Eduardo 22/12/2015O castelo: uma experiência revoltanteKafka é talvez o autor mais peculiar de toda a literatura. Seu modo de escrever é, em minha opinião, o mais distinto de toda a literatura. Ele tem a feliz capacidade de me colocar em estado melancólico todas as vezes que termino uma de suas obras.
Entre os talentos, dentro os vários que o autor desenvolveu, um se destaca para mim como o mais importante: A capacidade de fazer o leitor se revoltar contra os seus textos. É nesse ponto onde encontro a grande genialidade de Kafka.
Muitos com quem converso, criticam exatamente isso, a grande frustração que sentem de chegar ao final de seus romances e se depararem com um “soco no estômago”. Relatam, sempre com grande tristeza, que ao ler textos como o processo, de quase trezentos páginas, chegam num final angustiante e sem esperança.
Mas para mim, é essa singularidade Kafkiana que atrai. O castelo é um dos romances longos do autor e logo de cara, ao enfrentar as primeiras páginas, percebemos que todo o escopo da trama foi formado.
K. – assim chamado o protagonista – chega a uma aldeia para prestar serviços de agrimensura a um conde do castelo. Mas logo ao entrar em contato com os moradores do local, vê a dificuldade em encontrar seu contratante.
Basicamente assim a estória se desenvolve: relações com os aldeiões, funcionários menores do castelo e demais moradores do local. Parece tudo muito simples, mas não é, e é aí que reside a magia da escrita de Kafka.
O livro é recheado do discurso da obediência em tom derrotista por parte das pessoas que vivem na aldeia e o tom da dominância por parte daqueles que do castelo comandam. As relações entre as personagens são detalhadamente bem descritas, o que exige do leitor atenção redobrada. Até as alterações da respiração de certas personagens mudam todo um contexto de uma conversa e piscar nesse momento pode prejudicar sua atenção.
Por fim, o mais importante: O castelo. Um local que permanece na boca de todos, mas que soa como inatingível. K. busca-o incessantemente, mas ele parece inacessível, como uma entidade divina a qual comanda as ações da personagem, não se mostra, enviando clérigos em seu nome; neste caso os funcionários.
Apesar de minha digressão metafísica, vi também um livro muito realista, pois discute questões de divisão de classes e dominação. Todos os diálogos parecem estar recheados dessa característica. Todos os moradores não podem fazer algo para além de sua realidade social, tudo deve funcionar, o status quo é fundamental, alterá-lo prevê pena na forma de uma exclusão silenciosa, que bane os “infratores” da normalidade existente.
Uma terceira interpretação, seria a psicológica. O Castelo parece representar o mistério. Aquilo que é inexplicável, mas que tem papel fundamental na existência. Parece a busca de K. por seu desconhecido e dentro disso, há que enfrentar todo um mundo para compreendê-lo.
O livro, provocativo em toda sua inteireza, revolta e frustra tanto quanto qualquer outra escrito por Kafka, mas esse sentimento é o mais importante nos textos de Kafka, pois “sem revolta…”, como dizia uma antiga professora, “não caminhamos”. Ele é um dos poucos autores que provocam o pensamento, faz com que o leitor se movimente e repense as coisas.
Isso é essencial num livro!
Por isso a grande importância de Kafka na literatura e sua enorme contribuição.
Várias outras compreensões podem ser tiradas desse livro e releituras provavelmente trarão novas reflexões. O livro é excelente dentro de sua temática extremamente plural. É sociológico sem ser sociologista, psicológico sem ser psicologista. É em suma um livro completo, mesmo em sua incompletude.