mbpedago 05/08/2010
O "novo século" sob a mira de Eric Hobsbawm
Eu adoro as obras e as interpretações de Eric Hobsbawm, de modo que a apreciação deste livro não poderia ter sido diferente. Embora no formato de entrevista, elaborada por Antonio Polito, vamos adentrando,por meio do diálogo encetado entre eles, a perspectiva como vêem o "novo século". A entrevista está dividida entre sete tópicos:Guerra e Paz, O Declínio do Império no Ocidente,Pequeno Mundo Global, O que restou da esquerda, Homo Globalizatus, Itália querida Itália e 12 de Outubro de 1999.
Iniciado com a INTRODUÇÃO, "A Bola de Cristal do Historiador", também configurada dentro do formato de entrevista, observa-se a perspectiva historiográfica de Hobsbawm. Diante de tal fato, o trecho a seguir é bem elucidativo: "Por esse motivo, a história que mais me interessa é a analítica, ou seja, aquela que procura analisar o que ocorreu emvez de simplesmente descobrir o que aconteceu. Isso não significa que possa ser usada para se compreender exatamente de que modo o mundo desenvolveu-se de certa maneira,mas ela pode nos dizer de que modo os vários elementos reunidos no interior de uma sociedade contribuem para a criação de um dinamismo histórico, ou inversamente, não conseguem provocar tal dinamismo" (p.11).
No item "GUERRA e PAZ" Hobsbawm e Antonio discutem os diferentes formatos dos conflitos e das guerras presentes no século XX e de que modo eles ainda permanecem no cenário histórico atual; o uso da tecnologia de guerra, seus reflexos e consequências para a direção política tomada pelos Estados ou por grupos organizados, como se vê nesse trecho: "Quanto menos os conflitos armados são organizados e conduzidos pelos Estados, mais perigosos elesse tornam para as populações civis"(p.20). Os conflitos etnicos também são palco de discussão nesta parte da entrevista, bem como os elementos da tradição e, consequentemente, da sua invenção, para reforçar posições e conflitos.
"O DECLÍNIO DO IMPÉRIO NO OCIDENTE", segundo item discutido,apresenta as diferentes concepções de Estado presente no período, desde a sua soberania e centralidade com os Estados-Nação até ao seu papel reduzido ao mínimo, bem como as diferentes formas de estrutura e administração do Estado.Há ainda uma discussão sobre as formas de governos em diferentes países e regiões do globo, capturando as tendências, marcas e reflexos na contemporaneidade.
O terceiro item, "PEQUENO MUNDO GLOBAL", apresenta o processo intermitente da globalização, permeado com continuidades e com rupturas,a partir de uma série de fenômenos, como a revolução dos meios de comunicação e de transporte, descentralização da produção. É curiosa, todavia, a diferenciação apresentada pelo processo de globalização e a ideologia neoliberal de globalização: "Não há dúvida de que a globalização é irreversível, independentemente da atuação governamental. O mesmo não se dá com a ideologia baseada na globalização,a ideologia neoliberal do livre mercado ou o que foi chamado de 'fundamentalismo do livre mercado'"(p.69). Nesse quesito, também torna-se compreender as transformações das formas de produção econômica: monopolio, competição, estrutura keynesiana, público-privado, consumismo, etc.
O quarto item, "O QUE RESTOU DA ESQUERDA", traz importantes observações a respeito da distinção entre o movimento político de direita e de esquerda, ao mesmo tempo em que demonstra que a esquerda em si apresentou diferentes vertentes em sua história, desde a socialdemocracia (reformista) à comunista revolucionária (bolcheviques e a consciência operária) e, atualmente, marcada por vários movimentos fragmentados da esquerda semuma base teórica sólida (a exemplo dos movimentos feministas e ambientais). A essa questão referê-se a particularidade destes movimentos e a difculdade atual da esquerda em consolidar-se como um projeto unificador da juventude, dado a despolitização e a fata de líderes representativos para o movimento revolucionário.
"HOMO GLOBALIZATIUS", quinto item discutido entre Hobsbawm e Polito, traz para o debate a relação entre a educação e a cultura na era da globalização, ressaltando as diferenças, que persistem, entre a cultura erudita e a cultura popular/massificada. Nesse sentido, exemplifica algumas questões particulares a esse respeito, com o acesso a educação e a cultura a grupos até então excluídos, como as mulheres, no campo político, profissional e maternidade.
No sexto item, "ITÁLIA, QUERIDA ITÁLIA", Polito discute a relação de aproximação de Hobsbawm à Itália, o debate do cenário político do país e algumas alocubrações a respeito dos possíveis passos para a Itália no novo século.
O último item, "12 DE OUTUBRO DE 1999",fazem um pequeno debate a respeito das políticas frente as altas taxas demográficas, seus reflexos e consequências: alta/baixa taxa de natalidade, expectativa de vida, imigração, desigualdade social e econômica, etc.
A obra se encerra com uma conclusão, "TOMARA!", pode vir a interessar muitos daqueles que se questionam se Hobsbawm ainda pode ser considerado como um historiador marxista ou não, já que uma das perguntas se refere justamente se ele se arrepende(u) de ter sido um militante comunista e a sua postura frente a história.
Enfim. Hobsbawm, por meio da entrevista à Antonio Polito, demonstra a clareza e a lucidez na interpretação dos fatos/acontecimentos históricos, sem deixar de observar o movimento dinâmico dos elementos e fenômenos que encerram o contexto e as contínuas permanências e rupturas ao longo da história, marcando fortemente o compromisso do historiador com a verdade/veracidade.
Recomendadíssimo aos historiadores e/ou pesquisadores que têm a história como uma das suas linhas diretivas, bem como para o público em geral.