Tarás Bulba

Tarás Bulba Nikolai Gógol




Resenhas - Tarás Bulba


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Cinara... 26/05/2021

"Mas um jovem impetuoso não combina com um velho. Ambos têm uma natureza distinta e veem a mesma coisa com as diferentes."

Nikolai Gógol é um dos meus escritores favoritos, e ainda bem que não comecei suas obras por Tarás Bulba, talvez nem teria lido os outros livros. Gosto do lado cômico de Gógol, e esse lado fica bem longe neste livro.
É um livro de batalha, um pai colocando seus filhos para lutar.
Mesmo com a narrativa fluída, não gosto desse tipo de histórias. Cheguei até pensar que lembrasse D. Quixote, mas não.
Prefiro a graça do Gógol!
MarcosMoreno 26/05/2021minha estante
Olha ela. Já concluiu mais um livro de muitos. Tenho orgulho de você. Rsrsr


Cinara... 26/05/2021minha estante
Obrigada Marcos ? aos pouquinhos chegamos lá ??


MarcosMoreno 26/05/2021minha estante
Verdade. Mais você é a melhor. Você tem quantos anos?


Cinara... 26/05/2021minha estante
? 34


MarcosMoreno 26/05/2021minha estante
Ahhh ? é uma idade boa. Eu te dava 19. Esse ano eu vou fazer 33 anos




Márcia Regina 30/08/2009

Taras Bulba, de Nikolai Gogol

Em um texto na internet, encontrei a seguinte frase sobre Gogol: “Uma das suas primeiras obras é o romance histórico Taras Bulba, panfleto do nacionalismo ucraniano contra os poloneses”.
Pensei: eis aí uma boa linha de raciocínio. Mas, lendo, me deixei levar por sensações e resolvi (comodamente) deixar essa análise para a turma que atua na área. Vou jogar idéias que me surgiram, provavelmente mudarão em novas leituras, mas gosto de primeiras impressões.

Achei o livro muito bom, com ressalva de algumas páginas iniciais. Gogol descreve com força a alma russa, forjada no frio, fome, guerra, amor, ódio, sacrifício, alegria. São homens de almas extremas, concebidas pelo contexto político, social e físico (os positivistas iam me adorar agora). Nesse sentido, achei interessante o discurso sobre “comunidade”, na página 106.

Contraditoriamente, por um momento muito particular meu, de cansaço frente à violência, não consegui ver o livro como incentivo à guerra e ao patriotismo. E percebi detalhes de forma provavelmente diferenciada da intenção do autor (ainda vou pesquisar para saber como os russos do século XIX leram o livro). São aspectos que fogem da idolatria ao “herói”, à pátria.

Abaixo, alguns desses pontos que me chamaram a atenção.

- A dor da mãe, a impotência frente à força masculina. É comovente a cena em que ela passa a noite acordada velando os filhos.

- O amor de Andrei. Sua percepção da pátria como “aquilo que nossa alma busca, o que é mais querido por ela” é vista como fraqueza (na verdade, soou adolescente), mas, ao mesmo tempo, Gogol o coloca como um dos mais valentes guerreiros.
É vencido pelo pai, pela submissão ao amor paterno, submissão valorizada no contexto russo. Ostap e Andrei, ainda que de formas diferentes, na hora da morte lembram da figura paterna.
Da mesma forma, a mulher que Andrei ama o chama para tentar salvar a vida da mãe (o amor filial mostrado de ambos os lados em luta).

- O encontro com o guarda, quando Taras vai visitar o filho. O guarda diz que os cossacos “professam uma religião que ninguém leva em consideração”. Ao que Taras responde: “É a de vocês, hereges, que ninguém respeita”. Destaca-se a dignidade de Taras, mas, também, fica a sensação de que o judeu, o polonês ou o cossaco, cada um acredita estar certo. A religião ser verdadeira ou não, depende de quem a vive.

