spoiler visualizarRafaella.Grenfell 13/12/2020
Doenças infecciosas ao longo do tempo
Historicamente as infecções demonstraram seu poder devastador, matando mais pessoas que as guerras. Existem relatos desde 5 a.C. de doenças que matam milhares de pessoas. Na Bíblia temos as pragas do Egito. Na Idade Média surtos de peste bubônica. Houve também o intercâmbio de doenças entre o Novo e Velho mundo como a sífilis, varíola e gripe. A Revolução Industrial trouxe não apenas o desenvolvimento, mas também doenças como a cólera. Nesta época ainda não se conhecia a causa de transmissão de diversas doenças, os trabalhos de Louis Pasteur e outros permitiram à identificação dos germes, à preparação de soros e vacinas e posteriormente à descoberta dos antibióticos. A Globalização também ocorreu com os agentes infecciosos.
Os povos antigos acreditavam que as infecções eram oriundas de suas divindades como bençãos (exércitos inimigos sendo dizimados por infecções antes de atacarem cidades) ou como castigos. Com o surgimento da filosofia e do pensamento científico deu-se início ao processo de compreensão de como as infecções eram transmitidas, Hipócrates já postulava que não devia-se residir em locais alagados ou pantanosos, que condições climáticas favorecem as doenças, como vento e frio, utilizando o termo ?Epidemia? para comparar as doenças de aparecimento súbito na população, mas que após determinado período sumiam. O trânsito de mercadorias, animais e pessoas permitiu que patógenos fossem transportados para locais diversos e que contaminassem mais pessoas. As condições de aglomeração de pessoas em espaços pequenos, com pouca ventilação e sem condições de higiene, proporcionavam as condições ideais para o surgimento de epidemias e até pandemias.
Na Idade Média, a estrutura dos feudos eram autossuficientes e proporcionavam um certo isolamento, dificultando a transmissão de doenças. A Igreja era responsável pela manutenção e curadoria do conhecimento, inclusive dos tratados médicos. Para cumprir suas atribuições, foram construídas edificações anexas aos mosteiros, os nosocomium, espécie de albergue para pessoas doentes que careciam de cuidados, que não abrigavam apenas os doentes como também eram depósitos valiosos de manuscritos clássicos, originais e cópias e além de possuir ensino médico. As cruzadas incentivaram as pessoas a se reunirem em cidades novamente, formando grandes aglomerados de pessoas sem estrutura e higiene permitindo, novamente, a disseminação de patógenos e novas epidemias.
Há relatos que os tártaros atacaram a então cidade de Kaffa, sede comercial dos genoveses, que montaram um cerco enclausurando os genoveses. Um surto de peste bubônica se disseminou entre os tártaros, dizimando seus exércitos. Para espalhar a doença entre os genoveses, os tártaros lançavam os mortos por catapultas sobre os muros da cidade, sendo um dos primeiros registros de tentativa de guerra biológica da história. Diversas epidemias de peste bubônica ocorreram na Europa por aproximadamente quatro séculos.
Outra epidemia que dizimou grande parte da Europa foi o Tifo, que estava sempre presente em conflitos e guerras que eram frequentes devido aos conflitos religiosos e de expansão das monarquias na época da Reforma. O Tifo se alastrava pelos acampamentos militares e nas cidades que recebiam imigrantes e refugiados da guerra.
As guerras trouxeram a necessidade de expandir os territórios em busca de suprimentos e riquezas, surgindo as expedições marítimas, que em suas naus também transportavam agentes infecciosos. Com as distancias maiores a alimentação da tripulação era problemática, onde além de vinho e biscoito também era transportados animais vivos para serem abatidos ao longo das expedições. Esse hábito favorecia a proliferação de ratos e baratas que disputavam os alimentos que se deterioravam (biscoitos embolorados e água com bactérias). Muitos tripulantes faleciam devido a infecções.
Com a descoberta do novo mundo foi viabilizada a transferência não apenas de animais e plantas entre os continentes, mas também de patógenos. A sífilis foi enviada da América para a Europa e em troca a Europa enviou, varíola, peste, sarampo, tifo e gripe. Essa troca foi evidenciada em relatos espanhóis e por escavações arqueológicas. Rapidamente foi feita a ligação entre a transmissão da sífilis e os prostíbulos, gerando uma caçada às prostitutas, que foi reforçada pelos dogmas religiosos da época. Diversas cidades desenvolveram medidas para controlar a disseminação da sífilis, como a expulsão dos doentes, criação de hospitais especializados para tratamento.
