brunossgodinho 24/03/2020Um monumento à inamovível falta de sentidoO castelo parece ser a conclusão lógica e, acima de tudo, digna da obra de Franz Kafka, literariamente e biograficamente. É uma narrativa instigante, em que o estilo já conhecido através dos mais famosos
A metamorfose e
O processo parece atingir um certo esmero que acabou por ser derradeiro.
Nesse livro, Kafka começa uma história que, à primeira vista, é até cômica. Parece uma comédia, tamanhas as trapalhadas e a falta de sentido das coisas. Uma coisa quase tirada das esquetes do grupo inglês Monty Python. Depois de algumas páginas, porém, os aspectos tipicamente kafkianos vão se mostrando: as ações vão se emaranhando, se confundindo, dando de cara com as paredes, retrocedendo e avançando.
O agrimensor K. chega a essa aldeia esquisita que rodeia um castelo, centro das atenções. Centro, porém, de um labirinto. Ainda que se chegue a ele, a saída não está lá. O castelo é esse monumento que K. constrói para si mesmo, a partir de suas impressões e das dos aldeões, de uma solução que desatará todos os nós de sua vida desde sua chegada à aldeia. É a solução de todos os problemas que (im)porá sentido onde ele não existe (ou não parece existir).
Se o leitor procede diretamente ao texto, sem ler, por exemplo, as orelhas ou o posfácio que Modesto Carone deixou (coisa que não fiz), vai dar de cara com o inacabamento do texto. Vai se ver estatelado numa frase que não termina, num livro sem fim. Mas, será que
O castelo não tem fim? É o que nos diz Carone: é claro que tem fim. Todos sabemos qual: K. nunca chegará ao castelo. E, mesmo que chegasse, em nada adiantaria. Um monumento nada mais é que uma rede de significados, criada por alguém, mas sempre em busca de um outro fiador que adicionará mais um nó a essa rede. K. é o fiador que desestabiliza a rede porque, ao mesmo tempo, ele tenta desfazer os nós existentes (passar por cima dos burocratas, contorná-los) e atar os seus próprios. Esse monumento, então, não deixa de existir; ele só muda de face. No fim das contas, o castelo vai de solução dos problemas à máquina infernal, produtora de insensibilidades e insensatez, numa espiral sem fim. Kafka entrega, com esse livro, seu monumento a esse aspecto tão importante da vida, o sentido e sua ausência.