A Ditadura Derrotada

A Ditadura Derrotada Elio Gaspari




Resenhas - A Ditadura Derrotada


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Antonio Luiz 25/03/2010

A conexão Mussolini
Neste terceiro tomo de sua epopéia, Gaspari apresenta as biografias do general Ernesto Geisel e do coronel Golbery do Couto e Silva e retoma a narrativa do regime militar desde a indicação pelo general Emílio Garrastazu Médici de Geisel como seu sucessor (já em janeiro de 1971, a se acreditar no general João Figueiredo) até o fiasco acachapante do partido da ditadura, a Arena (hoje PP) nas eleições de novembro de 1974, que dá o título a este volume, "A Ditadura Derrotada".

Continuam as revelações oriundas do acesso privilegiado do autor aos bastidores da ditadura, principalmente às centenas gravações e milhares de anotações feitas por Heitor de Aquino Ferreira secretário de Geisel. E, desta vez, Gaspari fez mais para situá-las em seu contexto.

Dos 28 capítulos, dois são essencialmente econômicos: “A Grande Encrenca”, expõe o primeiro choque do petróleo e suas conseqüências imediatas. “O Pé no Acelerador” explica a opção do governo Geisel – que mais tarde se mostraria desastrosa – por endividar o país para tentar preservar o crescimento acelerado.

Sem alarde, Gaspari fez uma interessante emenda em sua visão da história. Nos dois primeiros volumes, explicou os fatos quase exclusivamente a partir de decisões e indecisões idiossincráticas de atores privilegiados, quase todos militares. Agora reconhece causas mais abrangentes do que a vontade pessoal dos protagonistas da obra, o Sacerdote (o ex-ditador Ernesto Geisel) e o Feiticeiro (seu chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva).

Cita o cientista político espanhol Juan Linz, que pouco sabia de fuxicos político-militares e jamais pisara no Brasil, mas já em 1971 avisava os navegantes de que, sem o respaldo do carisma de um caudilho nem da articulação ativa de uma elite conservadora, a ditadura brasileira não tinha outra legitimidade além da proporcionada por seu sucesso econômico. Só se sustentaria enquanto a economia fosse bem.

“O fim do ‘Brasil Grande’ seria o fim do regime”, conclui Gaspari. Uma análise convencional, mas mais razoável do que a apresentada no início de A Ditadura Envergonhada, na qual adiantou ao leitor o motivo demasiado simples pelo qual Geisel e Golbery teriam desmontado a ditadura: “era uma grande bagunça”.

Empresários e economistas, conseqüentemente, ficam menos escondidos nas sombras – a ponto de certas passagens deixarem a impressão de que Médici (no qual Gaspari gruda, como em Jango e Costa e Silva, o dístico “Ai! Que preguiça!”) foi mero testa-de-ferro do ministro da Fazenda, Delfim Netto, recebido pelo presidente norte-americano Richard Nixon como virtual chefe de Estado.

Quanto à sucessão, porém, o Gordo não prevaleceu sobre o general Orlando, ministro do Exército e irmão de Ernesto. Segundo Gaspari, Delfim queria Leitão de Abreu como presidente (ou a prorrogação de Médici) e a si próprio para governador de São Paulo em 1974, cargo no qual se prepararia para chegar à Presidência em 1979.

Médici – disse Figueiredo a Geisel – cogitava de Abreu em “uma situação de perfeita calma”, mas para um país “com problemas” preferia o Ernesto (que como presidente da Petrobrás era meio empresário, meio general da reserva) e para um país “conflagrado” o general Adalberto Pereira dos Santos (que acabou por ser o vice de Geisel).

Se a hora da verdade da disputa de Geisel com Frota deu o tom à introdução da obra de Gaspari, o confronto decisivo deste volume é com Delfim. O grupo pró-Geisel mentiu ao general Médici, garantindo-lhe que Golbery (que o ditador desprezava por dirigir uma transnacional, a Dow, depois de ter chefiado o SNI) não tinha mais relações com Geisel e desarticulou um incipiente movimento continuísta, do qual participavam Laudo Natel, Mário Andreazza e os empreiteiros que controlavam o jornal Correio da Manhã.

