Disotelo 14/11/2021PK Dick, o ProfetaParte 1: Sobre o Autor
Difícil pensar em P.K.Dick sem pensar em Nietzsche, os dois morreram antes do sucesso, se viam quase como profetas, perderam a linha no fim da carreira, tinham insights brilhantes mas não conseguiram alcançar todo o potencial desses insights em uma obra consistente e influenciaram a posteridade.
Nietzsche precedeu a posmodernidade, que talvez esteja, agora, alcançando o seu ápice, PK Dick precedeu uma tendência que pode ainda não ter sido nomeada, por hora, eu chamaria de pós-gnose, como se em PK Dick a gnose dos esotéricos se encontrasse com a sensação de suspeita e absurdo de alguns escritores como Kafka e Camus, em PK Dick o absurdo transcende o mundo concreto para se encontrar com a metafísica.
Talvez eu esteja falando bobagem, acho que é possível uma outra abordagem, partindo de um pressuposto da história da religião, toda mudança tecnológica oferece uma possibilidade de mudança religiosa, exemplo, a difusão da metalurgia trouxe consigo o conceito de pureza, que passou a ser muito importante na cultura judaico-cristã, talvez a percepção desse conceito já existisse no subconsciente de muitas pessoas, mas só com a metalurgia surge um modelo concreto, no qual essa percepção pode se escorar para ser devidamente racionalizada e comunicada.
Conceitos como inteligência artificial, robótica e realidade virtual estão, aos poucos, transformando a nossa percepção coletiva, a princípio esses conceitos circulavam no nicho da ficção-científica, mas desde Matrix esses conceitos estão invadindo a cultura popular, essa tendência tende a prosseguir em frente, as religiões populares precisarão se adaptar a elas.
Se olhamos, por exemplo, para os jovens militantes políticos veremos uma série de militantes da nova direita que usam o termo "red pill", pra definir pessoas que seriam realmente capazes de se desvencilhar da ilusão do sistema, a mesma tendência gnóstica pode ser percebida em movimentos marxistas, não é coincidência que um dos canais de maior sucesso nesse segmento seja nomeado como "Saindo do Matrix".
Quanto mais as pessoas aprendem a lidar com sistemas virtuais, mais elas desconfiam de um possível sistema a reger o mundo, as instituições oficiais, as referências culturais, a elite política, os bilionários, a mídia, todos estão sendo alvejados pela desconfiança dos internautas...
É claro que essa tendência não é totalmente nova, vemos fortes vestígios dela nas ideias de ilusão da tradição védica, no mito da caverna de Platão e na lenda do sábio chinês que sonhou que era uma borboleta ... Mas é, possivelmente, em PK Dick que a sensação de virtualidade do mundo explode como uma desconfiança irrestrita e sincera, dissociada das estruturas de poder religiosa ou política, é nele que essa desconfiança passa a usar, como metáfora, as novas possibilidade tecnológicas vislumbradas após a explosão científica do século XIX.
Parte 2: Realidades Adaptadas
Aqui temos sete contos que deram origem a filmes, todos são bons, todos geram questionamentos em relação a identidade, memória, realidade, tempo... Um problema é que PK Dick foi escritor de revistas baratas, chamadas de Pulp, por muito tempo, fiquei com a impressão de que ele traz alguns vícios destas revistas, como péssimas personagens femininas e um lugar comum do prisioneiro que foge das autoridades para provar a sua inocência, que se repete em metade destas histórias, mesmo assim, valem a pena.
Lembramos Para Você a Preço de Atacado: Esse conto inspirou o filme Vingador do Futuro, o tema são os implantes de memória, pena que o final dele seja um pouco abrupto.
Segunda Variedade: Aqui PK Dick entra no tema dos robôs e identidade, esse conto foi adaptado como um filme malsucedido chamado Screamers, mas podemos pensar que esse conto precedeu também a franquia Exterminador do Futuro, por causa da questão da rebelião das máquinas. Esse conto é a melhor coisa que eu li do PK Dick, não pq parta de uma boa premissa, mas pq, além disso e diferentemente de muitos outros escritos do autor, a premissa foi muito bem executada, o autor acertou na mão, o enredo é muito assertivo e envolvente e o final foi bastante sagaz. Torço por uma nova adaptação que seja digna desse conto.
Impostor: Conto adaptado com o mesmo título, a premissa é a mesma de Eu Robô do Asimov só que com uma dose maior de pessimismo.
O Relatório Minoritário: esse inspirou o famoso filme protagonizado pelo Tom Cruise, com o mesmo título, o enredo não funciona tão bem até certo ponto, mas o final é brilhante, com uma conclusão impecável sobre a falibilidade da precognição.
O Pagamento: Adaptado com o mesmo título. O interessante deste conto é como o presente pode ser violentamente ressignifcado quando se conhece o futuro.
O Homem Dourado, adaptado como O Vidente: O pior conto do livro, é um pouco misógino, um pouco cafona, o poder do personagem não fica muito claro, mas o conto se salva pela ótima premissa, a premissa central que move o universo mutante da Marvel já estava toda aqui.
Equipe de Ajuste, adaptado como Agentes do Destino: A premissa aqui é que o destino precisa ser ajustado por uma inteligência alheia a ele, para que a vida humana não mergulhe no caos, nesse caso eu prefiro o filme, nele a ideia é muito mais bem desenvolvida, o conto é mais curto, não vai tão longe.
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