A colonização da América não foi menos turbulenta. Com a chega dos espanhóis houve uma grande disseminação de gripe. Com a chegada de mais navios para colonização mais patógenos eram transportados, mais morte ocorriam e em 1503 foi fundado o primeiro hospital na América. Os espanhóis tiveram o auxílio de diversos agentes infecciosos na dizimação dos povos locais, como a varíola, o sarampo e gripe. Acredita-se que cerca de 90% dos habitantes locais da América foram mortos pela colonização espanhola.
No Brasil, os aldeamentos indígenas eram frequentemente assolados por infecções oriundas dos europeus que aportavam no litoral. Há relatos de sintomas de doenças como a coqueluche, varíola e gripe. Com o envio de mais colonizadores para o Brasil mais agentes infecciosos aportavam na costa (peste, rubéola, sarampo e varicela). Com a disseminação de doenças e a perseguição, a mão-de-obra indígena foi drasticamente reduzida e então substituída pela mão-de-obra escrava africana, que propiciou a exportação da febre amarela e da malária da África subsaariana para a América.
Por mais de um século as mulheres, principalmente idosas e solteiras, chamadas de bruxas, foram perseguidas pelas mais variadas justificativas, como colheita ruim, fome e surgimento de uma nova epidemia. Numa época de superpopulação e preços altos, uma safra ruim significava população desnutrida e propiciava mais uma epidemia, neste contexto era comum que se buscasse um ou mais responsáveis pela catástrofe, iniciando assim a perseguição. Os mais pobres acabavam por se alimentarem de aveia e centeio nos invernos, o que desconheciam era a presença de fungo que contaminava o centeio, essa infecção pode ser apresentada como uma infecção das artérias causando lesões inflamatórias nas extremidades ou uma inflamação do sistema nervoso central provocando convulsões, alucinações e delírios provocados por um alcaloide a base de LSD.
A descoberta do microscópio, no século XVII, possibilitou um grande número de avanços entre eles a identificação de microrganismo apesar de nessa época ainda não estarem relacionados com as infecções. O primeiro relato foi de Leeuwenhoek descrevendo pequenos seres que se moviam em sua análise de uma gota d?água, publicado pela Royal Society.
Chineses retiravam crostas das lesões de varíola, reduziam-nas a pó e assopravam nas narinas das crianças, para que estas ficassem protegidas. Outra técnica era a introdução de uma agulha em ferida pustulenta e sua posterior incisão de pequenos arranhões nos braços, com a formação de lesões e cicatrização. Com as frequentes epidemias de varíolas em diversas partes do mundo, essas formas de controle da doença começaram a proliferar, se tornando cada vez mais comum e até ocorrendo de forma sistemática, mas ainda assim poderiam causar surtos de varíola. Em regiões leiteiras diversas mulheres que desenvolviam uma doença conhecida como cowpox não pegavam varíola. O Dr. Jenner em surtos de cowpox acabou inoculando crianças com as secreções das pústulas dessas mulheres e após 7 semanas inoculava varíola. Essas crianças não desenvolviam a varíola. Dr. Jenner publicou um livro descrevendo suas descobertas e utilizou um termo latino ?vaccina? para descrever o fenômeno. Aos poucos o método foi sendo reconhecido graças aos seus resultados.
As tropas de Napoleão sofreram muito com o tifo, chegando a ser reduzida a aproximadamente 1/6 do seu tamanho inicial. Os soldados que retornavam para suas cidades de origem eram portadores do tifo e iniciavam pequenas epidemias por onde passavam.
Com a revolução industrial as cidades passaram a ter grandes aglomerações de pessoas oriundas do campo em busca de empregos nas fábricas. Os trabalhadores eram explorados, trabalham muitas horas, recebiam baixos salários e moravam em condições insalubre. Tudo isso permitiu que a tuberculose de propagasse facilmente. Principalmente as crianças eram acometidas pela escarlatina e difteria. As infestações de piolhos propagavam o tifo. O grande contato que os moradores dos cortiços tinham com material fecal exposto nas ruas e tinas de urinol permitiu a disseminação de diarreias, como E. coli, Shigella e Salmonella thipy.
A evolução rápida dos casos de cólera era solucionados, normalmente, durante o percurso da viagem. A industrialização permitiu que os deslocamentos fossem mais rápidos e que infecções, como a cólera, fossem disseminadas para localidades distantes. Nesta época a teoria dos miasmas foi ressurgida para explicar a relação entre ambientes insalubres e as infecções, a partir daí iniciou-se a limpeza das ruas, criação de sistemas de esgotas e o fornecimento de água potável para toda a população, reduzindo as infecções.