- A morte de Taras. No livro, a “alma russa” aparece construída em cima do sofrimento e da vontade de cobrar e aplacar essa dor, mas como algo “coletivo”, não “individual”. E Taras termina transformando a jornada no desejo desesperado de vingar o filho. De certa forma, se aproxima, na minha visão, de Andrei, pois luta pelo filho, Ostap, como Andrei lutou pela mulher que amava.
Também, Taras morre sozinho, incentivando sua tropa a fugir. Achei meio estranho, pois, para o soldado, morrer lutando era motivo de orgulho. Quebra as leis da camaradagem tão destacadas no livro, de que nunca deveriam ser abandonados os companheiros.
F Fernández 19/07/2011minha estante
O que não é culpa inteira de Gógol, mais que deve ser bem lembrado é seu anti-semitismo.
Outro ponto, a questão da "terra russa", uma ideia comum aos românticos e a questão do "espaço vital", onde estão os antepassados, onde deve cair seu sangue. "Morreria tranquilo se tivesse um companheiro" "pai onde está", então ele responde "estou aqui meu filho".
O sentido patriótico é firme também, o da unificação das "russias" etc, etc.
Admito que hoje parece uma grande balela ideológica, mais o livro é bem escrito, é a questão de força , garra, sobrepõe a estas questões.


Paulão Fardadão 23/11/2012minha estante
Tem um ponto no livro onde se compara Andrei e Ostap. Diz-se q Andrei é um guerreiro valente, mas q não serve para liderar ao contrário de Ostap. Isso pq a valentia de Andrei vêm da impetuosidade, q o faz cego aos perigos, enquanto q Ostap sabe a hora de recuar para investir novamente com mais força e assim vencer a batalha. Dessa forma, a fuga em batalhas perdidas não quebra as leis da camaradagem, pq é diferente da simples covardia. Qdo Taras é capturado, já estava empreendendo uma fuga desesperada de uma situação insustentável, e tão somente exorta seus comandados a seguirem o q já estava planejado.


Márcia Regina 23/11/2012minha estante
Interessante, você está certo, Paulão, esse aspecto do "orgulho" e da "morte" é algo mais complexo, a forma como li tem muito de superficial. Gostei de repensar a questão.




Marcos606 13/09/2023

Taras Bulba, um coronel e seus dois filhos, Andriy and Ostap são cossacos que vivem na Ucrânia no momento de uma luta com invasores estrangeiros poloneses. O velho Taras quer que seus filhos se tornem homens de verdade e os leva para o centro da batalha.

Quando Andriy se apaixona por uma nobre polonesa, Taras Bulba deve escolher entre a Pátria e seu filho. Gogol glorifica o amor à Pátria, amor que, em sua opinião, está acima de todos os laços de sangue.
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Nazrat 25/03/2021

Que experiência!
Ler este livro é como ser transportado para aquela época e ver com seus próprios olhos as coisas que se passavam. Além do estudo da histórico do autor e de sua narrativa fluída, é uma obra que oferece algo de épico e popular ao mesmo tempo. A trajetória de Tarás Bulba e seus filhos é uma experiência marcante!
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Ramiro.ag 17/01/2024

"O sabre, o mosquete, o cachimbo e o fuzil de pederneira estavam sempre ao lado de cada cossaco."
"E toda a Siétch rezava numa só igreja e estava pronta para defendê-la até a última gota de sangue, embora não quisesse nem ouvir falar sobre jejum e abstinência."

Gógol, precursor entre os magníficos escritores russos, extraiu do seio popular personagens entranhados nas camadas sociais menos afortunadas, elevando-os à sublime condição de heróis nas tramas de uma obra literária épica.

Na expressão gogoliana, a vinculação entre vida e literatura assume contornos ainda mais profundos, visto que o autor adota a vida do povo russo como o epicentro de toda a sua criação literária. A cultura popular, a existência mais singela do ser humano, seja ele um opulento proprietário de terras, um modesto funcionário público, um mujique ou um cossaco, assim como a alma multifacetada do homem russo, estão intrinsecamente entrelaçadas em suas narrativas.

"[...] consideravam indispensável dar educação a seus filhos, embora fizessem isso para depois esquecê-la por completo."

