Vitor Hugo 08/07/2023
"Gosto mais de ser interpretado do que de me explicar"
Pois não, Presidente Vargas. Eis mais uma "interpretação", esta da lavra do recentemente falecido historiador paulista Boris Fausto.
Na forma de "perfil", integrante de uma coleção dedicada a vultos brasileiros, e publicada pela Companhia das Letras, a obra é ao mesmo tempo concisa (pouco mais de 200 páginas), objetiva e informativa, abrangendo desde o nascimento de Getúlio, em 1882, até sua morte, naquele fatídico 24 de agosto de 1954, sem deixar, no último capítulo, de analisar o legado da Era Vargas.
É claro que muito já se publicou sobre Getúlio (vide, por exemplo, os três volumes da excelente biografia escrita por Lira Neto), mas sempre é muitíssimo interessante ler sobre a trajetória complexa e mesmo contraditória do maior estadista que o Brasil conheceu.
O livro acompanha os anos de formação de Getúlio, sua carreira como deputado estadual, deputado federal e chefe do governo estadual gaúcho, sob a influência de Borges de Medeiros e a doutrina positivista nacionalizada por Júlio de Castilhos.
Após, a formação e a campanha da Aliança Liberal nas eleições de 1930. A Revolução desencadeada a partir de Porto Alegre em 3 de outubro daquele ano. Os anos como chefe do governo provisório. A inconformidade dos paulistas, apeados do poder (1932). A Constituição de 1934, a Intentona Comunista de 1935, tudo desaguando no Estado Novo, em 1937, com o mundo já às portas da II Guerra Mundial.
Por fim, acompanhamos o "período sabático" nas fazendas gaúchas, até a volta triunfal, "nos braços do povo", em 1950, após vencer as eleições diretas para presidente. O mundo, contudo, não era o mesmo. Havia uma oposição barulhenta, em que se destacava o "corvo" Carlos Lacerda, os militares estavam inquietos, e houve uma guinada radical em direção aos trabalhadores em geral, inclusive com João Goulart como Ministro do Trabalho, o que desgostou em muito a elite econômica do país.
Enfim, tudo desaguou na madrugada de 24 de agosto de 1954. Um tiro no peito. Saindo da vida para entrar na história. Mas sua história continuou, muito graças a famosa carta-testamento, que até hoje está presente em várias praças pelo Brasil afora.
O livro ainda conta, em sua parte central, com várias fotografias e caricaturas, mostrando Getúlio ao longo dos anos, invariavelmente com seu sorriso, enigmático para os opositores, reconfortante para os apoiadores. E daí a razão de ser da letra da famosa marchinha:
"Bota o retrato do velho outra vez,
bota no mesmo lugar.
O sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar".