Tali 17/04/2024
Carcereiros (Drauzio Varella)
Não fiquei infeliz nem me senti fracassado; as atividades de oncologista com clínica movimentada, as viagens ao rio Negro como parte de um projeto de pesquisas, as colunas que escrevo em jornais e revistas e o trabalho de educação em saúde pela tv já ocupavam todo o tempo disponível; o problema era que a falta de contato com o ambiente marginal deixava a vida mais pobre. Estava tão envolvido com aquele universo, que abrir mão dele significava admitir passar o resto da existência no convívio exclusivo com pessoas da mesma classe social e com valores semelhantes aos meus, sem a oportunidade de me deparar com o contraditório, com o avesso da vida que levo, com a face mais indigna da desigualdade social, sem ouvir histórias que não passariam pela cabeça do ficcionista mais criativo, sem conhecer a ralé desprezível que a sociedade finge não existir, a escória humana que compõe a legião de perdedores que um dia imaginou realizar seus anseios pela via do crime, e acabou enjaulada num presídio brasileiro.