Rodrigo1001 07/12/2019
Se a Colômbia tem Macondo, o Brasil tem Tocaia Grande! (Sem Spoilers)
Quando perguntaram a Jorge Amado a razão de se demorar tanto na criação deste livro, o escritor esclareceu "É que desta vez não estou só escrevendo um romance; estou construindo uma cidade".
E que cidade!!!
Criada na virada do século, Tocaia Grande está repleta de pistoleiros, fugitivos, clavinoteiros, alugados, jagunços, capitães, prostitutas e diversos outros personagens que contam a história da Bahia em uma época em que a lei era feita na ponta da faca, no cano das garruchas, mostrando o violento nascimento das oligarquias agrícolas do sertão.
Já de cara, vou dizer que foi um prazer IMENSO ler Tocaia Grande. Os personagens, com suas inúmeras facetas, são construídos de forma primorosa em suas qualidades e defeitos, criando empatia imediata com o leitor e deixando imensas saudades ao virar da última página. Terminei este livro há 3 dias e ainda me pego pensando em quatro personagens, em especial, que me cativaram durante todas as suas mais de 500 páginas. E isso, caros amigos, é uma baita qualidade em um escritor.
No livro, Jorge Amado volta às preocupações sociais de seus primeiros romances e os trata com grande profundidade e riqueza; frutos de sua longa e profícua carreira. Dando voz aos excluídos e destacando a realidade dura dos pobres que coexistem em harmonia empobrecida, o livro é uma saga que conta a história de Tocaia Grande desde pequeno arruado, passando por lugarejo, localidade e, então, cidade. É a tupinicalidade da Macondo de García Márquez!
E é um colosso reparar a energia dispendida por Amado em criar não só uma cidade, mas todos os personagens que nela habitam, todo o comércio, toda a atmosfera, e, ainda por cima, desenvolver sobre essa construção inúmeras outras, que são as muitas e muitas situações enfrentadas pelos moradores.
Por Tocaia Grande passam todos os tipos de pessoas, de ciganos à padres, de prostitutas à damas, de imigrantes à sertanejos, de barões à vagabundos. Como não podia faltar, há aquele delicioso toque de misticismo que só Jorge Amado consegue impingir nos livros. A escrita, celebrada mundialmente nas traduções de seus livros, é fluída e extremamente brasileira. Desde que tive meu primeiro contato com a escrita do autor, a propósito, minha sede por seus livros só aumentou.
Sua descrição de dois missionários itinerantes é inesquecível, assim como é inesquecível todo o capítulo que trata de uma leva de ciganos que chega a Tocaia Grande. Muito do talento de Amado está em sua capacidade de levar o leitor do suspense à comédia, da fúria ao sossego e do riso às lágrimas em poucas páginas. Essa é a toada do livro: Tocaia Grande causa uma miríade de sentimentos que se chocam e se complementam.
Particularmente, eu desejei que esse livro nunca terminasse.
Mas, termina. E termina bem. Depois de mostrar toda a face obscura do ser humano e personificá-la não só em seus personagens, mas também na cidade em si, a parte luminosa da história fica para a imaginação do leitor.
Enfim, não é à toa que em seu obituário, o New York Times se referiu a Jorge Amado como o "Pelé da Literatura".
Um dos melhores livros do ano.
Leva 5 de 5 estrelas.
Passagem Interessante:
“Assunto mais traiçoeiro do que a política só mesmo a justiça. Por isso andam sempre juntas, de mãos dadas” (pg. 120)