Átila 13/07/2013
A viagem literária na vida cinematográfica de Jack Kerouac
A vida de Jack Kerouac, um dos autores mais significativos da Geração Beat, se construiu numa tortuosa e aventureira estrada.
É difícil defini-lo em poucas palavras, pode-se dizer que ele foi um escritor vulcânico em constante contradição e confusão. Vida e obra se misturaram num temor altamente autobiográfico.
“On the Road” é um dos seus livros de maior destaque. Chegou a ir para as telonas pelas mãos do brasileiro Walter Salles. “Na estrada” levou anos para que o roteiro caísse nas garras de um diretor talentoso.
No entanto, uma coisa é tentar entender “On the Road”. Outra é desvendar seu criador. Inúmeros intelectuais já se debruçaram em ambos.
Mesmo assim, um trabalho merece atenção. Barry Miles escreveu uma das biografias mais instigantes sobre o escritor Jack Kerouac.
“Jack Kerouac - King of the beats” é um exemplar obrigatório, quase uma bíblia beatnik, para quem admira esse gênio da literatura.
Kerouac se inspirou em si próprio e no seu círculo de inúmeros amigos para discorrer sobre algo aparentemente simples: a vida como ela é. Por outro lado, Jack não foi uma pessoa fácil de conviver e tão pouco de entender.
A biografia consegue dar a dimensão da trajetória de um escritor reacionário de direita, alcoólatra, anti-hippie, anticomunista, defensor da Guerra do Vietnã, ex-budista, que no final da vida, virou um católico fervoroso.
Dividia espaço nesse caldeirão, um homem marinheiro e de serviços braçais, além de tudo homossexual, libertino e precursor do movimento underground. E que acabou virando ícone dos ideais mais progressistas da década de 1960. Confuso?
Quando seus livros foram publicados, vários jovens colocaram literalmente o pé na estrada, com ânsia em desvendar um Estados Unidos em constante mutação.
O discurso pessoal de Jack Keroauc não condizia com sua prática cotidiana. Seu modo de vida criticava o sistema e reconfigurar a tríade sexo, drogas e amor livre. Com certeza, ele abriu caminho para os Beatles, Rolling Stones e Bob Dylan, e toda geração hippie e da contracultura.
Mas ele sequer foi retratado como herói, pois possuía uma genialidade ainda incompreendida. Sua prosa espontânea é didaticamente explicada nesse trabalho por Barry Miles. E suas demais referências literárias também, como Thomas Wolfe, Willian Saraoyan, Céline, Rimbaud e Lautréamont.
A grande qualidade de Barry Miles aqui é não colocar Jack Keroauc num pedestal. Barry é crítico ao extremo com relação ao escritor, tanto nas suas derrapadas literárias, quanto na sua vida pessoal.
Ele discorre profundamente sobre a rejeição de Jack Kerouac contra a própria filha (ao qual Jack assumiu judicialmente a paternidade, mas nunca a considerou como tal). É uma das histórias com o desfecho mais triste e um dos lados mais lamentáveis na personalidade do escritor.
A intimidade também é expurgada, principalmente, sobre a complicada, fundamentalista e indecorosa relação de Jack com a mãe Memere, ao qual se dedicou ferozmente e cegamente, até ele vir a morrer em 1969. Uma mulher que manipulava o escritor de forma insana.
Jack também teve inúmeros casos com homens e mulheres. Barry Miles traça um perfil psicológico, em que havia uma homossexualidade reprimida, apesar do comportamento sexual intenso misturado a um pudor mítico (só na cabeça dele).
Seus casos com os amigos Allan Ginsberg, Will Burroughs e Neal Cassidy, definitivamente, são peças de um grande quebra-cabeça. A relação com Cassidy, por exemplo, é o mote em “On the Road”, ambos são descritos nos personagens Sal Paradise e Dean Moriaty, respectivamente.
Uma das cartas do próprio Neal define bem esse tipo de relação entre os dois, que chegou a ficar estremecida no final da carreira de Jack: “Sou totalmente seu amigo, seu amante, aquele que o ama e compreende inteiramente sua grandeza - minha mente é assombrada por você”.
Diante de tantos dilemas, a escrita de Barry Miles é deliciosa, não traz uma simples biografia, e sim, quase uma degustação literária quando descreve Jack Keroauc: “Na juventude, ele tinha a beleza francesa de um Alain Delon ou de um Charles Boyer combinada com a ingenuidade americana típica e um ar de inocência confusa de muitos mocinhos de Hollywood, como Gregory Peck ou Robert Mitchum”.
Pelo visto, a vida de Jack Keroauc foi cinema prático, a sétima arte vivida na raça.
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