Em "Tarás Bulba", obra tecida nas tramas da história dos cossacos, ressoa uma intensa tonalidade popular e nacionalista. Nessa obra, o autor caracterizou o coronel Tarás Bulba de maneira a personificar toda uma nação, exaltando não apenas sua coragem e determinação, mas também desvelando um estilo de vida singular, uma sociedade anárquica que coabita harmoniosamente com um sistema militar meticulosamente organizado.

"Porém, estabelecer parentesco pela alma, e não pelo sangue, é algo de que só o homem é capaz."

Tarás Bulba pode ser considerada uma epopeia, assim como Ilíada e Odisseia, dando aos guerreiros cossacos os mesmos contornos dos heróis épicos. Em toda a trama, os guerreiros estão lutando pela sua honra e pela honra de sua pátria, estão tentando evitar a supressão do cristianismo ortodoxo pela igreja católica da Polônia, com personagens que, mesmo destituídos de nobreza, conquistam a glória nos campos de batalha. A essência épica dos personagens em "Tarás Bulba" se entrelaça com a peculiaridade popular: injúrias, maldições, desvios morais, preconceitos e superstições. Este contraste, ao mesmo tempo que desafia a grandiosidade épica dessas figuras, faz emergir do seio do povo personagens repletos de glória e esplendor.

"Não existe força maior do que a fé. Ela é terrível e inabalável como um rochedo no meio do mar tempestuoso e sempre inconstante, de cujas profundezas ele, que fora criado de uma só rocha inteiriça, ergue até as alturas os seus muros inexpugnáveis."

Apesar do tema sério e das recorrentes descrições violentas e brutais, a obra abraça, de fato, uma atmosfera carnavalesca. Eu me peguei rindo em inúmeras passagens, e a descrição burlesca confere uma leveza e uma abertura ao riso.

"E o fogo já se levantava acima da fogueira, envolvia suas pernas e estendia as chamas pela árvore...Mas haverá no mundo algum fogo, martírio ou poder que possa vencer a força russa?"


Outra leitura que veio para reafirmar a razão pela qual Nikolai Gógol perdura como minha paixão literária.
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Erika 19/11/2020

Essência cossaca
Já comentei por aqui sobre duas leituras que fiz de Nikolai Gógol (Almas Mortas e O Capote), e o moço se tornou um dos caras mais interessantes que já li.

Tarás Bulba tem como tema a essência dos cossacos, um povo nômade que habitava as planícies ucranianas. Um povo independente, anárquico, alegre e extremamente defensor dos princípios cristão ortodoxos. Apesar de "bagunceiros" nos momentos de ócio, foram famosos por sua organização militar e amor à pátria. Amor que é profundamente enaltecido durante as páginas desta novela, ponto que me encantou em todos os textos que conheci do autor.

O personagem que dá nome ao título é o símbolo de todas essas características elencadas, o retrato de um povo de classe inferior, que se orgulha (e se entristece também, é a vida) em lutar junto aos filhos pela honra ferida. Inclusive existe neste volume a descrição de uma batalha que beira a poesia, comparável apenas às que li em Ilíada. 

Uma observação interessante: Gógol foi antecessor de escritores como Dostoiévski, Tolstói e Turguêniev, e assumidamente inspiração para muitos dos escritos dos mesmos. E uma excelente opção para quem quer começar a se aventurar pela literatura Russa, com enredo fluído, simples e com um humor leve e gostoso.

Amei com força, foi certamente uma das melhores leituras de 2020. 
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Reginaldo Pereira 26/03/2023

Admirado pelo bravo povo cossaco!
O prazer que Gógol nos permite ter através da leitura de suas obras é algo que poucos autores conseguem, de maneira tão simples e ao mesmo tempo tão profunda!

E o conto Tarás Bulba não poderia ser diferente!! No melhor estilo gogoliano, os personagens do povo, o seu linguajar direto e robusto (inclusive os xingamentos!!!), mostrados no seu cotidiano festivo e bélico, nos permitem compartilhar tanto da alegria e da embriaguez, quanto da ferocidade e violência das batalhas do século XVII.

Uma leitura rápida, prazeirosa, mas também grandiosa e até mesmo atual, pois agrega argumentos históricos muito importantes no entendimento do que está se passando atualmente com a nação e o povo ucraniano!!

