@fabio_entre.livros 16/10/2016
Velhos terrores engarrafados
“Fique comigo mais uns vinte minutos, companheiro, para que eu olhe em volta e tenha certeza de que este é um hotel comum, e não o de O iluminado. (...).
Sim, Kubrick teria salivado com a possibilidade de filmar naquele local. O lugar tinha tudo que um diretor gostaria – beleza, grandiosidade, tamanho, história e uma dose gigantesca de pavor horripilante.”
Já faz algum tempo que não leio um livro de terror, não porque estejam em falta no mercado editorial (o êxito da Darkside é autoexplicativo), mas devido à minha indiferença a esse tipo de leitura atualmente. Afora as obras-primas clássicas de Bram Stoker, Mary Shelley, R. L. Stevenson e Henry James, a maioria dos livros desse gênero que li eram o que se poderia chamar de clássicos modernos, como “O exorcista”, “O bebê de Rosemary”, “Psicose” e “A profecia”, todos excelentes e adaptados em produções cinematográficas memoráveis.
Decidi me aventurar, portanto, em alguma obra recente e, vasculhando em sites “especializados” em literatura de terror, acabei me deparando com “Um rio muito frio”, de Michael Koryta – autor mais conhecido por seus romances policiais. O que me atraiu no livro de Koryta e me fez escolhê-lo a outros foi a premissa inusitada da história sobre uma garrafa de água mineral assombrada. Em meio a tantos clichês e fórmulas prontas que desgastam cada vez mais esse gênero antes tão rico em possibilidades, encontrar uma ideia original deve ser um critério de importância fundamental.
Na trama, Eric Shaw, um perito em filmagens especializado na gravação de eventos (habilidade remanescente da época em que era um cineasta reconhecido em Hollywood) é contratado pela nora de Campbell Bradford, um milionário idoso que está à beira da morte. A missão de Shaw é ir à cidade onde Campbell viveu a juventude e coletar informações suficientes para elaborar um documentário sobre ele. Entretanto, as únicas pistas que o cineasta recebe para ajudá-lo no projeto são o nome da cidade e uma relíquia guardada por Campbell há mais de oitenta anos: uma garrafa de água mineral.
A princípio, tudo parece simples, mas ao chegar à pequena cidade, Shaw conhece a estranha história da Água Plutão, nome comercial dado à água que vinha de fontes subterrâneas e que, no passado, trouxe riqueza à região devido à sua fama de panaceia, supostamente funcionando como remédio para várias doenças. Entretanto, com o passar das décadas, as pessoas perderam o interesse na Água Plutão e a cidade caiu numa espécie de “quase-esquecimento”. Entretanto, a chegada de Shaw e, principalmente, da misteriosa garrafa, com a qual ele desenvolve uma ligação macabra, traz à tona um horror adormecido durante décadas.
Na contracapa do livro há algumas menções, entre as quais uma do Booklist dizendo tratar-se de “uma história de horror digna de Stephen King”. Particularmente, achei essa comparação um tanto capciosa, não porque o livro de Koryta fique muito aquém de King no seu propósito de assustar, mas porque considero “Um rio muito frio” um romance de terror, e não de horror: as diferenças entre essas duas palavras vão além do nome. Koryta se preocupa mais com a criação da atmosfera e a tensão dos personagens do que com cenas chocantes ou derramamento de sangue.
Apesar disso, vi, sim, algumas semelhanças com certos elementos das obras de King (principalmente de “O iluminado” e “Saco de ossos”). Além disso, acredito que Koryta trouxe algo da sua experiência com romances policiais para este livro, pois senti um quê de Dennis Lehane, em especial de seu “Paciente 67”, um dos meus thrillers favoritos. A atmosfera – inclusive literal, climática – é muito bem construída, sombria, com ventos uivantes e chuvas que incrementam as aparições de trens fantasmas, músicas de violino vindas do além, visões de atrocidades ocorridas no passado e outras ameaças sobrenaturais que desafiam a realidade.
Em “Um rio muito frio” há um espírito vingativo que personifica a essência do mal e que vai se intensificando à medida que a história progride, tal qual um rio: começa frágil, débil, quase imperceptível até ganhar uma força implacável. Posso dizer, portanto, que este livro me surpreendeu positivamente, sobretudo por não ser uma dessas obras populares superestimadas, que poderiam ter me levado a criar expectativas absurdas; muito pelo contrário, por ser um livro do qual até então eu não tinha ouvido falar e nem lido nada a respeito, deixei-me envolver pela história sem esperar nada dele. E aqui um velho chavão se provou verdadeiro: “não crie expectativas: é melhor se surpreender do que se decepcionar”.