GH 09/05/2017
KAFKA, o absurdo e o monarco-feudalismo.
‘’O Castelo’’ foi o último romance de Kafka, escrito em 1922, dois anos antes de sua morte. A narrativa situa-se numa vila remota quase permanentemente coberta por uma neve intransponível e dominada por um castelo e seus representantes. Aqui Kafka explora a alegoria do ‘’castelo’’ e a relação entre indivíduo e poder, encena os dilemas existenciais e as incertezas da modernidade ao questionar os motivos pelos quais os aldeões se submetem tão facilmente à autoridade que pode apenas existir na imaginação coletiva.
O livro inicia-se de maneira absurda, rotineira nas obras do autor. Joseph K, personagem já conhecido de livros passados, como por exemplo, O Processo é o nosso principal homem. Na verdade, há de se dar as devidas honras ao mérito com Franz Kafka pela criação de um personagem sem nome, ou melhor, sem identidade, pois é de fato uma representatividade individual de todo um coletivo que colhe ao longo da história crenças, culturas e repreensões pejorativas.
K. Chega à vila já admirado, extasiado pela vista, não tão clara e objetiva assim do Castelo.
Por ser um forasteiro, um estrangeiro naquele específico local, pede informações aos habitantes que lá estão sobre o Castelo e claro, se há possibilidade de ter um lugar para que ele possa descansar. E esse é o ponto de partida para toda esquizofrenia que vem a seguir. Tratado com desdém pelos que lá se encontram, pois K. não é ninguém importante e não trabalha no Castelo, o personagem é obrigado a mentir que sim, trabalha no Castelo e, para suprir sua curiosidade, de prontidão diz que é um agrimensor. Misteriosamente, a informação chega ao dono da casa que sim, K. realmente é um agrimensor.
São notáveis, a partir deste contexto, algumas coisas de extrema importância inseridas até então para, de fato, iniciar toda uma trajetória do personagem e entender porque ele representa toda uma sociedade. Uma delas é a busca pelo intangível, uma explicação para algo que certamente não pode ser explicado, mas mais que isso, uma busca por um tipo exato de conhecimento e entendimento onde é destinado apenas a enxutas minorias. Meritocracia não é o termo exato nessa peculiar situação, pois é clarividente o sistema monarco-feudal onde se situa o K.
Monarco-Feudal. Por quê? A história e a obra em questão explicam. O Feudalismo foi um sistema de duração quase milenar na Idade Média e dentre suas principais características duas são explícita aqui: Sociedade estamental e desigualdade, por consequência. Numa sociedade estamental, o indivíduo que nasce numa classe específica, morrerá nela, porque ascensão social é inexistente nessa ocasião. A desigualdade é a consequência de tudo isso e principalmente pelo paradoxo aqui estabelecido. No Feudalismo o sistema político é descentralizado e ou pertencentes à elite agrária (senhores), mas aqui uma única figura manda em tudo: O Conde do Castelo. E assim, aqui, formou-se o Monarco-Feudalismo.
Impotência. Impotência pode ser classificado como o principal efeito do citado sistema. K. é cercado por pessoas desinformadas, sem influência e sem noção nenhuma do porque, para quem trabalham e pior, não sentem vontade de saber. Conformados. Impotentes e conformados.
A alegoria com o Castelo é de tamanha grandeza (perdoe o trocadilho) que escrita há quase exatos 100 anos, é ainda uma descrição quase que perfeita do neo-colonialismo em que se encontra o Brasil.
''O senhor agrimensor perguntou-me e eu tenho de lhe responder. Como, se não, haveria de compreender aquilo que para nós é óbvio: que o senhor Klamm jamais falará com ele, que digo – falará? – jamais poderá falar com ele. Ouça, senhor agrimensor, o senhor Klamm é um senhor do castelo, já isto por si, mesmo deixando de lado, por completo, a posição restante de Klamm, significa um degrau muito elevado. Em troca, quem é o senhor? O senhor, cujo consentimento para o casamento solicitamos com tanta humildade! Não é do castelo, não é da aldeia, não é nada. Mas, por desgraça, o senhor, contudo é algo: um forasteiro, um que se torna supernumerário e está sempre por ai, molestando. '' (Pág. 72)
Por não ter um desfecho equivalente à grandeza da obra, consequentemente ‘’O Castelo’’ fica a baixo dos clássicos ‘’O Processo’’ e ‘’A Metamorfose’’.