PS: a edição que li possui um posfácio do tradutor (Nivaldo dos Santos) que sugiro ser lido antes da obra em si, pois apresenta uma contextualização importante, e sem spoiler algum!!!
aartemesalva-nat 26/03/2023minha estante
Raro um texto complementar que não contém spoiler. :)


Reginaldo Pereira 26/03/2023minha estante
Tem toda a razão, Natalia!! Um perigo!!!! kkkk Mas esse eu garanto!!! ??


Carolina 26/03/2023minha estante
Esse eu não li, mas li outros do Gógol que gostei muito - O Capote e O Retrato. Quero ler tudo dele. Se a Nova Aguilar lançasse as obras completas, eu comprava.


Reginaldo Pereira 26/03/2023minha estante
Carol, Gógol é um dos meus autores favoritos! Não sei de está na sua lista, mas ?Almas Mortas? é simplesmente perfeito!!!
Eu comprei um box de autores ucranianos e um deles também é justamente ?O Capote?! Portanto em breve falaremos a respeito!!?




Diego Rodrigues 16/03/2021

Cavalgando através da história
Se você já leu algo da literatura russa, provavelmente já ouviu falar dos cossacos. Eles estão na obra de Puchkin, Tolstói, Babel, Riépin, Roubaud, Brandt e de muitos outros mestres. Mas afinal, quem eram os cossacos? Na década de 1830, Nikolai Gógol mergulhou em um profundo trabalho de pesquisa sobre a história e o folclore ucranianos. O resultado foi "Mírgorod", coletânea de contos e novelas escritos entre os anos de 1832 e 1834, e publicada pela primeira vez em 1835. Entre esses escritos estava "Tarás Bulba".
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Nessa novela vamos acompanhar o veterano Tarás Bulba e a iniciação de seus filhos, Óstap e Andríi, na vida cossaca. Guerras, farras e uma fé inabalável na Igreja Ortodoxa, essas são as forças que movem o coração de um cossaco e que vamos conhecer enquanto cavalgamos, na companhia do exército, pelas vastas estepes do leste europeu.
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Na época de sua publicação, "Tarás Bulba" e outras histórias presentes em "Mírgorod" causaram impacto no meio literário russo. Isso porque, ali e naquele tempo, não era tão comum que a literatura lançasse um olhar para o povo, mas sim para os grandes heróis. Gógol foi um dos primeiros escritores russos a olhar para as camadas mais baixas da sociedade e influenciou grandes mestres como Fiódor Dostoiévski e Isaac Babel. Sua obra foi muito celebrada no meio popular, que via seus costumes e lendas refletidos na bela paleta de cores que é a escrita do autor.
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Com uma escrita vívida e cercada de realismo, Gógol nos permite sentir o vento batendo no rosto e ouvir as batidas das patas do cavalos no solo enquanto lemos "Tarás Bulba". As batalhas sangrentas, a descontração dos acampamentos, as paisagens deslumbrantes, tudo é muito palpável e somos tão envolvidos, página a página, que ao final da leitura parece que estivemos ali, em meio ao exército cossaco, testemunhando suas glórias e lamúrias. Mas essa está longe de ser uma mera história de "capa e espada", como chegou a ser acusada por alguns críticos na época de seu lançamento. A obra apresenta um riquíssimo contexto histórico e cultural, que permite uma profunda imersão no mundo cossaco e ajuda a contar um importante episódio da história da Rússia.
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O termo "cossaco" é de origem turca e significa homem livre. E é isso que "Tarás Bulba" é, uma história de resistência e de luta pela liberdade. Por isso há fácil identificação, como houve com as classes mais baixas da sociedade russa do século XIX, com qualquer povo que se sinta oprimido ou perseguido. E é por isso também que essa novela entra para o seleto grupo dos clássicos, pela sua capacidade de se manter atual em um mundo onde estamos constantemente lutando.

site: https://discolivro.blogspot.com/
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Mariana 25/06/2021

Cavaleiros cossacos e um passado repleto de glória
Bravos, honrados, beberrãos e... cristãos ortodoxos! Os cavaleiros de Gógol são valentes e morrem pela religião e pela pátria sem piscar os olhos!

