Renata CCS 13/02/2015 Transbordância de palavras-
Miudádivas, pensatempos (Para Manoel de Barros, meu ensinador de ignorâncias)
“Escuto, depois a enchente.
Longe, a água desobedece a paisagens.
O rio toma banho de troncos,
raízes da água se soltam.
Sigo de catarata, luz encharcada.
E peço desculpa á margem:
desconhecia as unhas de minha transbordância.
Meu sonho está cega para razões.
Sei só escrever palavras que não há.”
Conseguir retratar beleza em poucas linhas é a essência, a alma de uma obra de arte. Ao longo da minha leitura de CONTOS DO NASCER DA TERRA, uma série de ideias surgiu para tentar falar sobre a essência deste livro, mas foi lendo a contracapa que finalmente encontrei a melhor maneira de descrever os contos de Mia Couto que nem mesmo em um momento mais poético, mais íntimo e de elevação espiritual conseguiria equiparar: "Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto por outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. Só o luar revela o lado feminino dos seres. Só a lua revela intimidade da nossa morada terrestre. Necessitamos não do nascer do sol. Carecemos do nascer da terra".
São trinta e cinco histórias que falam de pessoas simples e apaixonantes, de suas raízes, da sua ligação com a terra, que despertam sorrisos e que apaixonam quem lê. Um livro para ir lendo devagar, pois as palavras nos deliciam. É preciso ir degustando cada conto, cada história, sem pressa.
“- Só eu tenho medo é do tempo...
- Que tem o tempo?
- É que o tempo namora com ele próprio. Só finge que gosta de nós...”
(A última chuva do prisioneiro – pg.26)
“Na vida tudo chega de súbito. O resto, o que desperta tranqüilo, é aquilo que, sem darmos conta, já tinha acontecido. Uns deixam a acontecência emergir, sem medo. Esses são os vivos. Os outros se vão adiando. Sorte a destes últimos se vão a tempo de ressuscitar antes de morrerem.”
(A filha da solidão – pg.47)
“Eu quero a paz de pertencer a um só lugar, a tranqüilidade de não dividir memórias. Ser todo de uma vida. E assim ter a certeza que morro de uma só única vez.”
(Falas do velho tuga – pg.112)
E se isso não basta, tem muito mais no lugar de onde esses vieram!