Lennon.Lima 02/11/2017
Tenho interesse e respeito pelo povo Russo desde que soube que foi a única nação a ter sofrido um ataque do III Reich, ter permanecido de pé e ainda repelir os invasores os derrotando. Acho sempre engraçado a comparação que se faz entre russos e franceses com o seguinte fato: os franceses (é bom frisar: os franceses que tinham poder decisório na época do conflito, pois não fora feita um plebiscito antes de se tomar a decisão) resignados ante a derrota certa contra as tropas germânicas optaram pela rendição tendo como um dos objetivos preservar a história e a beleza da Cidade Luz. Os russos, cientes da derrota, resolviam abandonar as cidades atacadas, mas não sem antes destruí-las por completo para evitar que os inimigos usufruíssem dos espólios abandonados. Vejo tal atitude como simbólica da valentia e determinação do povo russo.
Algo que me surpreendeu na leitura desta obra foi a informação de que o país apresenta traço parecido com o Brasil: a diversidade. Pois abriga de europeus a asiáticos e estes últimos introduziram elementos que se incorporaram na cultura russa. Como os bazares, comércio de vestuário e alimentos, cuja maioria de seus dirigentes são de etnias orientais; na culinária com os famosos pelmeni (pasteizinhos de carne com massa fina e cozidos em vez de fritos), o shashlik (churrasco em espeto com diversos tipos de carne, como de ovelha, misturado com hortaliças), os manti, plov, entre outros. Tinha a noção, e creio eu influenciado por descrições cinematográficas hollywoodianas que sempre retratam os russos como uns gigantes branquelos viciados em vodka e mal humorados, de que se tratava de um país sem qualquer tipo de mistura, apresentando uma homogeneidade gritante e monótona.
Gostei da exposição de teorias que tentam explicar o modo de ser dos russos. Uma com fator histórico é sobre a predileção dos habitantes por um governo mais centralizador, forte:
"Com o domínio mongol, os laços de vassalagem que uniam as cidades-Estados de Rus' a Kiev foram cortados. Moscóvia - como era chamado o Grão-ducado de Moscou sob o domínio mongol - era centralizada e iniciara um império em igual estilo. Este contraste com a descentralização Rus' kievana marcaria profundamente a psique social russa através dos séculos, como vimos. A ideia de que um Estado (gosudarstvo) centralizado e forte foi essencial para que a civilização e a sociedade russa florescessem tornou-se extremamente arraigada também no pensamento político russo."
"Essa foi uma experiência histórica bem distinta do liberalismo, que surgiria séculos depois na Inglaterra. Entre os ingleses, a ênfase nos direitos individuais e com um Estado mínimo foi vista como solução para resolver a opressão religiosa estatal. O movimento surgiu na Inglaterra com a Revolução Gloriosa do Século XVII. Até ali, o país tinha sido dilacerado por guerras civis, muitas de caráter religioso. Quando um grupo se apossava do poder estatal, impunha sua religião à sociedade. A solução encontrada pelo liberalismo foi diminuir o poder do Estado sobre o indivíduo e transferir a questão religiosa para a esfera (consciência) individual."
"Já a Rússia passou por uma experiência histórica diferente, reforçando a crença de que foi com o fortalecimento e a centralização estatal que a civilização e sociedade russas puderam florescer até seu apogeu. (...) isso ajudar a explicar, por exemplo, a popularidade de Vladimir Putin, nos anos 2000. Ele teria sido um gosudarstvennik (defensor de um Estado forte), que fortaleceu e recentralizou o Estado russo após o período Yeltsin nos anos 1990, caótico e com tendências centrífugas. O que foi encarado por muitos no ocidente como um processo autoritário de recentralização estatal, foi visto por um grande número de russos como um reequilíbrio da balança política."
Outra de caráter mais psicológico é sobre a introversão dos russos. Creditada ao clima de baixíssimas temperaturas que os forçam a ficarem protegidos e isolados nas suas casas e cidades. Isso os estimulariam a serem mais reflexivos o que explicaria a formidável literatura que desenvolveram.
Aprendi que é uma nação que preserva muitas áreas verdes e faz parte das atividades preferidas dos russos se instalarem em parques públicos e construírem a sua própria cabana para passar as tardes ensolaradas do verão breve.
Noteis dois fatos curiosos; na crise após o fim da URSS uma das medidas encontradas para driblar o aperto econômico foi o de prestar serviço de motorista. Um cidadão queria de "A" para "B", mas não tinha dinheiro para pagar o táxi ou queria economizar para investir em itens de maior importância. Ao ver um carro comum passando na pista, o cidadão dava um sinal para chamar a atenção do condutor e o questionava sobre o lugar a qual se dirigia. Se fosse no mesmo destino ou próximo de onde pretendia ir, combinava um valor a ser pago, mais barato do os de serviço de táxi, pela carona.
O segundo refere-se ao consumo de bebidas alcoólicas. Para impedir uma piora no quadro de saúde e nas finanças com o desenvolvimento de um vício incontrolável, implantou-se um sistema entre os cidadãos para jamais consumirem bebida a sós, sempre em três pessoas: "Isso porque beber sozinho é ruim (pode levar a problemas de alcoolismo e solidão), em duas pessoas pode ser enfadonho e,assim, três é o número ideal para uma atmosfera íntima, mas não solitária."
Escrita por Angelo Segrillo, professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo e especialista em Rússia e URSS, viveu muitos na Rússia e é autor de vários livros sobre o país, o livro ainda aborda sobre a Revolução Russa, as origens e cristianização, festas, família, educação, mantendo a qualidade apresentada das publicações anteriores.
Recomendadíssimo.
site: https://cartolacultural.wordpress.com/2016/12/24/descobrindo-povos-e-civilizacoes/