Neste livro, o autor nos brinda com uma extensa pesquisa sobre esses guerreiros, sua cultura e seus costumes. O passado é romantizado, repleto de glórias!
Tarás Bulba é um personagem épico, durão, incansável, mas sensível ao mesmo tempo...

Apesar de ser curtinho e bem fácil de ler, o livro nos acrescenta grande bagagem histórica e cultural sobre a Ucrânia do século XVI. Indico a leitura!
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Lucas 05/08/2020

Tarás Bulba: Uma síntese perfeita do que é a literatura russa e do que ela representa
Nikolai Vassílievitch Gógol (1809-1852), sem exageros, é o patriarca da literatura ficcional russa, que explodiu no Império Russo no século XIX e que legou à eternidade dezenas de obras de inúmeros autores diferentes. Junto ao poeta Aleksandr Púchkin (1799-1837), eles foram os pilares daquilo que convencionou-se chamar de Era de Ouro da literatura daquele país, até então agrário e quase feudal.

Importante demonstrar este preâmbulo porque por mais que se estude e sejam famosas as obras russas daquele período no Brasil (especialmente as de Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói, Ivan Turguêniev e tantos outros), ainda se tem na mente daquele leitor não estudioso da literatura russa a noção de que estes "monstros" (no sentido aumentativo) citados são os grandes baluartes desta literatura. Não deixa de ser verdade, lógico, mas estes autores que viveram seus auges a partir da segunda metade do século XIX construíram uma eternidade própria que deriva de Gógol e Púchkin. Prova disso é a obra Tarás Bulba, lançada por Gógol em 1835, seu segundo trabalho e que o fortaleceu no cenário literário russo da época.

Tarás Bulba não é personagem protagonista do livro; é um pouco difícil para o leitor definir quem o seja, mas é por meio das decisões de Bulba que todo o dinamismo da narrativa vai se construindo. Se for para delimitar um protagonista para os doze capítulos da história, fica claro que ele não é um personagem específico, mas sim o povo cossaco.

Falar dos cossacos é falar do povo russo, pois uma breve pesquisa sobre a origem desse grupo étnico traz uma forte semelhança daquilo que se entende por "russo" como indivíduo junto ao imaginário do Ocidente. Os cossacos correspondem a um povo originário da região sul da Rússia, em especial à beira do Mar Negro e na atual Ucrânia. Teimosos, normalmente de bigodes, machistas (para os padrões atuais) e, essencialmente, ótimos guerreiros: são termos que sintetizam cruamente o que são os cossacos. Patriotas, beberrões, soldados destemidos e ao mesmo tempo selvagens nos campos de batalha são adjetivos que complementam essa descrição e que não são críticas a este povo: são complexidades que tornaram a tarefa narrativa de Gógol ampla, por mais que ele tenha vivido neste meio (seu pai era um proprietário de terras cossaco e o escritor era natural do que hoje se conhece como a Ucrânia).

A região onde os cossacos viviam era marcada pela presença de inúmeros outros povos, que constantemente brigavam entre si dos séculos XVI a XVIII (a narrativa de Tarás Bulba não fala em datas, mas o narrador descreve a história como se ela estivesse ocorrendo "no século passado"): havia os tártaros (naturais do centro asiático), os turcos, os muçulmanos, os judeus e os poloneses, que conjuntamente são as etnias que mais aparecem no livro. As diferenças entre cossacos e esses povos (em especial os poloneses) levavam a constantes escaramuças regionalizadas, a maioria dela provocada por aspectos religiosos conflitantes e por disputas territoriais (é neste ensejo que a segunda metade de Tarás Bulba se desenrola. A atual Ucrânia era uma região controlada pela Polônia, de influência católica; já os cossacos eram cristãos ortodoxos). O homem cossaco comum, se sobrevivesse às guerras, normalmente adquiria uma fazenda no interior, arranjava uma esposa (que era totalmente submissa às vontades do marido), tinha filhos, os colocava num colégio distante e, quando formados, eram incluídos na arte da guerra.

