Ronan 24/10/2021
Um pé cá, outro lá
A Índia exerce um fascínio muito grande em mim, porque sou praticante do budismo e yoga há algum tempo. Essa representatividade que o subcontinente indiano tem quando tratamos de espiritualidade é o aspecto que mais me chama a atenção, um mosaico milenar de culturas e tradições que se interconectam e que convivem entre si de uma forma que é muito custosa para nós ocidentais, com nossas mentes dicotômicas e cartesianas, compreendermos.
Há um grande contraste entre essa espiritualidade latente e o mundo contemporâneo, a Índia hoje é a 7° economia e segue crescendo, sua população ruma para ser a maior e em pouco tempo ultrapassará a China, é um polo de inovação em informática e biotecnologia, possuem armas nucleares e um programa espacial respeitável, ao mesmo tempo em que a miséria atinge a maioria de seu povo, que ainda busca na espiritualidade algum conforto.
É nessa busca pela espiritualidade que o autor coloca a temática de seu livro, são nove pessoas que no exercício de suas fés deixam clara essa tensão entre modernidade e tradições milenares às quais ele entrevista e narra suas histórias:
- Monja jainista que renunciou a tudo (quase impensável em nossas vidas hedonistas), por sua fé.
- Dançarino dalit que subverte a ordem social ao encarnar deuses hindus em suas danças alguns meses do ano.
- Prostituta do templo que lida com a miséria e a perpetuação da exploração sexual em meio a uma pandemia de HIV.
- Escultor de estátuas de deuses em bronze que vê uma tradição de 7 séculos em sua família se quebrar pois os filhos trabalham com computação.
- Cantor de épicos cuja tradição oral, meio ambiente e de vida (pastoreio) está desparecendo.
- Asceta que vive em um campo de cremação e que subverte não só a sociedade moderna, mas as tradições hindus ao fazê-lo.
- Refugiada que resiste às interpretações mais estritas do islã wahabita ao adorar um homem santo do islã, espécie de sincretismo entre o islã e o hinduísmo.
- Cantor cego que pertence a um grupo que busca a deus dentro de si mesmo e não como algo externo, mas que o vê na alegria através do êxtase proporcionado pela música e canto, pela prática sexual e o desprendimento do mundo material.
- Monge budista que hoje vive em Dharamshala mas que participou da luta armada pela liberação do Tibet, logo após a invasão chinesa e que hoje vive em penitência.
É como se todos eles fossem elos entre uma Índia que foi e outra que virá, impossível não reconhecer em todas as sociedades humanas do século XXI, tão profícuo em avanços econômicos e científicos quanto em pobreza material e angústias espirituais, essas tensões e essas pessoas, com outros rostos e outras histórias, mas sempre com um pé no passado e sendo literalmente arrastadas e dilaceradas pelo vir a ser.