romance chama a atenção justamente para o retorno, a repetição, para o eco intermitente do sofrimento humano, para as sugestões de cenas em que nossa sensibilidade encontra-se entorpecida, e para aquelas imagens fugazes que doem fundo quando menos esperamos.
Traçando o arco temporal de uma epopeia – da travessia do oceano em porões de terceira classe ao desaparecimento dos japoneses na década de 1940, quando foram levados para campos de concentração nos EUA – O buda no sótão é um relato pungente sobre resistência, memória, imigração e apagamentos. Frente a um trauma cultural, o romance nos lembra da capacidade inerente da literatura de educar os olhos e nos ajudar a enxergar clivagens.
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