É este o perfil de Tarás Bulba, inclusive. A obra começa narrando o retorno do seminário em Kiev dos seus dois filhos, Óstap e Andríi. Bulba, um homem de ação e apaixonado pela vida da caserna, logo que os filhos retornam à casa paterna, organiza uma expedição para a "Siétch" (fortificação militar dos cossacos) de Zaporójie, que ficava às margens do Rio Dniepr, importante rio do leste europeu que atravessa toda a atual Ucrânia. Toda essa "atividade" marca o primeiro capítulo: é apressado e dinâmico, sem ser vazio. Gógol, nestas primeiras páginas, já faz uma descrição bastante minuciosa do cossaco como povo, seu apego ao militarismo, às farras e assim por diante.

Uma marca que fica desde estes primeiros momentos é a habilidade de Gógol em "pintar" com palavras um pano de fundo narrativo coloridamente belo. As descrições detalhadas que ele faz da estepe, famosa formação geográfica da Rússia, marcada por planícies e vegetações rasteiras, são um exemplo singular dessa capacidade narrativa. Se Ivan Turguêniev (1818-1883) ficou posteriormente marcado por ter uma grandiosa habilidade de escrever sobre a natureza em geral, muito deve ter aprendido com Gógol.

Esta mesma genialidade poética é transformada em realismo cru nos momentos apropriados. As descrições de batalhas oferecem dezenas de cenas fortes, com decapitações, espancamentos e por aí vai. Há também um relato frio e realista de um cerco a uma pequena cidade e o resultante desespero dos cidadãos que nela viviam. Aqui, torna-se inevitável não lembrar de Liev Tolstói (1828-1910) e a agonia que a narrativa do seu Guerra e Paz (1865-1869) causa quando relata o cerco e posterior invasão à Moscou pelas tropas napoleônicas em 1812. É bem perceptível a semelhança no sombrio tom narrativo que é empregado.

Ponto genial digno de nota (e que é muito bem assinalado por Nivaldo dos Santos, tradutor da obra, no posfácio da sempre excelente edição da Editora 34, que contextualiza muito bem outros pontos) é o ineditismo no cenário literário russo da época personificado por Gógol ao tratar personalidades comuns como verdadeiros heróis, dignos de romances. O autor foi o primeiro a escrever sobre o povo russo como fonte de heroísmo, colocando em destaque personagens aparentemente comuns como exemplos de coragem, superação e apego a um ideal. Completando a tríade de autores russos posteriores citados e a influência que eles obtiveram a partir da obra "gogoliana", esta é uma tese muito aprofundada por Fiódor Dostoiévski (1821-1881), que em seus trabalhos sempre recorria ao povo mais humilde, ao tipo mais comum e até decrépito da sociedade que o circundava para protagonizar todas as suas narrativas.

Além de todas estas nuances alegóricas, que ajudam a definir a literatura russa (se é que esta é uma tarefa possível), Tarás Bulba ainda traz uma história cinematográfica sem ser apressada e que fala dos mais diversos temas: a religião, o patriotismo, a família e como o cossaco se inseria nesse contexto. Os valores amplos do cossaco são questionáveis na mesma medida da sua bravura: se sobra coragem para encarar um exército inimigo em campo aberto, sobram condutas polêmicas no trato familiar, por exemplo. Estas dissonâncias são mais relevantes do que o futuro leitor pode imaginar, já que elas conduzem a um desfecho imprevisível, na qual é impossível que quem está lendo-o passe incólume.

Religião, patriotismo, crenças, valores próprios... Tudo isso e muito mais se confundem na jornada épica e breve de Tarás Bulba. De caráter nacionalista e panfletário, é por meio dele que Nikolai Gógol solidificou sua posição vanguardista dentro da Rússia e na eternidade literária. Ao oferecer reflexões de temas universais sob o ponto de vista cossaco, Tarás Bulba acaba sendo a resposta, fria, mas totalmente exata, à hipotética pergunta: o que é a literatura russa? O livro, em seu todo, responde a este questionamento formidavelmente, provocando um fascínio ao leitor que ele dificilmente irá esquecer.
Natalie Lagedo 05/08/2020minha estante
Você sempre impecável nas resenhas. Amei essa contextualização histórico-literária. Gogol é realmente um titã.