A “Grande Encrenca” de 1973 azedou ainda mais as relações de Geisel com Delfim. Na ânsia de proteger imagem e ambições políticas, o ministro da Fazenda – que vários protagonistas do livro, incluindo Mário Andreazza, Figueiredo e Geisel, também acusavam, sem provas, de corrupção – impôs controles artificiais de preços à Petrobrás de Geisel e manipulou índices de preços para fechar em 15,5% a inflação de 1973 (que quatro anos depois a própria FGV corrigiu, retroativamente, para 20,5%).

No primeiro ano de Geisel como presidente, a inflação represada explodiu como bomba-relógio: saltou para mais de 35% e contribuiu decisivamente para a derrota eleitoral do governo que arruinou o programa da abertura “lenta, gradual e segura” tal como maquinado por Golbery. Mas Geisel e Golbery tiveram sua desforra. A conselho do senador Petrônio Portella, a escolha dos governadores foi transferida da convenção da Arena para o diretório estadual e Delfim foi vetado.

Sem conseguir de Médici o apoio esperado, o ex-czar da economia meteu a viola no saco e foi passear no exterior. Em junho de 1974, ao regressar a Brasília, foi apanhado na pista do aeroporto, levado à granja de Golbery e “convencido” a aceitar a embaixada em Paris. O tratamento que a América Latina costuma reservar a caudilhos que aceitam pacificamente sua deposição.

Uma das prioridades de Geisel foi evitar o surgimento de outro Gordo: reforçou o poder do ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, ao transferir os recursos do Pis-Pasep do Banco do Brasil e da CEF para o atual BNDES e diminuiu o do ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen – que Eugênio Gudin quase inviabilizou com seus elogios.

Apesar de ter trabalhado com Castelo Branco, Geisel, que nascera em um Brasil que importava até manteiga e orgulhava-se de ter colaborado para sua industrialização, abominava o neoliberalismo cosmopolita de Gudin e Roberto Campos. Exemplificou para Gaspari: “se o Victor Civita dissesse ao Roberto Campos que pretendia publicar uma revista como a Veja, ele tentaria dissuadi-lo, dizendo-lhe que era muito mais fácil traduzir a revista Time”.

Não há como duvidar da sinceridade desse exemplo de nacionalismo, pois na primeira metade do mandato de Geisel, essa revista semanal continuou a ser uma pedra no seu coturno. Dispensada da censura prévia no início do seu governo, publicou uma charge de Millôr que aludia à tortura e foi submetida pelo “ministro da Justiça” Armando Falcão a um controle ainda mais feroz – até meados de 1976, quando a editora forçou o diretor Mino Carta, que a havia fundado, a se demitir.

Nesse contexto, Geisel também mostrou vestígios (no mínimo) de anti-semitismo: disse a Heitor Ferreira e Moraes Rego (seu chefe de gabinete) que Gudin era “um judeu sem-vergonha”. Não fica claro se o Alemão foi tão filonazista quanto seu admirado comandante e mentor, general Álcio Souto, que levava os cadetes para ver filmes de propaganda nazista patrocinados pela embaixada alemã e lhe ordenou tomar o palácio de Getúlio em 1945. Geisel disse a Gaspari ter sido admirador de Mussolini – mas também que ficou sentido por ter sido impedido de participar da FEB, na qual outros descendentes de alemães foram aceitos.

A propósito: na biografia de Geisel, Gaspari conta que o Estado Novo hesitou entre o Eixo e os Aliados por dois anos. Os generais Dutra, ministro da Guerra e Goes Monteiro, chefe do Estado-Maior, pendiam para a Alemanha. O segundo estava para embarcar (com o capitão Geisel na comitiva) para apreciar in loco “a obra gigantesca, de reconstrução nacional” de Hitler, quando este invadiu a Polônia.

