Julia 13/03/2024Não gostei mas quero ler de novoGosto de ler os livros preferidos dos meus autores preferidos. Quase sempre me decepciono, por alguma razão. Graham Greene é citado em várias obras da Chimamanda Ngozi Adichie.
Pensava ser um livro sobre ciúme. Li "Felicidade Conjugal", de Tahar Ben Jelloun, pouco antes de casar, achando que os problemas dos personagens seriam mais sutis e me horrorizei com a visão pessimista sobre o casamento. Estava com esse livro na cabeça quando fiz uma visita ao zoológico com meu namorado, muito amena, e decidi ler esse livro para dar uma olhadela no ciúme no zoológico da literatura.
Resolvi deixar de lado "O Feijão e o Sonho", que além de ter envelhecido mal, não tem uma prosa boa, e abri "The End of the Affair". A primeira coisa que me marcou foi como o livro é bem escrito. Adoro livros que começam com arte e este foi digno de "Lolita, my sin, my soul". Pensei em como era evidente que estava lendo um profissional. Numa época em que se faz tão pouca questão de qualidade, em que a inteligência artificial consegue produzir textos ou traduções passáveis e passável é bom o suficiente para quem paga os profissionais criativos, é maravilhoso ler a criação de um escritor que levou muito tempo para polir aquele texto à perfeição. O ritmo, as palavras, as camadas do texto, a complexidade dos personagens.
Gostei bastante da história até a parte em que se descobre por que a Sarah deixou Bendrix. Mas, não sei se por estar esperando outro enfoque da história, me pareceu que mudou da água para o vinho do nada. Vi algumas resenhas dizendo que o livro não faz proselitismo cristão, mas essa foi a impressão que me causou. Talvez eu tenha sido influenciada por saber que Graham Greene é um inglês católico e o cristianismo é um tema importante em vários de seus romances, então estava predisposta a enxergar isso. Achei também que foi uma mudança muito brusca na personalidade da Sarah, que parecia egoísta e até muito escrota, porém humana. Não sei se estou ficando preconceituosa, e Deus me perdoe se estiver falando uma blasfêmia contra o Graham Greene, mas achei clichê o personagem da mulher que ama para sempre, que é pura e abnegada e vai manter uma fidelidade sexual inexistente durante o próprio caso até depois do fim desse. A cena da porta é muito forte, mas a ideia da promessa me pareceu meio forçada, e é uma visão da fé que eu acho péssima, uma visão da fé muito ligada ao dogma e foi por isso que eu não consegui gostar de "O Silêncio", de Shusaku Endo.
Esse é um livro denso, profundo, para ser lido com calma, e eu li em um só dia e durante o trabalho, no meio do barulho, enquanto tocava mais de 60 vezes o mesmo vídeo e dava a mesma introdução para os clientes na entrada da exposição. Fiquei com aquela sensação de "não gostei, mas quero ler de novo". Senti o mesmo quando li alguns dos meus livros preferidos, "Cem Anos de Solidão", "O Grande Gatsby", "Longe desse Insensato Mundo". Talvez no futuro, em outras condições e com outras expectativas, eu acabe gostando. Todas as cenas do livro são bonitas, o clima chuvoso inglês é muito bem retratado. Dá certa vergonha, mas li o livro dezembro e só estou escrevendo a resenha agora depois de ter reconhecido as referências num episódio de Gossip Girl. Vou ver o filme esse ano, e quem sabe assim acabo relendo o livro em seguida.