Lucas 06/08/2020minha estante
Titânico é realmente um adjetivo bem apropriado, Natalie. Gógol é incomparável. :)


Erika 06/08/2020minha estante
Lucas, eu sempre acho que suas resenhas são uma ótima leitura de apoio! Belíssimo texto!




Phelip 05/06/2020

Meu primeiro contato com Taras Bulba foi no ensino médio, há uns 10 anos quando frequentava bibliotecas, escolhi aleatoriamente um livro e comecei a ler a história tendo como protagonistas os cossacos. O autor consegue transportar o leitor para o século dos cossacos, a impressão ao ler era que estava dentro da cultura e das batalhas.
Apresenta um tom épico e as vezes carnavalesco, não existem cerimônias. O que mais chama a atenção é a forma de vida quase anárquica, com alta capacidade de organização diante de algum desafio.

Com exceção de algumas situações que são incompatíveis com nosso entendimento atual, é um livro brilhante.
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Rickson.Ramos 06/08/2020

Russia raiz
Tarás Bulba - um épico de autoria de um dos grandes expoentes da literatura russa/ucraniana, Nikolai Gógol - delineia os mais diversos assuntos, dentre eles: aventuras dignas de epopeias homéricas; feitos heroicos e mortes honradas;  personagens intrépidos e ferozes; amores impossíveis; discussões sobre a dualidade das guerras e os perigos da intolerância religiosa e do patriotismo exacerbado.

No herói dessa novela, o coronel Tarás Bulba, o autor tenta sintetizar o povo eslavo-oriental cristão, exaltando sua coragem e determinação. 

A história se desenrola quando, ao ver seus filhos voltarem do colégio interno religioso, Bulba se sente nostálgico por uma boa batalha e por uma grandiosa farra em um posto avançado, uma Siétch. Bulba alega que seus filhos estão muito cheios da doutrina catedrática religiosa, e que seria bom para eles uma guerra; o problema é que os cossacos assinaram um acordo de paz com a Turquia - um dos principais inimigos dos cossacos. Contra quem eles poderão voltar seus sabres e ímpeto assassino?

Outro personagem dessa história é o povo cossaco, que, motivado por um objetivo maior (como proteger sua terra da influência católica e judaica), se joga no ardor da batalha sem olhar para o que estão deixando para trás. Eles são retratados como uma potência militar anárquica que não obedece a ninguém senão ao Deus cristão e seu kochevói (comandante do exército).

Sem dúvida uma leitura imperdível e, infelizmente, muito curta.
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Janarybd 24/01/2020

MINUTO LEITURA: Tarás Bulba
Um velho coronel criado pela ânsia em manter o combate violento contra seus inimigos, recebe de volta em casa os jovens filhos recém-saídos de um colégio interno religioso. Se distinguindo pela sinceridade grosseira de seu temperamento, o pai não espera os garotos se instalarem em casa e, como para que provar o sangue forte dos herdeiros, trata de levar ambos para um dos pontos da sangrenta batalha entre ucranianos e poloneses durante o século XVI.

Publicado em 1835, o romance “Tarás Bulba” traz descrições ferozes do russo Nikolai Gógol a respeito dos combates gloriosos do povo Cossaco – que é o nativo da região sudeste da Europa, que se instalaram pela Rússia asiática. Apesar de curto (com menos de 200 páginas), esse romance parece nos transportar para a convivência ao lado de homens alegres, violentos, implacáveis, corajosos e sentimentais. Que vivem a guerra pelo seu povo, como a maior honra que se poderia conquistar em vida. São ecos de um mundo muito mais antigo do que aquele retratado na história.

O romance está impregnado de tradições de um povo, que foi intensamente pesquisado por Nikolai Gógol por meio do folclore da Ucrânia, lendas, canções e ditos populares. O resultado foi uma obra épica de cavalaria que é marcada pelas tragédias pessoais do coronel Tarás Bulba – que é exaltado como um grande herói nacionalista. O russo Nikolai Gógol é um dos mais importantes escritores da literatura mundial e seus textos teatrais e narrativas que mesclam a arte e o misticismo influenciaram muitos autores hoje conhecidos como gênios.


site: https://soundcloud.com/user-567764695
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