Gabriella 10/07/2023
"E, à noite.. nas noites solitárias... sempre haveria as lindas bolinhas vermelhas para lhe fazer companhia."
Esse livro acompanha a historia de 3 mulheres, desde jovens (17 a mais nova no começo do livro) até a chegada da vida adulta (39-40) no mundo Hollywoodiano. Mas é muito mais que isso, é como um protesto feminino, uma revelação, pra época, do machismo, da objetificação do corpo feminino, da farsa da vida de "esposa perfeita" que pode conquistar o amor e fidelidade de um homem apenas com o amor e dedicação.
As bonecas em si são as drogas - uma vermelha para dormir, a amarela junto pro efeito durar mais e uma verde para ficar acordada e emagrecer!
O começo do livro é um pouco lento, nos mostra a chegada da Anne a NY.
Anne foge da sua cidade natal, no interior, onde sofria certa opressão da mãe e da vida "esperada" a todas as mulheres da cidade: se casar com alguém de bom nome, quer você ame ou não (pra mãe, o amor por um homem é impossível! Sexo é uma infeliz obrigação), ter filhos, morar na sua casa herdada & assim cumprir seu papel, ser uma esposa e uma mãe - nunca uma mulher com desejos maiores de se apaixonar, de sentir prazer, de ter uma carreira, de ter emoções que fogem das que uma dama teria.
"Uma casa em que uma boa família da Nova Inglaterra vivera geração após geração, os seus habitantes sufocados pela disciplina, por emoções coibidas, emoções reprimidas sob a rangente armadura de ferro chamada 'boas maneiras'. ("Anne, uma dama nunca ri alto." "Anne, uma dama nunca chora em público." "Mas não estamos em público, estou chorando para você, mamãe, aqui na cozinha." "Mas uma dama chora em privacidade. Você não é mais uma criança, Anne, tem doze anos, e a tia Amy está aqui, na cozinha. Agora vá para o seu quarto.")"
Essa visão da mãe de Anne é algo que ela ressente até o fim - entendível. Mas também é muito legal porque literalmente deveria ser o pensamento de muitas mulheres, com todo o contexto conservador e limitante feminino "nenhuma dama gosta de beijar". O pai da Anne não é muito lembrado por ela (falecido) mas citado como um homem com problemas de bebida pela mãe.
Logo Anne se envolve com Allen, um rapaz a principio paciente, legal e carinhoso que se apaixona por ela. Tudo que Anne quer, além de viver o que a vida agitada de NY tem a oferecer, é se apaixonar; mas assim como todos os meninos da sua cidade, Allen nada a traz emocionalmente, além de um carinho amigo. Então ela conhece Lyon Burke! O típico estereótipo de garanhão, solteirão. Mas os 2 tem uma conexão que ela acredita ser um amor verdadeiro e reciproco, seria mesmo?
Anne é uma mulher dedicada, amorosa e, como sempre é referenciada, cheia de classe. Anne é muito resiliente, gentil, bondosa, honesta, leal, inteligente, controlada, sonhadora. Se alguém pode conquistar a vida prometida, seria ela.
Neely é uma garota, desde sempre, muito dedicada - a alcançar um sucesso na sua vida, seja por meio da sua carreira artística, seja tendo um marido. Diferente de Anne, Neely foi alguém sem figuras paternais, apenas sua irmã, que a tirou de lares adotivos com uns 7 anos e assim Neely passou a viver com ela e seu marido em uma vida de artistas baratos, começando sua "carreira artística" aos 14 anos.
E sua carreira realmente se torna algo, mas com isso, Neely muda totalmente. De uma garota sonhadora, que passava as noites lendo 'E o vento levou', alegre e amigável - Neely se torna o que mais criticava. A vida real de uma estrela, a pressão eterna para ser magra (anoréxica) e estar sempre bonita, não aparentar mais que 20 anos, o ritmo do trabalho exigido pelo seu estúdio a corrompem e destroem todos seus sonhos de uma vida que sempre sonhou.
“Os homens irão deixar-te, a tua beleza irá desaparecer, os teus filhos irão crescer e partir e tudo o que pensaste ser a tua vida irá azedar; a única coisa com que podes contar é contigo mesma e com o teu talento.”
Sério, em todo livro é muito incomodo a obsessão pela magreza e como a mulher gorda (e por gorda nem precisa ser tão acima do peso) é tida como de nenhum valor, o Lyon até se refere a uma mulher gorda como se fosse um animal, uma deformação. E como pensar que a autora exagerou a retratar isso? Os filmes de 2000 feitos para o publico feminino passavam justamente isso. As mulheres ditas gordas eram quaisquer umas acima de 50kg. E essas, sempre ridicularizadas.
Como se esperar que essas mulheres não se adoeçam em tal contexto social? Nosso valor é definido por nosso peso/corpo ou seja pela capacidade de sermos controladas pelos valores da sociedade - e quem fez a sociedade, homens.
Jennifer, a mais velha do grupo, deve ser considerada a preferida pela maioria dos leitores. Ela é uma mulher "sem talentos" conforme a própria definição, só possui sua beleza e corpo e tem uma relação também um tanto problemática com a mãe, que vive a pressionando para se casar e mandar mais dinheiro pra família. Apesar de a personagem entender que precisa se arranjar com um homem pra ser segura financeiramente e poder mandar mais pra sua mãe, ela tem um desejo de ser amada por ser quem é, além de seu corpo e além do sexo.
Consegui me relacionar varias vezes com essa ideia que ela internalizou que tudo que tinha a oferecer era seu corpo e sua aparência; seu corpo e o que ele oferecia era sempre o que se destacava além de qualquer outra coisa, pros homens com quem encontrou! As vezes a tratando como uma mera boneca de prazer.
De um jeito simples e fluido a autora denuncia a abordagem e visão toxica masculina/da sociedade perante a mulher.
Acho que todas as mulheres do livro podem trazer algo a acrescentar nessa discussão: a triste visão da vida pela mãe da Anne, que nunca conheceu melhor então se convenceu que não existia melhor; a mãe de Jennifer e seu discurso e comportamento opressivo sob a filha que provavelmente veio do próprio comportamento que a mesma deveria receber; Hellen e seu sempre presente medo de ser trocada e ofuscada, porque a idade pode ser como uma condenação pras mulheres; Mirian e sua completa abnegação.
E os homens, acho que o único que presta foi o Mel! Porque o resto... até os "mais bonzinhos" - suas vontades sobrepõem as das mulheres, eles não realmente as veem e as ouvem! Quando por ex. a Anne sempre foi 100% honesta e mesmo assim respondem a isso com agressividade, usando a intimidade dada para machucar e humilhar; até o Henry que é um grande "amigo" de Anne, acaba sendo decepcionante - como sempre homens pelos homens, as mulheres devem ser seres que aceitam e superam tudo com graça por serem tão fortes...
Em resumo é um livro pesado, triste mas muito real e infelizmente, muito atual.
"Tudo que enxergava era o topo da tal montanha... não havia ninguém para lhe informar sobre o Vale das Bonecas."