Rosa Santana 01/04/2011
Taras Bulba é um curto romance histórico do Nikolai Gogol. Conta a história de um velho cossaco ucraniano - Taras Bulba - e os seus dois filhos, que estudam na Universidade Nacional Academia Kyiv – Mohyla, e voltam para a casa de férias. Daí os três homens viajam para a Sich de Zaporizhia, situada na Ucrânia, na ilha de Khortytsia, para se juntar aos outros cossacos na guerra contra a Polônia. Eles lutam bravamente, sob o comando de Taras.
Os cossacos assinam a paz com os polacos. Mas Taras, por não concordar, leva o seu regimento para continuar a guerra contra a Polônia. Taras é capturado em combate e ordena que seus comandados fujam, deixando-o sozinho. Ele é queimado vivo na fogueira improvisada, gritando pelo Espírito da Rus (não deve ser confundido com o espírito da Rússia).
Penso eu, que o autor deixa Taras morrer sozinho, no final, não por ter sido abandonado pelos “camaradas”. Ele próprio incentiva a partida dos guerreiros para que eles, de uma forma ou de outra, continuem a luta aí iniciada, já que o que almeja é a vitória e a conseqüente expansão da alma russa. Essa alma russa não morre com ele, mas permanece viva naqueles guerreiros que, como os mergulhões, são “altivos”. Como as velozes aves, os cossacos navegam livres, pelo menos por hora porque outras batalhas virão! Seu atamã (Taras) cuja alma russa não foi vencida pelas chamas, está ali com eles e perdurará com outros que ouvirão e contarão aos tocadores de pandora, que a cantarão para outros e para outros, e mais e mais outros...
Esse livro me lembrou muito o “Mensagem”, de Fernando Pessoa, que conta dos heróis e das lutas do povo português, também submetido a tantas batalhas, umas gloriosas e outras, não...
Fala de um povo que conquistou territórios, mas que se viu conquistado, dominado, quebrado no seu orgulho patriótico...
O livro é uma MENSAGEM: a de que a História – esse conjunto infindável de fatos, conquistas, derrotas, batalhas, revoluções, viagens, glórias... – não passa de manifestações aparentes de uma energia potencial (o mito!) cuja tendência é ir muito além do que na verdade fora e conclama o povo português a não se esmorecer e a não se esquecer disso.
Asssim:
O mito é nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Taras se transforma nesse paradoxo: é o nada (morto, queimado), mas é tudo: o sol brilhante, ainda que morto, está vivo para os que o “abandonaram” Por isso, acho que Taras morre sozinho: para que tenha quem o cultue. Se todos se extinguissem, quem contaria sua história? Como ele se transformaria em mito?
(...)Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Só assim, nosso lendário herói continuará “a entrar na realidade e a fecundá-la”, fazendo com que sua plenitude espiritual alimente seus compatriotas – de todos os tempos - e perpetuando neles a aspiração, (utópica?) para que o sonho, que não é dele apenas, mas de todos os cossacos, não seja esquecido, e, encontrando condições favoráveis, venha a acontecer.
Como mito, ele está muito acima da morte, da transitoriedade... Em baixo, a vida que é metade de nada, morre, queimada ou não; acompanhada ou não... Mas o mito permanece, a força, a energia potencial com que ele fecunda a vida, está além, planando os ares...
Taras viverá, como mito, como essa energia latente, para que possibilite que sua comunidade vá mais além, como os pássaros...
O que não aconteceria se todos lutassem juntos, até a extinção.
Outro poema que muito me ocorria quando estava lendo, tb do livro Mensagem:
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
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Acho que o idealismo romântico está presente do início ao fim da história com seus caracteres nem exagerados e nem grotescos, tão comuns à obras do Gogol. O romance tem que ser entendido no contexto do movimento literário do nacionalismo romântico, desenvolvido à volta de uma cultura étnica, baseando-se nos ideais românticos..
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