Arsenio Meira 17/08/2013
Literatura no desvio: o rei dos outsiders
Se um ato é ou não outsider vai depender, e muito, de como outras pessoas reagem a ele, em sucinta e leiga análise.
Depende também de quem o comete e de quem se sente prejudicado por ele.
Isto posto, antes de continuar a ler este texto, vá à dispensa e pegue uma garrafa de conhaque ou do mais intrépido e temido Gim.
Se quiser, mande tudo às favas e desvie de uma vez do caminho, em busca da geladeira mais próxima e do santo graal que ela abriga: a cerveja gelada. Na mais radical das hipóteses, esqueça a ressaca do dia seguinte, e se abrace com um leniente toddynho.
Abriu? Tomou o primeiro gole? Pronto, pode ler o resto. Ao menos uma tentativa de pose outsider você terá. (Até mesmo se estiveres, hipotético leitor, entornando litros de chá verde.)
Não é fácil encarar alguém como Charles Bukowski. O velho Buk, ele merece. Ninguém fica indiferente. Odeia ou ama ou não acha nada demais (o que também já é demais, rsrs...)
Buk fez o que quase todos gostaríamos de ter feito. Chutou o balde pro infinito de Pascal, e dinamitou os planos de uma vida estável que qualquer pai almeja para seus filhos. Charles queria mesmo era mergulhar na diáspora da dispersão desviante. De forma tensa e definitiva. Uma aventura. Ou mil epopeias.
Ah, o instituto do politicamente correto... Meu Deus... Buk tocaria fogo neste instituto, em plena luz do dia, perante o capitólio. Não duvidem.
Com esse impulso juvenil, tornou-se personagem de si mesmo, enchendo a cara, envolvendo-se a mil por hora com o submundo, para depois escrever com uma clareza cortante sobre suas experiências. Quando escrevia, não raro, encontrava-se várias dose acima do planeta Júpiter.
Na coletânea de contos "A mulher mais linda da cidade", o leitor pode conferir algumas dessas histórias vividas e criadas pelo autor.
Sem papas na língua, Bukowski vai direto ao que interessa. Tanto no estilo narrativo, quanto na vida. Dá respostas que a maioria das pessoas gostariam de dizer, mas se calam, entaladas com os sapos que engoliram. Sua atitude pode até parecer desagradável, embora seja um libelo de sinceridade em meio a tanta hipocrisia.
Representa uma verdade dura e, talvez por isso mesmo, incapaz de ser encarada por alguém que leva a vida como se fosse o chefe do clã "tradição, família e propriedade." No conto "Você aconselharia alguém a ser escritor?" , essa ideia fica bastante clara, inclusive para o austero meio acadêmico dos Estados Unidos, que recebeu petardos Bukowskianos.
Contratado para dar palestras a estudantes universitários, Bukowski é alçado ao status de irmão mais velho, conhecedor dos pecados mais subterrâneos. A sua simples presença serve como um grito de protesto, uma retomada do espírito rebelde de gente que um dia foi jovem e não seguia - nem com J. Edgar Hoover fungando no cangote - as imposições do sistema.
O interessante é que Bukowski percebe o papel exótico que interpreta aos olhos de todos. Reconhece seus defeitos, sabe que a bebedeira e as apostas em cavalos são apenas subterfúgios para suportar ou escapar da vida. (Maiakovski, eterno, gigante, já havia, desde os anos 20, decretado: nesta vida/morrer não é difícil./ O difícil é a vida/e seu ofício.)
Mas ao mesmo tempo, também enxerga como uma prisão a rotina formal do trabalho. Resultado: das duas opções que lhe restam, prefere o convívio com ex-detentos, ladrões e viciados.
Apesar de exaltar seu estilo de vida, há uma certa melancolia nas palavras de Bukowski. Talvez pela consciência de que seguiu esse caminho por uma questão de sobrevivência e não por diversão. Quando sóbrio, ele parece não se misturar inteiramente com o submundo, o bas fond; mantém uma certa distância que só se desfaz completamente após alguns goles de qualquer líquido com um teor alcoolico acima do normal.
Ao soar o repique desses momentos, é que ele encarna o personagem e manda todo mundo pra...
Bem, vocês sabem o fim da frase. Não sou como o velho Buk.
De outsider só tenho mesmo a terrível patologia que se chama dependência química de nicotina.