Tiago 27/03/2015
A arte esquecida do culto doméstico
Uma das reclamações mais frequentes na igreja hoje é a falta de devoção pessoal dos cristãos, o que, com frequência, ocasiona a correspondente falta de vitalidade e crescimento das igrejas. Quando se buscam as raízes do problema, porém, raramente se atribui a frieza espiritual à virtual ausência nas famílias cristãs modernas do culto familiar.
Este pequeno livro do Dr. Joel Beeke pretende ser um guia teológico e prático que possibilite a implantação do culto doméstico nas famílias interessadas. O autor é reconhecidamente umas das figuras mais proeminentes no meio cristão atual. Lembro-me de que, em 2014, participei de um Encontro da Fé Reformada, na cidade de Belém do Pará, onde um dos preletores se referiu ao Dr. Beeke, também presente, como um “puritano vivo”. De fato, ele é um dos maiores divulgadores do pensamento puritano nos nossos dias, especialmente por meio do Seminário Teológico Reformado Puritano (Puritan Reformed Theological Seminary) e da sua editora, a Reformation Heritage Books. E, em Adoração no Lar, é vívido o espírito puritano, seja na sua ênfase na devoção familiar, seja na linguagem tocante e exortativa. Em certo trecho, o Dr. Beeke diz:
“Deus nos deu exemplos bíblicos de culto familiar, e não os seguiremos? Deus colocou em nossos lares, almas de criaturas feitas à sua imagem, e não usaremos todas as nossas habilidades para ver nossos filhos se curvarem em adoração diante de Deus e de seu Filho, Jesus Cristo? Será que não nos esforçaremos para promover a piedade cristocêntrica em nossos lares, a qual o culto doméstico é tão apto a promover? Brincaremos com o alimento espiritual, sim, com a eternidade dos membros de nossa própria família?”
O livro está estruturado em cinco capítulos e dois apêndices. No primeiro capítulo, o Dr. Beeke apresenta as bases teológicas do culto familiar, partindo do princípio de que toda criatura deve adoração ao Deus trino, e que, na Escritura, Deus lida com o homem por meio de alianças e representantes. É interessante a maneira como ele expõe a analogia, ainda que imperfeita, existente nas relações no interior da família terrena e na Santíssima Trindade, sendo esta um modelo ideal no amor e na comunhão para aquela.
No segundo capítulo, o Dr. Beeke apresenta o culto doméstico como um dever, discorrendo sobre a famosa passagem em que Josué afirma ousadamente: “Eu e minha casa serviremos ao Senhor.” (Js 24:15) Como o autor demonstra, Josué já era de idade avançada e sabia que brevemente morreria; isso não o impediu, porém, de falar não somente por si, mas por toda a sua família. Também é apresentada aqui a maneira pela qual Deus deve ser servido nas famílias, sendo elas: a instrução diária na Palavra de Deus, a oração diária e o cântico de louvores, em especial, os salmos. A exortação é direcionada especialmente aos pais de família:
“Como chefes de famílias, devemos implantar o culto doméstico em nosso lar. Deus requer que o adoremos não apenas em particular, como indivíduos, mas também publicamente, como membros do corpo da aliança e da comunidade; e também socialmente, como famílias. O Senhor Jesus é digno dessa adoração, a Palavra de Deus ordena isso, e nossa consciência afirma que esse é nosso dever.”
O capítulo três traz algumas orientações práticas sobre a implantação do culto doméstico. São discutidas questões como a preparação inicial, a maneira de lidar com as crianças em diferentes faixas etárias, o material que deve ser utilizado, local e tempo das reuniões. Também são dadas orientações sobre a duração do culto doméstico (que deve primar pela brevidade), além de valiosas dicas quanto à leitura das Escrituras, a instrução nelas, o momento de oração e o momento de cânticos.
No capítulo quatro são respondidas diversas objeções ao culto doméstico, dentre elas a falta de ordem específica nas Escrituras para essa prática, a suposta falta de tempo, a incapacidade do chefe de família para a tarefa, etc. Todas elas são respondidas com brandura, mas ao mesmo tempo com firmeza e convicção pelo autor.
Finalmente, no capítulo cinco são apresentadas algumas motivações para o culto doméstico. Esta é parte mais tocante do livro, com diversas citações de J. C. Ryle e outros autores clássicos, demonstrando a importância e necessidade do culto doméstico diário e organizado.
O livro traz ainda dois apêndices, sendo que o primeiro deles é o Diretório para o Culto Doméstico, redigido pela Assembleia de Edimburgo, no ano de 1647. Vale a pena ler e aprender com os mestres do passado sobre como se deve proceder na organização e realização do culto doméstico. Certamente, não é possível atentar para todos os detalhes prescritos, devido à falta de estrutura eclesiástica, mas a leitura deverá servir de grande incentivo para quem já foi convencido pela exposição do Dr. Beeke. Em particular, é interessante a distinção que a Assembleia faz entre o culto familiar e a reunião de grupos familiares, desaprovando essa última:
“Embora possa haver alguns efeitos e frutos do encontro de pessoas de famílias diferentes em tempos de depravação e dificuldades (casos em que muitas coisas são recomendáveis, as quais, de outro modo, não seriam toleradas), quando Deus nos abençoa com a paz e a pureza do evangelho, essas reuniões com pessoas de famílias diferentes (exceto nos casos mencionados pela presente orientação) devem ser reprovadas, por terem a tendência de se tornarem um empecilho à prática religiosa de cada família e um prejuízo para o ministério público, e também por afastarem as famílias de suas congregações específicas e de toda a igreja, com o passar do tempo. Além disso, muitos pecados podem surgir dessa prática, causando o endurecimento dos corações dos homens carnais e tristezas para os piedosos.”
O outro apêndice é o comovente relato sobre o impacto que a lembrança de um pai amoroso e cuidadoso da saúde espiritual do filho pode causar. John Patton, que se tornaria um missionário entre índios canibais, deixou registrado o momento em que se despediu de seu pai, quando foi estudar. Essa história demonstra de modo cabal o impacto que o culto familiar pode ter sobre a vida de um adolescente ou jovem. Patton chega a relatar que fugiu de muitas concupiscências da juventude apenas pela lembrança de um pai amoroso, que se reunia com os filhos todos os dias para orar, ler a Palavra e cantar louvores a Deus.
Concluindo, o livreto do Dr. Beeke é uma leitura agradável sobre um tema negligenciado, mas que comprovadamente exerceu grande impacto na vida e na devoção da igreja no passado. Tomara Deus anime a todos os cristãos para que voltem à prática dessa tarefa tão necessária e urgente para a igreja!