Paulo Sousa 14/04/2024
Leituras de 2024
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Serena [1959]
Ian McEwan (??1948-)
Cia das Letras, 2012, 384p.
Trad. Caetano W. Galindo
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?Ele era o meu projeto, o leu caso, a minha missão. A arte dele, o meu trabalho e a nossa história eram uma só coisa. Se ele fracassasse, eu fracassava. Simples, então ? nós íamos triunfar juntos? (Posição Kindle 3387/61%).
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Ian McEwan nunca decepciona! Depois de ter lido alguns de seus livros (o último foi ?A filha perdida?), eu só tenho colecionado uma considerável porção de boas páginas, de histórias cativantes, de personagens marcantes e inesquecíveis.
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Serena, que dá nome ao volume, é a típica jovem inglesa, apaixonada por literatura. Filha de pais anglicanos, acaba fazendo um curso de matemática, tendo casos ora esparsos ora mais longos, até ser, por Tony, um desses romances e ele mesmo ex-agente do MI5, ser selecionada para trabalhar no serviço secreto britânico.
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Sua primeira missão real é recrutar um escritor em provável ascensão, morador da Brighton (que todos ansiamos em algum momento da vida conhecer), e cujos contos atraem a atenção de Serena (e eventualmente sua cama também). Ele, Tom, não deve saber de onde vem o dinheiro que financiará o tão esperado romance, sua chef-d'?uvre, masterpiece ou magnum opus, cuja editora é na verdade uma fachada para o controle governamental e a disseminação de contrainformações sobre o que tem sido pensado na Inglaterra dos anos 60, quando o IRA começou a atuar.
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Serena não só leva seu encargo a sério como meio que espera e acaba se envolvendo com Tom, num tórrido romance regado a noitadas nos pubs londrinos e intensas trocas intelectuais: eles leem os jornais, resolvem intricados jogos matemáticos, fazem amor de forma quase ininterrupta, comemoram o avanço do romance de Tom, ao qual Serena ainda não teve acesso. (Mais não conto para não estragar a experiência do novo leitor, que certamente se impressionará com a reviravolta que as páginas trarão em seu final?).
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McEwan é um artesão e artista da palavra. Desde ?Amor sem fim?, o primeiro livro dele que li, há pouco mais de uma década, fui me embriagando literalmente pelo mar de ideias e palavras de seus romances. Sua sensibilidade, uma certa inclinação para o trágico, o tabuleiro em que muitas de suas personagens são postas a andarem são só alguns dos aspectos que encontro facilmente em suas páginas. Serena foi um dos poucos livros que canhestramente avaliei como cinco estrelas. É um romance bonito, inteligente, cheio das conhecidas engrenagens usadas em livros que falam de livros, mas com o toque dele, marca própria que torna tudo escrito bem escrito.
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E é, ainda, um livro bem atual, engajado (aliás como outros romances seus!) Uma mulher que se esperneia no universo da espionagem, dominado em sua maioria por homens. Serena não busca autoafirmação. Ela vai aprendendo a lidar com esse tipo de ambiente e o faz justamente com a delicadeza que virou sua marca própria. Não é uma feminista por assim dizer, embora saiba a hora de dizer não. Mas nela, o que mais encanta, é sua resiliência, a maneira como ela busca se adaptar ao amor. Não exita em se entregar, antes ama com sua inteligência e com sua alma! É, por si só, daquelas personagens que merecem não só um livro, mas uma série inteira, tamanha a complexidade com a qual foi concebida. É um livro excelente, que por si, já salvou meu 2024. Se vale? Oh, se vale!