Mariana 16/01/2021Foi uma releitura difícilEu li esse livro pela primeira vez em 2009, mas recentemente resolvi fazer uma releitura. Isso porque lá em 2009, eu deliberadamente pulei todas as partes políticas. Eu queria ler o romance naquela época, a parte da Manuela e do Garibaldi.
Mas agora, minha experiência foi diferente. Eu não pulei nenhuma parte e consegui entender muito melhor o que estava acontecendo. E a primeira coisa que eu percebi nessa releitura foi a romantização de uma guerra que não serviu para nada.
Foram 10 anos de jovens morrendo e batalhas perdidas porque um grupo de homens brancos ricos estava insatisfeito com o que estava ganhando pelo seu trabalho. Imagina se todos nós fizéssemos uma guerra toda vez que rolasse insatisfação com pagamento, né?
Enfim, o que eu quero dizer com a romantização é que o livro trata alguns assuntos com muita leveza e, às vezes, nem chega a tocar em assuntos delicados, como o massacre aos lanceiros negros, aos criados escravizados na casa das sinhás e todo o "grande" propósito dos generais com aquela luta.
O livro tenta vender que é pela liberdade, que todo mundo estava lutando pelo mesmo objetivo, que Bento Gonçalves queria a liberdade do RS sem custar a vida da população... porém, tudo cai por terra quando a gente olha por outro ângulo que não o da família rica do Bento Gonçalves.
Eu entendo que a ideia da autora foi retratar o que era ser mulher nesse ambiente. E o livro consegue nos dar essa ideia, de que as mulheres podiam apenas esperar. Existe essa aura de espera, de paciência, de conforto e força que as mulheres têm.
Mas ao mesmo tempo, a gente não pode esquecer que essas eram mulheres ricas e brancas. O período de guerra para uma mulher que não está isolada na estância da família é muito difícil. Eu senti falta de conseguir ver um pouco disso, de ter um recorte diferente.
Além disso, eu fiquei muito incomodada com a narrativa e o estilo de escrita. Não gostei do estilo de escrita, algumas frases são confusas, cheias de adendos, e não tem um ritmo legal.
E a narrativa em si, e eu não consegui identificar se foi proposital ou não, é bem racista. O tratamento com os criados escravizados, os pensamentos dos personagens em situação de poder ao falar deles... chega um momento em que o Bento Gonçalves comenta sobre "como é bom tirar a virgindade de uma negrinha".
Eu entendo que a gente precisa saber que esse tipo de coisa era falado e feito (ainda é, na verdade), mas em nenhum momento eu senti que a autora classificou esse tipo de pensamento como errado. Era dado apenas como "algo que acontecia".
Porém, o RS tendo a fama que tem, tendo a história que tem, me incomodou que a narrativa não tivesse tomado o cuidado de contar algo, mas comentar sobre esse algo.
Sobre as mulheres na estância: de maneira geral, eu gostei de acompanhar o dia a dia sem nada acontecendo na vida delas porque consigo entender que isso devia acontecer mesmo. A coisa só animava quando vinham notícias da guerra, e quase nunca eram notícias boas, então elas tinham alguma agitação por alguns dias.
A trama da Mariana é a que eu mais gosto, desde a primeira vez que eu li. Manuela, eu acho chata. Entendo, mas não gostei muito dela nessa segunda leitura. A trama da Perpétua se resolve tão rápido que no final, ela nem parece ter acontecido.
E a trama da Rosário merece um parágrafo só para ela:
Eu não entendi ainda o que aconteceu com a Rosário e o motivo disso. Ela simplesmente ficou louca porque foi isolada. Não tinha mais bailes e nem soldados, então ela ficou louca e imaginou um soldado morto que falava com ela. Eu odiei essa trama e entendo agora porque a Globo modificou o background do Estevão (Steban, no livro) na minissérie.
Eu entendo que a família do Bento Gonçalves tem um lance um tanto mágico no sangue, eles conseguem sentir coisas, tem uma intuição aflorada (a Manuela até consegue prever coisas), mas não fechou para mim a trama da Rosário.
Enfim, foi uma releitura difícil porque a romantização me incomodou desde o início. Porém, consegui finalizar a leitura de maneira certa dessa vez, sem pular nenhuma parte.
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http://marianabortoletti.com.br/blog