Já na biografia de Golbery o autor compra a versão do futuro estrategista da ditadura, segundo a qual trabalhou, desde 1939, para um Conselho de Segurança Nacional que já então planejava entrar na guerra ao lado dos Aliados. Essa aparente contradição fica por esclarecer.

Não é a única ocasião em que Gaspari adere à visão dos protagonistas. Volta a insistir na tese de 1964 como “contragolpe”, que justifica as ilegalidades e as violências reais perpetradas pelos generais (ao menos nos primeiros tempos da ditadura) com as arbitrariedades supostas que Jango e Brizola estariam dispostos a praticar.

O mesmo autor ironiza a ação do general Teixeira Lott, em novembro de 1955, como “o mais latino-americano dos golpes brasileiros”. Refresquemos a memória: depois que Juscelino Kubitschek venceu as eleições, o coronel Bizarria Mamede – aplaudido por Carlos Luz, presidente da Câmara – discursou contra a entrega da presidência a JK.

Lott, ministro da Guerra, exigiu a punição do coronel ao presidente Café Filho (vice de Getúlio, que havia se suicidado). Mas o presidente se internou em um hospital e entregou o governo a Carlos Luz, que recusou-se a punir Mamede.

Três dias depois, Carlos Lacerda anunciou o golpe: "é preciso que fique claro, muito claro, que o presidente da Câmara não assumiu o governo da República para preparar a posse dos srs. Juscelino Kubitschek e João Goulart. Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse e não tomarão posse."

Lott mobilizou as tropas do Rio, depôs Luz, empossou o presidente do Senado, Nereu Ramos e garantiu a posse de Kubitschek. Convenhamos: se a maioria dos golpes latino-americanos tivesse servido para garantir o resultado de uma eleição livre sem derramar sangue, este continente seria bem mais feliz.

Os golpes militares que haviam se apossado da maior parte da América Latina no início do governo Geisel – três dos quais, os da Bolívia, Uruguai e Chile, tiveram apoio logístico e militar da ditadura brasileira, conforme Gaspari documenta –foram infinitamente mais despóticos e sangrentos.

O próprio Sacerdote não ficava atrás. Gaspari já o havia mostrado como adepto da tortura (“necessária, para obter confissões”) no primeiro volume. E do Esquadrão da Morte (“conseqüência dessa esculhambação toda”) no segundo.

Neste terceiro, continua a revelá-lo como expoente da linha dura, capaz de armar um barraco no Supremo Tribunal Militar, em 1967, com o general legalista Pery Bevilacqua (depois cassado), por divergir sobre o habeas corpus de um livreiro.

E como defensor do extermínio sistemático de presos políticos. “Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser...” disse ao general Dale Coutinho, ao convidá-lo para o Ministério do Exército. “Tem que nessa hora agir com muita inteligência, para não ficar vestígio nessa coisa”, comentou sobre o assunto a seu chefe de segurança, tenente-coronel Arnoldi Pedrozo.

Era o início do primeiro ano do governo Geisel. Nesse 1974, o extermínio de presos chegou ao auge com o início da caça às lideranças do PCB, contrárias à guerrilha e deixadas, até então, em relativa paz. Com a Revolução dos Cravos e a rápida rearticulação do supostamente desbaratado comunismo português, a paranóia dos porões do regime saltou para um novo patamar.

E a derrota eleitoral de novembro a ampliou ainda mais. Dias depois, foi presa e espancada no DOI carioca a economista Maria da Conceição Tavares, respeitada professora da FGV e assistente de Gouvêa de Bulhões, ministro da Fazenda do general Castello Branco. A filha de Conceição pôde avisar o ministro da Indústria e Comércio, Severo Gomes, que acionou Golbery. Mas o I Exército mentiu: disse-lhe que não havia nenhuma presa com esse nome.

