Lucio 14/08/2021
Um Convite ao Mundo Fantástico Chamado 'Aqui Mesmo'
INTRODUÇÃO
Este é um livro que compilou crônicas do autor e foi publicado no início da década de 10. E este é o ponto a ser salientado numa introdução. Trata-se de crônicas. Enquanto Chesterton é famoso por ilustrar seus argumentos com parábolas e ilustrações, além das ricas alusões literárias, aqui o formato é invertido, como se as ilustrações aparecessem em primeiro plano. Todavia, não quer dizer que o argumento, a tese e a lição de moral tenha menor importância. É uma questão estilística, um 'método' de ensinar. O que pretendia ensinar? É o que veremos a seguir.
TESES E TEMAS
Gastamos um bom tempo resumindo capítulo por capítulo. Como se trata de crônicas, são histórias distintas e um resumo de cada uma aqui não faria muito sentido, além de cobrir um espaço absolutamente inadequado para uma resenha crítica. Portanto, nos deteremos nas teses principais da obra e, de certo modo, do próprio pensamento de Chesterton.
A principal tese é a que intitula a obra. Chesterton diz que não há nada desprovido de interesse. O que nos acontece é que perdemos a capacidade de nos maravilhar. Nos acostumamos com as coisas, não nos atentamos para elas, não as respeitamos e não nos devotamos a considerá-las. Talvez seja a soberba que nos faz querer ser maiores do que somos ao mesmo tempo que nos faz não notar as coisas que já estão ao nosso dispor. Para demonstrar isso, o autor perpassa crônicas em situações das mais diversas. Até mesmo vasculhar seus bolsos se torna algo empolgante. Pegar um táxi também. E - por que não? - torcer um pé pode ser fantástico! Entre tantas outras situações. O autor nos mostra como fazer isso, não apenas nos instigando à imaginação e à reflexão, como nos recomendando coisas práticas, como, estando em casa, 'viajar para chegar em casa'. A perspectiva da vida como uma aventura emerge novamente na pena do autor. Agora ela serve ao propósito da tese principal. Em certo sentido, é por falta de perspectiva que não se aproveita as tremendas trivialidades e que não se vê a vida como aventura.
Esta tese, essa perspectiva, é o fio condutor de toda a obra. Mas, em momentos distintos e paralelo à tese principal, veremos Chesterton, como sempre em seus livros, discutindo sobre democracia; sobre cristianismo e religião; sobre socialismo e capitalismo; sobre marxismo; sobre contos de fada e educação; sobre as diferenças entre a França e a Inglaterra - e aqui, também, sobre a Bélgica -; sobre a Guerra dos Bôeres; sobre arquitetura. Assim, a obra é bastante rica para nos provocar à reflexão sobre nossa visão de mundo de um modo geral.
CRÍTICA
Apontamos eventualmente, nos resumos de cada crônica, alguns poucos raciocínios que não nos pareceram corretos. Mas, de um modo geral, estamos bastante de acordo e satisfeitos com a argumentação do autor. Todavia, pode-se apontar algumas coisas. A primeira é que Chesterton não correlaciona a perspectiva das 'tremendas trivialidades' com a espiritualidade. Claro que alguns dirão que ela é a própria espiritualidade, mas isso seria um humanismo (secular) e imanentismo puros - coisas que Chesterton repudiava. Fato é que o autor faz justamente isso no 'Ortodoxia'. Portanto, já havia desenvolvido essa percepção e, portanto, a ausência deste elemento no livro parece empobrecê-lo.
Outro problema se fundamenta no estilo literário. Chesterton costuma deixar nas entrelinhas, nas reticências, o sentido do que quis dizer. Todavia, às vezes ele deixa as coias muito obscuras, demandando que completemos seus pensamentos quando as pistas foram insuficientes para tal desafiadora tarefa. Assim, nalguns momentos ficamos por entender o que Chesterton quis dizer com esta ou aquela crônica.
Em termos diretos, há aqueles problemas que sempre temos mencionado em nossas resenhas a respeito do autor. Mas aqui, suas referências críticas ao conservadorismo - que ele abraça sem o saber, aparentemente - e ao capitalismo - o autor insiste em não distinguir entre capitalismo e liberalismo enquanto filosofia - são mais tímidas do que em outras obras, e sua acidez contra o calvinismo é ainda mais escassas. Isso dá mais crédito à obra de um modo geral, mas ainda assim deve ser mencionado no tópico das críticas, a título de completude.
Por fim, algo que notamos também no 'Considerando Todas as Coisas', há pouco aprofundamento nos temas abordados. Sentimos falta de uma consideração mais demorada e penetrante nos temas. Nas crônicas que mais nos chamaram a atenção, lamentamos o abrupto encerramento de raciocínios promissores. Alguns até encontram um outro desenvolvimento em um artigo explicitamente complementar. Mas, ainda assim, não se trata de uma ampliação dos mesmos argumentos, mas sim uma expansão no número de argumentos ou em perspectivas adjacentes, próximas.
REFERENCIAL TEÓRICO
Chesterton faz as já bastante conhecidas alusões literárias, não raro mencionando romancistas ou poetas com quem temos pouca familiaridade. Isso só representava seu vasto conhecimento literário. Há, claro, referência a alguns nomes na história da filosofia. Todavia, o filósofo já estava com várias de suas ideias amadurecidas o bastante para ter por referência as ideias que já havia desenvolvido nas obras anteriores, notadamente 'Hereges', 'Ortodoxia', um pouco do 'O Que Há de Errado com o Mundo' e talvez até mesmo o 'Considerando Todas as Coisas'. Podemos mencionar também sua referência direta ao socialismo e ao materialismo histórico-dialético. Há também alguma referência a questões arquitetônicas, bem como a muitos aspectos culturais da França e Inglaterra que são importantes panos de fundo para as suas reflexões.
RECOMENDAÇÃO
Este livro, em termos de recomendação, nos evoca - para o deleite dos chestertonianos, certamente - um paradoxo. Por um lado, é uma ótima introdução ao autor. Há uma maior literariedade por conta do método aqui empregado. Assim, aqueles menos acostumados às reflexões teóricas podem se sentir instigados a elas por meio desta obra. Por outro lado, sem o desenvolvimento de muitas das teses melhor trabalhadas em outros textos, tememos que muitos dos argumentos e perspectivas aqui apresentados possam não ter a devida apreciação. Assim, para um leitor experiente neste autor, o livro serve muito bem para ilustrar - quiçá elucidar - compreensões já adquiridas, bem como para acrescentar seus dois centavos na composição do pensamento do autor. Para o leitor novo em Chesterton é recomendado que se busque dar atenção às coisas ditas. Que tente identificar o argumento e completar as lacunas intencionais do autor. E que isso sirva como incentivo à reflexão. Assim, quando for a outros livros do autor, encontrará como que uma exposição mais completa das teses às quais pode ter sido apresentado aqui.
O livro é de grande valor existencial. Principalmente se beneficiará quem estuda o tema da felicidade e as questões da existência. Mas há, como dissemos alhures, contribuições - ainda que tímidas - a várias áreas do pensamentos, de modo que provavelmente o autor nos agradará - ou nos provocará com sagacidade - em pelo menos uma das crônicas.