José 17/11/2017
Os inimigos íntimos da democracia
Quando Tzvetan Todorov morreu no começo deste ano, assisti a uma entrevista dele expondo a ideia de que a democracia, hoje, não tem de se preocupar com inimigos externos, totalitários. Seus adversários com esse perfil foram suprimidos, designadamente o nazismo, o fascismo e o comunismo. O que sobrou é tópico, exótico: não é ameaça. Mas surgiu uma outra geração de inimigos, que convivem no seio da sociedade democrática, baseados na perversão de seus princípios fundamentais: o populismo (o povo), o ultraliberalismo (a liberdade) e o messianismo (o progresso). Sempre que um dos elementos fundamentais democráticos se isola e cresce, uma doença emerge. A demagogia que corrói o debate público, gerando soluções fáceis e inexequíveis. A desregulamentação que castiga os mais fracos na sociedade e degenera relações fundantes (família e trabalho, principalmente). A ascensão de soluções personalistas mirabolantes, que envergam as colunas do sistema. A saúde de uma democracia depende, portanto, de equilíbrio entre essas facetas, de que se evite a ?desmedida?. A ideia, tão simples quanto precisa, é o fio condutor desse livro, escrito em 2012, outro dia, portanto. Embora algumas ameaças estejam por ele subestimadas (ele deu pouca importância ao terrorismo, por exemplo), algumas possibilidades ignoradas (não enxergou a potência chinesa), seu diagnóstico é visionário. Trump e Putin o demonstram. A escalada xenófoba, idem. As guerras de salvação (o ocidente invadindo países pobres no oriente muçulmano) também. Como historiador das ideias, o autor vai buscar no século IV, no debate entre Pelágio e Agostinho, as raízes dos confrontos entre perfeição e imperfeição que justificam os voluntarismos discursivos e estão no coração do Iluminismo e de todos os salvacionismos políticos. Uma baita obra.