Como havia mais testemunhas, Golbery foi a Geisel que, desta vez, irritou-se com a evidência de articulação contra a sua autoridade, à qual se somava um documento em que o Gabinete Militar se mostrava insatisfeito com o reconhecimento pelo presidente dos resultados eleitorais. O volume termina com o ditador a descobrir o quanto a autonomia dos órgãos de segurança já ameaçava seus planos e seu poder.

Carlos Eduardo Nascimento 09/05/2019minha estante
Nossa, você escreve bem pra caramba!




Wagner 06/09/2021

Leiam leiam leiam. Aos que querem fechamento do congresso
Leiam, leiam leiam!!!! Aos que querem fechamento do Congresso, do STF, volta do AI5. Leitura indispensável.
comprido 13/12/2021minha estante
boa resenha




Márcia Regina 30/08/2009

"A ditadura derrotada", de Elio Gaspari

Terceiro volume da série (os dois primeiros são "A ditadura envergonhada" e "A ditadura escancarada" e o quarto é "A ditadura encurralada"), retrata o governo Geisel e a influência de Golbery na década de 1970.

À medida que lia me dei conta de que esses fatos são minhas primeiras recordações em termos de percepção do mundo além dos limites da minha casa e da minha família. Convivi com essa história, ainda que não de forma participativa.
Por isso, ver o Golbery sendo tratado como um gênio (até aí, tranquilo, o cara era inteligente mesmo) e valoroso defensor (ai, ai) das idéias democráticas, não é fácil de engolir, não!

Partes que me interessaram de forma especial:
a) aspectos relacionados à Petrobrás (Geisel foi presidente da Petrobrás e a construção e momentos da empresa, principalmente a crise do petróleo, aparecem bastante no livro);
b) a participação do Brasil na formação e manutenção de outras ditaduras latino-americanas (tenho alguma noção da nossa ditadura, mas conheço pouco sobre a colaboração efetiva do Brasil com as demais ditaduras da América, não apenas em nosso território, mas no deles – tanques, armas, instrutores e atuação policial conjunta).
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Le 01/04/2013

Apesar de eu não ter presenciado esse período, o livro me deu uma boa noção de como funcionava o sistema militar da época. Sou conterrâneo de Geisel, porém, pouco sei sobre sua vida, já que as escolas daqui (Bento Gonçalves - RS) parecem não ter interesse em abordar tal assunto. Só para constar, a casa aonde viveu Geisel e sua família continua intacta no centro da cidade.
Mas enfim, o livro retrata um pouco de seu comportamento e da relação que mantinha com Golbery, trazendo a forma linha dura que tinha ao lidar com as situações que não fossem do interesse do Governo. Contudo, o livro não abre as portas dos porões da Ditadura Militar.
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Tauan 15/10/2015

Junto com Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel, Gaspari nos leva a um tour sobre o que foi a ditadura militar brasileira.
Aos que, como eu, não vivenciaram esse período conturbado, o autor oferece um rico panorama da realidade brasileira nas décadas de 1960, 1970 e 1980; e como tudo isso influenciou o Brasil que temos hoje.
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Volnei 11/01/2016

A ditadura derrotada
A ditadura derrotada é o terceiro volume da coleção deste autor e trata do período em que estava no poder o então General Ernesto Geisel . No inicio, Gaspari mostra quem foi Ernesto Geisel, sua história, e sua trajetória militar.Outra pessoa também se destaca neste período ao lado do general e que o auxiliou em muitos momentos. Este homem foi Golbery do Couto e Silva a quem podemos responsabilizar pela baderna da atual política nacional a partir da criação da figura de um sindicalista que chega ao poder e toma as piores decisões que um individuo poderia tomar estando no poder.

site: https://twitter.com/volneicampos http://toninhofotografopedagogo.blogspot.com.br/
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João Luiz 03/09/2018

No terceiro volume, Elio Gaspari revela a biografia de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Retrata também, o fim do governo Medici e os preparativos de Geisel para assumir a presidência. Oferece um rico panorama deste momento no Brasil.
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Edmar.Candeia 24/12/2018

