Leonardo.H.Lopes 12/02/2023O artista doente: a busca do artista por si e pelo beloEsse livro reúne duas novelas de Thomas Mann.
Na primeira delas, acompanhamos a trajetória de Tonio Kroger, filho de um cônsul alemão com uma estrangeira de origem latina, que possui a pele mais escura, cabelos escuros, assim como seus olhos, introvertido, poeta e tímido. Aos 14 anos, Tonio nutre uma paixão por seu amigo Hans, alemão branco de olhos azuis e cabelos louros, popular, extrovertido, oposto do protagonista. Essa paixão, no entanto, é unilateral. Posteriormente, aos 16 anos, se apaixona por uma moça, também de olhos azuis e cabelos louros, também o contraponto do protagonista.
Em idas e vindas na sua vida, acompanhamos a ambiguidade que a todo o momento toma conta do herói da novela: o artista versus a vida burguesa. O fato de o protagonista ser artista numa família de burgueses vai ser o ponto de conflito de sua existência, afinal parece haver uma incompatibilidade entre fazer arte, que na visão do narrador não é uma profissão, mas sim uma maldição, e ser bem sucedido nos negócios da família, continuando com o legado do sobrenome Kroeger.
Tonio discute o ser e o não ser artista e parte em busca de si mesmo, tentando se libertar de suas raízes burguesas. Contudo, ele sempre é confrontado com elas, voltando às suas paixões de adolescente que encarnam a essência burguesa da sociedade alemã. No fim, ele descobre que pode ir aonde quiser, mas mesmo que se mova o trem, ele não se move dele mesmo, descobrindo que o que faz de um literato um poeta, pois acaba se tornando um escritor famoso, é justamente seu amor burguês pela humanidade, pela vida e pelas coisas comuns. Tonio descobre que ele é artista e é burguês, se encontrando por completo.
A segunda novela é tida por Otto Maria Carpeaux como “a obra artisticamente mais perfeita de Thomas Mann”, tanto pelo estilo, como pelo esgotamento do tema da doença fatal do burguês que se torna artista.
Na narrativa, acompanhamos a história de Gustav Aschenbach, um escritor alemão que já possui mais de cinquenta anos. Residente em Munique, o personagem vem de uma família de funcionários públicos, criado dentro de uma ordem, que no início da narrativa está meio que numa atmosfera de tédio, numa luta com seu eu-artista, decidindo fazer uma viagem após avistar uma figura estranha nas escadarias de uma capela de um cemitério, um homem com aparência estrangeiras, alto, com uma bengala com uma ponta de prata (seria essa figura um prenúncio de morte, uma aparição demoníaca?).Atendendo ao chamado que nasce em si para a viagem, após passar por uma cidadezinha, ele decide ir à Veneza.
Ao chegar em Veneza, ele é conduzido por uma gôndola guiada por outra figura estranha, que não obedece a seus comandos e o leva diretamente para seu hotel. Instalado, Aschenbach avista, no salão da hotelaria, uma família composta por várias meninas vestidas como freiras e um menino, Tadzio, de uns 14 anos, muito bonito, extremamente belo, com uma beleza pagã. O escritor se apaixona platonicamente por este garoto. Sucumbindo pouco a pouco aos seus sentimentos, Aschenbach passa a perseguir o garoto por todos os cantos, com sua obsessão ganhando um cunho sexuaç, chegando a mesmo a acreditar que está sendo correspondido, o que nem de longe realmente acontece.
Ao mesmo tempo, Veneza fede, o sol é escaldante em pelo verão. As ruas são frequentemente desinfetadas pela prefeitura, que escondem a doença, pois está acontecendo o auge do turismo. Sondando, Aschenbach descobre que Veneza está sendo assolada por uma epidemia de cólera e é aconselhado a deixar a cidade o quanto antes, pois a quarentena está prestes a ser decretada. Ele, contudo, não faz nada, dado que ao ir embora ele estará deixando Tadzio para trás. Contudo, Aschenbach começa a passar mal e, enquanto assiste ao garoto fazendo suas últimas brincadeiras na praia, dado que a família está prestes a ir embora, o mesmo desfalece e morre mais tarde no mesmo dia.
As duas novelas desse livro se interseccionam no ponto de as duas terem um personagem escritor como protagonista que, de alguma forma, está em guerra com sua arte e à procura da beleza artística. Contudo, as duas rumam para caminhos extremamentes diferentes. Tonio Kroeger se avasta de suas origens e á ela acaba retornando, assumindo que é seu eu burguês que o faz artista. É uma novela bela, com nuances suaves. Já Gustav Aschenbach é pertubado por uma série de aparições demoníacas que o levam à Veneza, onde se apaixona pelo garoto belo, uma vez que a beleza é um ímã para o artista, mas sucumbe à um destino pagão, à um sentimento nojento que o queima por dentro e o leva à morte na mais bela cidade italiana, mas que também está em decadência assim como o personagem. Kroeger consegue encontrar um sentido por sua busca, Aschenbach não e, não conseguindo se controlar, se perde de tudo.
Ainda não consegui me decidir se gostei ou não dessas histórias. Durante a leitura, em muitos pontos, elas soaram desinteressantes e maçantes, fazendo com que eu ligasse o modo automático e tivesse que retroceder para ler novamente e voltar a imergir nos textos. A impressão que tenho é que Thomas Mann se torna mais interessante na minha experiência à medida que o tempo pós-leitura passa e eu passo, até mesmo inconscientemente, a digerir o enredo e traçar paralelos com minha bagagem literária. Com certeza, precisarei reler os textos mais para frente para tirar uma conclusão mais satisfatória.