Tarciso.Rodrigues 16/08/2021
Distópica é a natureza humana
Continuação de Divergente, Insurgente narra os desdobramentos dos acontecimentos finais de Divergente. Mas, novamente, o que chamou minha atenção foi o que está por trás da história.
Veronica Roth é declaradamente cristã, e, embora não tenha sido a intenção criar uma literatura dita cristã, um autor nunca escapa de colocar aquilo que ele é em sua obra. A obra é baseada numa cosmovisão cristã, com uma ênfase comum a Paulo, Agostinho e Calvino: a depravação total do homem e sua inabilidade em fazer naturalmente o que é bom.
Em Insurgente, constatei que as virtudes de cada facção são exploradas, postas a prova, e quando certas virtudes são superestimadas em detrimento a outras, elas são corrompidas. O que está por trás da história é que o homem naturalmente não pode fazer o bem, sem que o perverta, devido a sua natureza. Há diversas passagens que remetem a dicotomia da natureza humana, dividida entre atos virtuosos e maldade, e, além disso, atos virtuosos corrompidos por más intenções.
Como diz o profeta Isaías, "Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um vento, nos arrebatam. (Is 64:6)
Até mesmo a compreensão de Deus é deformada pela super valorização de certas virtudes, no sistema de facções da história, quando em certo momento, a personagem principal presencia uma cerimônia religiosa de outra facção e faz referência ao "Deus autruísta da Abnegação" e o "Deus da paz" da amizade. Um erro a que muitos religiosos incorrem, diga-se.
A figura do Divergente se torna cada vez mais interessante na história, como alguém que une diversas virtudes de diversas facções, entretanto, também notamos que reúnem as desvirtudes. Fortalecendo a visão de depravação total humana.
O ponto alto do livro, para mim, foi a reflexão da personagem principal, Beatrice, face à morte:
"Acho que agora seria a hora de pedir perdão por todas as coisas que fiz, mas sei que minha lista nunca estaria completa. Também não acredito que o que quer que aconteça depois da vida dependa de uma listagem correta das minhas transgressões. Isso soa demais como um conceito da Erudição para mim, que tem mais a ver com precisão do que com sentimento. Na verdade, não acredito que o que vem depois dependa de maneira alguma dos meus atos. É melhor eu fazer o que a Abnegação me ensinou: voltar-me para longe de mim mesma, projetar-me sempre para fora, esperando que, no que quer que venha depois, eu seja melhor do que sou agora."
A narrativa é muito bem escrita e as divisões dos capítulos são muito adequadas, prendendo o leitor, atiçando a curiosidade quanto aos próximos acontecimentos. Continuarei lendo a série.