Repensando.....
Li há muito tempo. Hoje organizando meus livros me deu vontade de reler! Esse com um título bem sugestivo. Por sinal, havia lido toda a série.
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RALPH 07/03/2021

O começo do Fim
Nesse volume o autor introduz o período de governança de Geisel. Começa a descrever sua vida pessoal até se tornar o 4 presidente da ditadura. Achei a narrativa mais morosa, lenta nesse volume, mas continua sendo uma ótima obra.
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Jéssica Silvestre 14/04/2021

Corrosão
O livro trata de como a ditadura começa a se desmanchar: os velhos "revolucionários" se voltam contra o regime; a conspiração cresce dentro do governo; o MDB ganha força alimentado principalmente pelo o aumento do custo de vida e a decadência do milagre econômico. É o período em que a ditadura mais matou, mascarando os fatos com a censura e a promessa de abertura.
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Edson Camara 16/09/2021

Ler sobre a ditadura nos dá um senso de brasilidade incomum atualmente
O terceiro volume da coleção Ditadura de Elio Gaspari é o melhor até agora, é mais direto, dinâmico e carrega uma carga grande de melancolia e tristeza, nele lemos principalmente a história de Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, apelidados respectivamente de O Sacerdote e o Feiticeiro.
Geisel assumiu a presidência do Brasil em um momento crítico e de virada quando o milagre econômico brasileiro chegava ao fim e a inflação começava a disparar. A glória dos tempos do Médici virou 180 graus e atormentou a vida destes dois homens.
A melancolia e a tristeza, em minha opinião, está em como dois homens do quilate destes dois tiveram que viver e segurar a onda de um regime que foi extremamente maléfico para o país mas também bom em alguns campos.Ler sobre o que aconteceu na época e sobre a vida das pessoas envolvidas nos dá um senso de brasilidade que atualmente não é lembrada nem respeitada.O Brasil e os brasileiros lutaram muito para conseguir a liberdade de volta, e dela, não devemos em hipótese alguma e por ninguém abrir mão.
Este é mais um livro que todo brasikleiro deve ler.
30% do livro é composto de documentação que comprova o texto de Elio Gaspari, nada descrito neste livro foi inventado ou anotado por ouvir dizer, tudo é documentado e comprovado. Por isso a grandiosidade da obra.
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alex 31/10/2021

O sacerdote e o feiticeiro, livro, A ditadura derrotada
De Elio Gaspari (2003).

Terceiro livro da coleção. O autor, um dos melhores colunistas sobre política que conheço, continua mandando muito bem.

Com fontes de informação privilegiadas, consistentes e únicas (anotações e gravações dos envolvidos, além de entrevistas) e uma escrita deliciosa e cheia de insights e tiradas sarcásticas, essa coleção sobre a ditadura oferece uma das melhores leituras que já fiz sobre história e política.
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Matheus 12/02/2022