A teoria do contágio de pessoa a pessoa ou por contato com utensílios contaminados começava a ser construída e alguns estudos surgiram com a hipótese de agentes vivos causares essas doenças. No século XIX, através da observação clínica de pacientes internadas pós-parto foi possível desvendar o mecanismo de transmissão de infecção bacteriana hospitalar, que ocorria de paciente para paciente pela falta de higiene dos estudantes de medicina ao examinarem-nas.
Em 1858, com a tarefa de descobrir o porquê ocorriam fermentações que não davam certo em certa cervejaria, Louis Pasteur, através de observações ao microscópio percebeu que as leveduras possuíam forma arredondada na fermentação bem-sucedida e alongada na má sucedida além da formação de ácido láctico. Não apenas elucidou a função das leveduras como também a ocorrência da contaminação das tinas pela levedura láctica, que deveria ocorrer pelo ar através de microrganismos suspensos.
Ao analisar ao microscópio manteiga rançosa, Pasteur viu organismos móveis. Ao observar gotículas de água percebeu que as bactérias próximas a borda ficavam inertes e as do centro se movimentavam, deduzindo que a presença de oxigênio poderia neutralizar sua ação, surgindo o termo ?microrganismos anaeróbios?. Com isso uma nova era se iniciava: a era bacteriológica.
As condições sanitárias nos hospitais eram aterradoras, as cirurgias ocorriam em teatros rodeadas de plateia, os aventais cirúrgicos eram escuros e sujos por sangue e pus, comumente os necrotérios eram próximos a esses ambientes e dessa forma sendo muito comum as cirurgias infeccionarem e o paciente vir a óbito. Um ortopedista percebeu que os casos de fratura exposta, normalmente infeccionam e evoluíam para gangrena, perda do membro e até para sepse e morte, e começou a suspeitar que a causa dessa evolução estava no ar. Após ter contato com o trabalho de Pasteur, ele decidiu lavar uma fratura exposta e fazer curativos embebidos em ácido fênico. O paciente não teve infecção até a cura. Adotou essa prática como rotina e a aplicou em uma cirurgia de reparação de fratura mal consolidada, publicando seus resultados na revista The Lancet, uma das revistas médicas mais conceituadas.
As guerras favoreceram o estabelecimento da obrigatoriedade da vacinação de crianças contra a varíola e a elucidação de mecanismos de infecção de feridas cirúrgicas. Koch introduziu a técnica de coloração de microrganismos, desenvolveu o método de fotografia microscópica e o exame com lente de imersão. No final do século XIX já se conhecia os agentes causadores do anthrax, febre tifoide, lepra, malária, tuberculose, cólera, difteria, tétano, pneumonia, gonorreia e outros.
No começo do século XX, Fleming percebeu que algumas de suas culturas foram contaminadas pelo fungo Penicillium notatum que impediu o crescimento das bactérias ao qual estava trabalhando, deduzindo que esse fungo produzia uma substância capaz de matar ou impedir o crescimento dessas bactérias. Ele chamou essa substância de Penicilina. O próprio Fleming iniciou o uso da penicilina no tratamento de infecções, porém com uso tópico. Seus resultados foram publicados em 1929.
Durante a segunda guerra uma nova epidemia de tifo surge principalmente nos campos de concentração, americanos sintetizaram uma droga eficaz contra os piolhos, o dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), que era pulverizada nas roupas e utensílios das tropas.
Ao longo do tempo vimos as infecções dizimarem grande parte da população, mas também vimos elas se adaptarem, reduzindo sua virulência e mortalidade para perpetuar sua espécie mantendo o hospedeiro vivo, ou ganhando resistência quanto as formas de combate desenvolvidas e utilizadas pelos homens. A gripe aviária é um exemplo de adaptação, onde o vírus que infecta as aves não é capaz de infectar humanos. Após uma mutação foi capaz de infectar suínos e novamente infectar aves, porém com a capacidade de infectar humanos.
O crescimento populacional desordenado, baixos investimentos em saneamento básico, controle ineficaz de agentes transmissores entre outros fatores explicam a recorrência de epidemias urbanas como a dengue.
O grande trânsito de pessoas, o acesso a locais remotos, condições de aglomerações, falta de higiene, fome e desnutrição são algumas das condições que permitem o aparecimento e o ressurgimento de epidemias. A história das pandemias de peste mostra que ocorreram juntamente com a evolução e desenvolvimento do transporte e comércio mundiais, chegando à globalização. A pouco tempo o mundo entrou em pânico por um surto de ebola ocorrido na África, principalmente pela rápida transferência do vírus pelo tráfego aéreo e sua disseminação pelo contanto com líquidos e secreções dos doentes.