Livro 3 A Ditadura Derrotada
A princípio o livro irá contar a história do ex-presidente Ernesto Geisel (o sacerdote) sua infância pobre, a sua vida como militar e sua participação nos diversos momentos da história nacional, desta parte da leitura chama atenção a oportunidade que teve de ser promovido por ter participado do combate a Revolução Constitucionalista, mas que não aceita, pois ficaria com uma patente mais alta que os seus irmãos que eram mais antigos no exército.
Vamos ter ali nas primeiras páginas o Médice escolhendo o Ernesto Geisel como seu sucessor, Geisel que lá pelas tantas perguntará ao irmão, que é Ministro do Exército, por que Orlando não era o candidato. Geisel vai dizer que chegaram ao nome dele porque um era cretino, o outro era safado... Médice lhe dirá que o escolheu, porque tudo estava bem com o país, se estivesse com problema militar, teria procurado um general da ativa.
Durante o processo de escolha do sucessor a imprensa foi proibida de falar sobre o tema, Geisel gozava de prestígio com Médice afinal, era presidente da Petrobras, uma empresa de enorme importância, o fato do irmão ser Ministro do Exército também deve ter ajudado, mas nada indica que ele tenha imposto ao presidente o nome de Ernesto. Você tem ali duas questões, havia entre os militares aqueles que desejavam o alongamento do período de presidência do Médice e aqueles até falavam em reeleição, mas até pelas falas do próprio presidente, ele parecia estar contando os dias para o governo acabar e passar o abacaxi para o outro. Algumas alas da linha dura vão tentar fazer balbúrdia para influenciar e tentar tirar o nome do Geisel do pário.
Durante a formação do governo um problemão vai surgir, insuflado pela linha dura, Orlando Geisel vai querer continuar no Ministério e Ernesto não aceitará de forma alguma, ele tinha medo de passar a imagem ou mesmo acabar sendo tutelado e emparedado ou mesmo que achassem que o Brasil era uma República de Bananas. Uma conversa dura entre os dois resolveu a questão, mas deixou marcas no relacionamento dos irmãos.
Na escolha dos Ministros é interessante notar que mesmo em um governo autoritário o presidente não chama quem ele quer para o governo, ele precisa prestigiar sua base de apoio, teve gente que ele queria convidar e não pode, outros ele queria em determinados cargos, mas teve que colocá-los em outros e até pessoas desconhecidas teve que aceitar. É interessante notar que Geisel tinha um medo muito grande de não conseguir terminar o mandato. A herança do milagre também era um peso, já que tinha que manter aquele ritmo, sem contar a inflação represada deixada pelo Delfim, que vai fazer os preços dispararem logo no início do seu mandato e será muito usado pela oposição nas eleições de novembro de 74 quando o Regime tem uma dura derrota, que Geisel irá aceitar, mas que tocará fogo na linha dura que queria que o presidente fizesse algo para impedir a consolidação dos resultados. Inclusive chegaram a ameaçar sequestrar a mulher do Golbery (o feiticeiro)
Ainda sobre as eleições, Geisel teve que tirar Delfim da disputa ao governo paulista, havia um medo de que ele sendo governador e com o prestígio que tinha, o próximo passo seria a presidência.
No livro também temos a história do Golbery, suas falas e importância na formação e condução do governo, ele vai tentar aparar as arestas com a igreja, a questão dos mortos e desaparecidos, da censura...já era odiado pela linha dura, vai ficar pior após a eleição de 74.
Questões que estão na pauta nacional até hoje: preço dos Combustíveis (crise do petróleo), exploração de petróleo por empresas estrangeiras, os incentivos a indústria, inclusive com o uso da Petrobrás como consumidora de produtos as vezes de má qualidade e com entregas atrasadas que eram pagos sempre em dia, não é sem motivo que fazem um paralelo entre o governo da Dilma e do Geisel, ela tem esse tipo de visão econômica.
Para saber mais, só lendo, recomendo bastante
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Italo Ruan 13/03/2022

Bem mais focado nas pessoas de Geisel e Golbery do que os livros anteriores, entendo que foi o ponto de partida da pesquisa, mas deixa um pouco mais chato. Senti falta da resistência e de explorar mais a derrota do governo nas eleições de 1974.
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Lucas 09/06/2023

Fardas desbotadas: o começo do fim da ditadura militar
O terceiro livro da coleção escrita por Elio Gaspari (1944-) é o de caráter mais digressivo da série até aqui. Longe de isso ser um fator negativo, entretanto, mas A Ditadura Derrotada (2003), desde sua sinopse, dá a entender que seu foco é mais travado cronologicamente. Passa-se a sequência do tempo para um segundo plano: na sua coleção de obras sobre a ditadura, este é o primeiro livro da "subsérie" O Sacerdote e o Feiticeiro e aqui o foco é direcionado aos dois donos dessas alcunhas.

Ernesto Beckmann Geisel (1907-1996) é o sacerdote. Gaúcho da cidade de Bento Gonçalves, descendente de alemães, ele foi o quarto presidente da ditadura militar, assumindo o governo através de uma eleição indireta em 1974. Geisel já havia aparecido nos volumes anteriores da série, especialmente quando foi chefe da Casa Militar do presidente Castello Branco (1897-1967). Gaspari aqui apresenta brevemente a origem de Geisel, sua infância pobre, carreira militar, a dramática morte do filho adolescente e outros detalhes que sedimentaram a imagem simultaneamente austera e discreta que Ernesto sempre prezou e pela qual ele ficou conhecido.

Se Geisel, apesar de ter governado o Brasil possui essa obscuridade, isso se acentua quando se fala em Golbery (pronuncia-se "GolberÍ") do Couto e Silva (1911-1987), o famigerado feiticeiro. Também gaúcho (da cidade de Rio Grande), ele foi um dos precursores da chamada Doutrina de Segurança Nacional, um compêndio de conceitos, manuais e outros artifícios ensinados aos militares brasileiros a partir da década de 50 (o que acabou sendo a semente "acadêmica" para o golpe militar de 1964).

Ao traçar duas breves biografias desses personagens, Elio volta ao passado e disserta sobre alguns elementos importantes para que o golpe de 1964 florescesse, o que é um ponto criativo dentro da narrativa geral da coleção. Ambos, Geisel e Golbery, faziam parte de um grupo de militares que levou Castello Branco à presidência em 1964, mas que acabou sucumbindo frente à linha dura, que defenestrou-o do cargo e conduziu Costa e Silva (1899-1969) e Emílio Médici (1905-1985) aos mandatos presidenciais conchavados posteriores. Isolados, vários militares não radicalizados (mas que não eram defensores da volta à normalidade, diga-se) formaram o grupo chamado de "fritadores de bolinhos": a estabilidade da carreira lhes garantia que continuassem no serviço militar, mesmo que em postos de trabalhos menos importantes e isso também trazia certa blindagem às confabulações desses quadros.

A chegada de Geisel ao poder representou um "aceno" de Médici a essa linha militar mais comedida. Seu raciocínio era claro: com o país "calmo", o "alemão" era o mais indicado. Apesar de ter participado ora como espectador privilegiado, ora de forma mais efetiva nas inúmeras ocasiões em que o Exército deu as caras na política brasileira de 1930 em diante, Geisel em 1973 era mais conhecido pelo seu papel como presidente da Petrobras, a qual vinha exercendo desde 1969. Como se pode imaginar, diante do período do milagre econômico, a maior empresa brasileira protagonizou parte desse sucesso, o que fez com Ernesto ficasse bem cotado nas cabeças do regime.

Já Golbery foi chutado do governo Castello Branco, refugiou-se em empregos privados e voltou à "ativa" com Ernesto Geisel, sendo ministro da Casa Civil deste. Desde as negociações anteriores à transmissão de cargo, Golbery do Couto e Silva, um homem racional, reservado, prolixo e engenhoso, assumiu sua verdadeira face: o principal alicerce intelectual do regime ditatorial. Ninguém infectou tanto o Exército com entendimento geopolítico, o que acabou sendo decisivo para a engrenagem ditatorial funcionar.

O governo de Geisel, que não é tratado integralmente por A Ditadura Derrotada (que vai apenas até o final de 1974, ainda nos primeiros meses da presidência de Ernesto), pode ser entendido como o epicentro do regime militar brasileiro. A passagem de Ernesto Geisel pelo poder vai desde o auge da perseguição política em seus primeiros anos (cujo fortalecimento vinha desde os primeiros meses de Médici) até os primeiros acenos à abertura política (a lei da anistia, por exemplo, promulgada por João Baptista Figueiredo (1918-1999), foi formatada na parte final do governo de Geisel). Este ponto pode ser um justificador da inegável maior atenção que Gaspari dispensa a este período, mas não é o único. Desde o primeiro volume da coleção, o autor menciona a importância do trabalho de Heitor Aquino Ferreira (1937-2022), a qual foi secretário tanto de Geisel quanto de Golbery. Do presidente, ficou praticamente toda a década de 1970 ao seu lado e Heitor escreveu diários destes períodos, as quais encheram dezessete cadernos escolares, além de gravações de encontros e centenas de bilhetes trocados entre ele e seus superiores (as gravações transcritas no livro geram momentos reveladores, como o de um capítulo chamado "Esse troço de matar", onde Geisel convida o general Dale Coutinho (1910-1974) para o Ministério do Exército). Além disso, enquanto Gaspari desenvolvia o trabalho de pesquisa para os livros, apenas dois presidentes da ditadura militar estavam vivos: o próprio Ernesto Geisel e seu sucessor, João Baptista Figueiredo. Destes, aparentemente Geisel se mostrou mais receptivo ao trabalho e concedeu inúmeras entrevistas ao autor. Ou seja, metodologicamente falando, esse terceiro volume é o que mais se debruça sobre fontes primárias (e inéditas) de pesquisa, o que torna a leitura mais aprofundada tematicamente falando e menos abrangente no sentido cronológico.

Apesar disso, o adjetivo "derrotada" do título poderia ter sido mais bem aprofundado. Isso porque em novembro de 1974 ocorreram eleições diretas legislativas, que renovaram as assembleias estaduais, a Câmara dos Deputados e um terço do Senado Federal. Com o fim do milagre econômico e a queda de medidas paliativas que vinham sendo tomadas pelo anterior ministro da Fazenda (Delfim Netto (1928-)), o início do governo Geisel foi marcado por arrochos salariais e piora do poder de compra dos brasileiros. Este ambiente, aliado a uma risível presunção governista, contribuiu para que a oposição, aglutinada no Movimento Democrático Brasileiro (MDB) tivesse expressivas votações. Se antes o Congresso Nacional, com uma oposição diminuta e sufocada, era passivo diante das arbitrariedades do regime, o fortalecimento do MDB nas eleições em 1974 é um aspecto fundamental para o aumento das pressões em torno do fim da ditadura: a semente das Diretas Já de 1984 foi plantada dez anos antes, quando o partido fez 16 senadores das 22 vagas disponíveis e quase dobrou de tamanho na Câmara. Mas isso tudo não é devidamente pormenorizado por Gaspari, que se ocupa mais em descrever os primeiros meses do governo Geisel até mesmo em suas intimidades do que discorrer sobre as consequências destas derrotas legislativas, as quais abalaram a crença do regime em si mesmo.

Naquilo que se propõe, a obra de Gaspari têm a sua importância por descrever o penúltimo presidente do regime ditatorial. Adicionalmente, Ernesto Geisel foi um personagem único na galeria de presidentes brasileiros. Apesar da sua discrição, o militar tinha ideias pouco ortodoxas sobre o contexto sócio-político nacional (chocante uma análise pontual que ele faz sobre o povo nordestino) e internacional (chama a atenção a opinião de Geisel sobre Israel ou sobre Richard Nixon, presidente norte-americano da época e que sofreu impeachment) e uma crônica indecisão sobre os rumos do Brasil: se por um lado era contrário à linha dura, Geisel achava inconcebível que um povo tão pouco instruído quanto o brasileiro fosse capaz de escolher governantes eficazes. Ou seja, a democracia, para ele, só se tornava viável caso o povo que a exercesse tivesse noção da sua responsabilidade. Mas a ortodoxia de seu raciocínio não era capaz de ampliar esse dilema em busca de um caminho que priorizasse a voz e a participação do povo.

A Ditadura Derrotada é um livro excelente, com um ritmo bem diferente dos que o antecederam, mas capaz de manter um caráter informativo e isento (talvez um pouco menos isento aqui, já que além da supracitada pouca atenção dada à derrota governista nas eleições de 1974, o livro praticamente nada fala sobre as perseguições aos movimentos de resistência). Isoladamente, pode ser visto com ressalvas, mas no conjunto de sua coleção, é uma obra vital, que prepara o leitor para o começo do fim do regime, descrito nos dois últimos e posteriores volumes.
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